Paraíba

VIOLÊNCIA

Despejo da ocupação sem teto Dubai revolta Direitos Humanos e população pessoense

Sem seguir nenhuma recomendação da Justiça, Prefeitura violou liminar do STF

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Despejo na comunidade Dubai, em Mangabeira 8. - Reprodução

Foram  600 policiais militares para removerem, sem aviso prévio e sem nenhuma notificação anterior, as 400 famílias que ocupavam uma vasta área no bairro de Mangabeira 8, em João Pessoa. A ação já se mostrou pronta para o despejo, mesmo antes do sol raiar, nas primeiras horas de terça (23), às 4h30, os moradores sem teto viram seus barracos destruídos e suas vidas devastadas pela ordem de despejo solicitada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa. 

Nesta quarta (24), uma imensa sensação de revolta se abateu em parte daqueles que fazem a Justiça na Paraíba. A remoção das famílias de Dubai foi feita sem o conhecimento da Defensoria Pública. Apesar das inúmeras crianças da ocupação, não houve presença do Conselho Tutelar. O Art. 554. (...) do Código de Processo Civil diz que:
"§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública", no entanto, o juiz responsável pela decisão de despejo de Dubai, Antônio Carneiro, não intimou a Defensoria Pública.

Já o procurador do município, Bruno Nóbrega, disse que "não há previsão legal para isso" e que a notificação para a Defensoria pode ser feita posteriormente à ação e "e não de forma antecedente".

Para os integrantes do comitê estadual Despejo Zero na Paraíba, cabe entrar com representação contra a decisão do juiz do caso no Conselho Nacional de Justiça e na Corregedoria do Tribunal de Justiça  e no Conselho Nacional do Ministério Público também, já que o Ministério  Público da Paraíba, segundo integrantes do Despejo Zero, não seguiu nenhuma recomendação sobre casos como esse e nem seguiu a liminar do Supremo Tribunal Federal que impede despejos durante a pandemia.

"Todos sabem que tem decisão do STF, recomendação do Conselho Estadual e Nacional de Direitos Humanos, do Conselho Nacional de Justiça, além da lei de autoria de Natália Bonavides (PT-RN) que impedem ações como essa, em tese. Vamos acionar a corregedoria contra o juiz e apresentar reclamação constitucional, no STF,  a fim de tentar evitar novos despejos na área, como também buscar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos", disse Olímpio Rocha, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos.


Despejo na comunidade Dubai, em Mangabeira 8, nesta terça (23). / Reprodução


Criança desolada durante a destruição dos barracos, no despejo da Dubai. / Reprodução

Mais de 700 pessoas foram removidas da área que ocupavam, sob alegação de desmatamento e presença de tráfico de drogas na área. Despejadas, em plena pandemia, as famílias foram levadas para o Centro Profissionalizante Deputado Antônio Cabral (CPDAC), no Valentina, a escola João Gadelha e o ginásio Hermes Taurino, em Mangabeira, sem testagem para Covid-19 e alimentação adequada. Por causa disso, o CPDAC emitiu comunicado na noite desta quarta (24) dizendo que: " devido a ocupação do Ginásio Poliesportivo pelas famílias da comunidade Dubai, que foram desabrigadas, não há condições de continuidades das aulas presenciais. As mesmas acontecerão no formato remoto, até as próximas orientações".


Situação das famílias no ginásio do CPDAC. / Instagram Todos Pelo Aratu


Situação das crianças de Dubai, no CPDAC. / Instagram Todos Pelo Aratu

 

A Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), requerente do despejo contra a ocupação Dubai, se pronunciou nesta quarta (24) dizendo que: "Na Escola João Gadelha e Ginásio Hermes Taurino, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) realizou a entrega de refeições aos abrigados, sendo, até o momento, um total de 445 refeições. O mesmo número será distribuído no horário do jantar, garantindo assim a segurança alimentar das famílias. Nos locais também estão sendo realizados os cadastros das famílias junto ao Auxílio Moradia, assim como sendo realizado todo o acompanhamento com assistentes sociais e psicólogos". Já em relação às famílias que foram levadas para o CPDAC, a PMJP disse: "a Prefeitura continua realizando testagem para diagnóstico da Covid-19 e vacinação dos que estão com sua segunda dose atrasada. No local, também estão equipes do Samu-JP e da Vigilância Sanitária para salvaguardar a segurança sanitária de todos, além de assistentes sociais e psicólogos que realizam atendimentos em regime de plantão. As famílias que foram para o local já foram cadastradas no Auxílio Moradia e terão acesso ao benefício eventual". 


Famílias no ginásio do CPDAC. / Reprodução

Movimento de Moradia

Para o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos da Paraíba (MTD-PB), o despejo foi um conjunto de abusos, "o fato de estarmos em plena pandemia é revelador que o Ministério Público Estadual, junto com a Prefeitura Municipal de João Pessoa, se tornam o polo ativo do despejo, mas ignoram o fato de ter uma lei de autoria da deputada Natalia Bonavides (PT/RN) que impede despejos nesse momento, somado a decisão do Supremo Tribunal Federal, que garante que as famílias que ocuparam áreas antes de 20 de Março de 2020 não sejam despejadas, além de um conjunto de recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Direitos Humanos, inclusive naquilo que se chama de Despejo Administrativo". 

Sobre a questão relacionada à acusação de tráfico de drogas na área, o MTD disse que "o mesmo Estado que não cumpre o seu papel e que protege a propriedade privada desses territórios, por parte dos grandes grileiros de terras no estado da Paraíba, é o Estado que acusa locais de extrema vulnerabilidade por buscarem saídas nas redes de organização do tráfico de drogas, sendo estas, na maioria das vezes, as únicas alternativas de acolhimento acessadas por uma juventude que não possui  perspectiva nenhuma a não ser a da violência". 

O MTD também levantou a contradição sobre o motivo para a reintegração de posse da comunidade Dubai, questionando a diferença de tratamento dado para as construções de grandes empreendimentos e de resorts na região e para a ocupação sem teto e afirmam que o que ocorreu foi a criminalização da pobreza: "Para os pobres, acusação de crime e despejo... para os ricos, o Desenvolvimento. Estamos falando de um processo de despejo e de uma política que mede a população da cidade de João Pessoa com dois pesos e duas medidas, desumanizando as pessoas que vivem em nossa cidade, que produzem a nossa cidade e que sustentam, em grande medida, com seu suor e trabalho o tão falado Desenvolvimento". 

Diversas notas de repúdio ao Despejo contra Dubai

A Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves afirmou por meio de nota emitida nesta quarta (24) que: "Tal ato desrespeita a recomendação da Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba, que prevê a comunicação prévia para a Defensoria Pública antes que reintegrações de posse sejam cumpridas quando dizem respeito a pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade, como foi o caso da Dubai, em que famílias foram despejadas com muitas crianças, sem a presença, inclusive, do Conselho Tutelar. Além disso, afronta a decisão do Supremo Tribunal Federal relativa à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828, que determinou a suspensão dos despejos durante o período da pandemia da Covid-19, a vigência da Lei 14.216/21, que proíbe despejo ou desocupação de imóveis urbanos até o fim de 2021 em virtude da pandemia de Coronavírus, e um conjunto de recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Direitos Humanos".

A Frente Brasil Popular também se pronunciou através de nota sobre o despejo de Dubai, repudiando a ação e afirmando que "As famílias não foram notificadas, não se tornou público sob qual processo legal se deu o despejo. O que assistimos são famílias se somando a milhares de sem-teto que não têm outra opção: precisam escolher entre comer ou pagar o aluguel. Estamos falando de uma região onde o aparato do Estado não chega de outra forma que não seja através da força policial e da violência".

Já os partidos das Trabalhadoras e dos Trabalhadores (PT), Socialismo e Liberdade (Psol) e Unidade Popular (UP) afirmaram, em nota, que repudiam o prefeito Cícero Lucena (PP) e o Governador João Azevedo (Cidadania) diante do caso de despejo da comunidade Dubai, em João Pessoa, Paraíba e que "em que pese a argumentação “ambientalista” utilizada, o que realmente pauta a ação dos gestores do Município de João Pessoa não é a legalidade, mas o fato de que o litoral sul pessoense tem se tornado palco para disputas fundiárias pautadas em interesses empresariais e de mercado.".

Para tentar evitar que casos de violação de direitos e da dignidade humana como a remoção das famílias de Dubai, o Psol, conjuntamente com o Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba, MTST, Renap, CPDH,NAJUP/FND/UFRJ, CDES, Terra de Direito, Centro Gaspar, Transforma MP, ABJD e Associação de Advogados Públicos para a Democracia, pedem com urgência, ao STF,  a prorrogação da ADPF 828, a liminar que protege famílias pobres contra despejos durante a pandemia. 

E nesta segunda (29), às 9h, os movimentos populares lançam a Frente Popular contra Despejos e Remoções na Paraíba, junto com a retomada da Campanha Despejo Zero. O evento vai ser realizado na sede da Central Única dos Trabalhadores da Paraíba (CUT-PB) e para apoiar às famílias de Dubai quem quiser doar alimentos não-perecíveis, roupas, calçados e produtos de higiene pessoal, pode entrar em contato pelos telefones (83) 9 88255680 (falar com Gleyson) e o (83) 99331-5592 (Falar com Bárbara).

Edição: Heloisa de Sousa