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FOME

Por que os alimentos estão mais caros no Rio de Janeiro?

Trabalhadores fluminenses comprometem 63% do salário mínimo na cesta básica, segundo Dieese

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Alta no preço dos alimentos aprofunda insegurança alimentar no Brasil em meio a pandemia - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Um relatório da Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional mostra que 19 milhões passam fome no país (9% da população) e faz um alerta: “a situação de insegurança alimentar grave e fome voltou aos patamares de 2004”. 

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Uma cena registrada pelo Jornal Extra na última semana no Rio de Janeiro mostrou que a fome voltou a fazer parte da vida de muitos brasileiros. Em meio à pandemia e sem ter o que comer, pessoas em situação de extrema vulnerabilidade buscam restos de ossos e carnes que seriam descartadas para se alimentar. 

Economia e desemprego

O que explica tanto retrocesso e por que a população do Rio de Janeiro, segunda maior região metropolitana do país, não consegue comprar comida? 

Uma parte dessa resposta é que a alimentação pesa mais no orçamento das famílias mais pobres. O trabalhador fluminense compromete 63% do salário mínimo (R$ 1.100) nos itens da cesta básica (R$ 643,06), de acordo com a edição de setembro da Pesquisa Nacional da Cesta Básica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). 

“Estamos vendo os preços subirem sem serem acompanhados de um poder de compra da população”, avalia a economista Ligia Toneto. Ela lembra que desde 2019 o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que mede a inflação, acumulou 17%, enquanto o salário mínimo teve um reajuste de apenas 10% no mesmo período.

Além de sofrer com a alta do dólar e da inflação galopante, consequência das políticas econômicas do governo Jair Bolsonaro (sem partido), a alta no preço dos alimentos soma-se ao desemprego recorde no estado (1,6 milhões, segundo o IBGE). Associada à condição de trabalho, a ocorrência da fome grave é quatro vezes superior entre trabalhadores informais, e seis vezes maior entre os desempregados.

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O fim do auxílio emergencial em outubro (de R$ 150 ou R$ 350) e o desemprego nas alturas, reforça Toneto, agravam ainda mais o quadro de insegurança alimentar e a conta não fecha. “Quando as pessoas conseguem, com muito esforço, comprar alimento não conseguem cozinhar porque o preço do gás está subindo muito”.

Segundo o IBGE, o gás de cozinha ficou quase 35% mais caro nos últimos 12 meses. A gasolina teve alta de 40% e as carnes, 37%.

Descaso com a produção de alimentos

No Rio de Janeiro, um conjunto de fatores históricos e escolhas políticas aprofundam a crise na alimentação. É o que explica o geógrafo Paulo Bastos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).  A concentração de terras e a falta de investimento público na agricultura familiar são exemplos disso. 

“A monocultura da cana-de-açúcar e do café esgotaram o solo fluminense. Por outro lado, a região serrana e costeira sofre uma grande pressão do setor turístico e de lazer que promove a especulação imobiliária. São condições adversas para os pequenos produtores”, analisa.

Bastos afirma ainda que a própria configuração da matriz econômica no estado, voltada para o setor de serviço (68%) e indústria (31%), denuncia o descaso com a agricultura e a produção de alimentos. 

“Junta-se isso as sucessivas crises, principalmente do petróleo, maior riqueza do estado, a partir dos anos 2000, e a taxa de desemprego dobrando entre 2012 e 2020. Chegamos em um quadro caótico de desnutrição e insegurança alimentar, pobreza absoluta e fome”, afirma Bastos.

Desmonte de políticas públicas

“Grande parte da alimentação do Rio de Janeiro vem de fora. É o estado brasileiro que menos contribui com a agricultura. As políticas públicas nunca privilegiaram os pequenos agricultores”, completa o professor, membro do Instituto de Direitos e Igualdade (IDI) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (UFF). 

A economista Ligia Toneto concorda e aponta que uma das principais causas da falta de comida na mesa da população é "a destruição dos programas de aquisição de alimentos e crédito para agricultura familiar, algo que vem desde o governo Temer e se agravou com Bolsonaro”.

“Mais de 60% do crédito destinado à agropecuária no Brasil no ano passado foi para o agronegócio. Os produtores que ainda conseguem produzir muitas vezes não conseguem vender porque têm custos mais altos. Ou seja, eles também acabam vendendo para fora porque o governo não se compromete a comprar cotas de alimentos públicos que existiam no governo Lula e Dilma”, complementa Toneto.

Agricultura familiar

Oferecer alimentos de qualidade e a preço justo é uma luta permanente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Diante da inexistência de políticas públicas nesse sentido, Leo Márcio Araújo, da Direção Nacional do MPA, explica que o esforço dos agricultores tem sido de fortalecer as ações de solidariedade e a produção agroecológica, sem veneno. 

“A fome vem em uma crescente assustadora no país. Estamos em diálogo com todas as comunidades camponesas, movimentos sociais e organizações dos bairros populares dos grandes centros que estão em grande dificuldade. Pelo direito dos agricultores de produzir e das comunidades terem acesso à alimentação”, defende Leo. 

O debate em torno da Soberania Alimentar ganha força na semana do Dia Internacional da Alimentação, 16 de outubro, e denuncia a volta do Brasil ao mapa da fome. Além disso, destaca a responsabilidade do agronegócio e do governo Bolsonaro na crise de insegurança alimentar. 

O MPA e a Via Campesina, organização internacional dos povos do campo, realizam uma série de atividades virtuais e presenciais durante a semana com o lema “contra o agronegócio para o Brasil não passar fome”. O sábado (16) será marcado por ações de denúncia e solidariedade em todo país.

Edição: Eduardo Miranda