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Papo Esportivo | A língua é o chicote da alma

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Renato Gaúcho foi contratado oficialmente pelo Flamengo no dia 10 de julho como o "salvador da pátria" - Alexandre Vidal
A derrota para o Athletico Paranaense mostrou um Flamengo perdido num deserto de ideias

Renato Gaúcho iniciou seu trabalho no Flamengo a todo vapor. Goleadas em sequência, grandes atuações individuais de Arrascaeta, Gabigol e Bruno Henrique, muita festa por parte da torcida e as já conhecidas bravatas e respostas prontas nas entrevistas coletivas.

Enquanto isso, a imprensa fazia comparações com Jorge Jesus (!!!) e se perguntava até onde o Fla poderia chegar com Renato no comando. Projetava-se até mesmo um duelo contra o Chelsea (dono do título da Liga dos Campeões) na final do Mundial de Clube da FIFA (!!!!!!).

Só que o futebol é dinâmico e a certeza de hoje pode se transformar na dúvida de amanhã. A derrota para o Athletico Paranaense por 3 a 0 dentro de casa nas semifinais da Copa do Brasil nos mostrou um Flamengo perdido num deserto de ideias.

A equipe estava mal escalada, substituições foram muito mal feitas e os jogadores estavam completamente nervosos dentro de campo. A impressão que ficava era a de que as goleadas sobre o Olimpia, o Defensa y Justicia e o São Paulo se transformaram numa lembrança distante.

Mas como o Flamengo chegou nesse ponto? O que aconteceu do dia 10 de julho (data do anúncio oficial da contratação de Renato Gaúcho) até a trágica noite dessa quarta-feira (27)?

No dia 20 de setembro de 2020, este colunista escreveu sobre a má fase do Grêmio no Brasileirão e sobre uma série de outros problemas que resumiam muito bem a maneira como o futebol era encarado por estas bandas. Na ocasião, o Tricolor Gaúcho havia empatado com o Atlético-GO e as críticas sobre Renato Portaluppi eram muito fortes (não na intensidade que vemos atualmente, é claro) e algumas de suas declarações não foram bem digeridas pela torcida gremista. Declarações como essa aqui:

“Algumas pessoas se viciaram em ver o Grêmio sempre bem e acham que jogará bem todas as partidas e vencerá todas as competições. Perdeu duas partidas, precisa mudar os jogadores e ninguém quer saber. A diferença para o quarto, quinto colocado, é de quatro ou cinco pontos. Estamos muito tranquilos. (…) Neste ano, quem ganhou título foi o Grêmio. Ninguém mais ganha nada. Muita gente já tem falado besteira. No Grêmio não existe crise. Ou melhor, existe. Crise de títulos. Este é o problema do Grêmio”, afirmou Renato Gaúcho na época.

Declarações como essa e aquela mais famosa sobre o “time de 200 milhões de reais do Flamengo” tomaram conta das manchetes dos principais jornais e programas esportivos daquela época.

O tempo passou, o Grêmio foi eliminado pelo Santos na Libertadores de 2020, foi derrotado pelo Palmeiras na final da Copa do Brasil e ainda ficou pelo caminho na pré-Libertadores desse ano.

O que aconteceu pouco tempo depois? Renato Gaúcho foi contratado pelo Flamengo como o “salvador da Pátria” e o gestor de elenco que sempre foi. Esperava-se que ele pudesse organizar o caos deixado por Rogério Ceni (que foi péssimo no trato com os jogadores e funcionários diga-se de passagem) e recolocar a equipe no caminho das vitórias.

Os primeiros resultados foram sim muito bons e devolveram a esperança ao torcedor rubro-negro. No entanto, as atuações contra Internacional, Cuiabá, Fluminense e as duas partidas contra o Athletico Paranaense mostraram que as goleadas nasceram muito mais do talento individual dos jogadores do que de alguma estratégia elaborada pelo treinador. Ainda que o time apresentasse algumas ideias como a movimentação de Gabigol pela intermediária e a entrada em diagonal de Bruno Henrique, as ultrapassagens de Isla pela direita e as tabelas com Everton Ribeiro.

Por outro lado, a ausência de Arrascaeta foi muito sentida por Renato Gaúcho e por toda equipe rubro-negra. E também é preciso dizer que o treinador não conseguiu fazer com que seus jogadores apresentassem a mesma consistência de outras partidas e viu o Flamengo sucumbindo aos poucos diante dos adversários que encontraram caminhos para vencer o “time de 200 milhões”.

Questionado sobre isso e a bravata dos tempos de Grêmio após a derrota para o Athletico Paranaense, Renato deu a seguinte declaração:

“O elenco é muito forte, é muito bom. Todo treinador gosta de um elenco desse, faz parte da nossa vida. O próprio Jorge Jesus esteve aqui e perdeu, saiu da Copa do Brasil também. Depois ganhou o Brasileiro e a Libertadores. Nós sempre estamos expostos a cobranças. No futebol, infelizmente quando não consegue o resultado que espera, principalmente se tratando de Flamengo, a cobrança é sempre muito grande”, falou Renato Gaúcho.

Estamos vendo que as duas declarações são muito semelhantes. E se formos ver todas as suas entrevistas, vamos nos deparar com frases feitas, boas doses de fanfarronice e tudo aquilo que víamos nos tempos de Grêmio.

Minha avó costumava dizer que “a língua é o chicote da alma”. Ela pune mais do que um time que desperdiça oportunidades a esmo durante os noventa minutos de uma partida.

E por mais que se tente encontrar coisas boas no trabalho de Renato Gaúcho no Flamengo, a impressão que fica é a de que ele mesmo procurou essa antipatia com declarações como a do “time de 200 milhões” e outras menos famosas.

Uma equipe desorganizada e sem padrão sólido acaba potencializando o erro individual. Foi o que vimos com Léo Pereira, Diego Alves, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Diego Ribas e até mesmo Gabigol, vaiado pela torcida e bastante criticado nas redes sociais.

Você me pergunta como o Flamengo chegou nesse ponto. O senso comum aponta o dedo para Renato Gaúcho e para o chicote que carrega dentro da boca. Mas também devemos olhar para quem faz as escolhas nos bastidores. Para quem viu o treinador que vinha acumulando temporadas ruins no Grêmio e pensou que ele poderia ir bem comandando o “time de 200 milhões”. Para quem decidiu mantê-lo no cargo quando o próprio pediu o boné após a derrota para o Athletico Paranaense.

Os jornalistas que afirmavam que Renato Gaúcho deveria assumir o lugar de Tite na Seleção Brasileira (!!!!!!!!!!) por conta de um bom trabalho no Grêmio campeão da Libertadores em 2017 também entram nesse bolo. Os mesmos que não viram o contexto e quem estava por trás do treinador naquele tempo aconselhando e orientando. Me refiro ao grande Valdir Espinosa.

Não que tenha faltado alguém do seu lado no Flamengo com esse perfil. Mas ficou claro que Renato Portaluppi pagou caro pelas bravatas de outros tempos. A fanfarronice de outros tempos foi cobrada com juros e correção monetária nesses últimos dias.

A língua é o chicote da alma, meus amigos.

E diante do que se vê por aqui, minha querida vovó seria uma baita comentarista de futebol.

Aquele abraço.
 

Edição: Jaqueline Deister