CULTURA HIP HOP

"Nunca quiseram nos escutar, então criamos um ambiente nosso, de acolhimento", diz slammer

Vencedora da Final Gaúcha de Slam, Tiatã conversou com o Brasil de Fato RS sobre a arte das batalhas de poesia das ruas

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Tiatã começou a competir no Slam em 2018 e já conquistou diversas competições - Foto: Willian Correa

Com origem nas batalhas de versos e poesia falada, o Slam surgiu na cultura Hip Hop na década de 1980, em Chicago, nos Estados Unidos. Se espalhou pelas periferias do país e conquistou diversas regiões do mundo. Chegou no Brasil somente em 2008, pela voz de Roberta Estrela D’Alva, atriz, slammer, diretora musical, pesquisadora e atualmente apresentadora do programa juvenil de TV “Manos e Minas”, da TV Cultura. Em solo gaúcho, ganhou força a partir de 2016.

“O primeiro slam do Rio Grande do Sul aconteceu no dia 17 de dezembro de 2016 na Praça da Matriz, em Porto Alegre. O encontro foi realizado pelo primeiro grupo de slam gaúcho, o Slam das Minas RS, formado exclusivamente por mulheres e assumidamente inspirado pelo Slam das Minas de São Paulo e Distrito Federal”, explica a doutoranda em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Liége Barbosa.

Slam, em inglês, significa batida — termo relacionado a ritmo. Em seus versos falados, slammers apresentam temas livres. Ganham destaque assuntos como racismo, feminismo, violência, machismo, drogas, desigualdade social, sexualidade, relações familiares, relacionamentos, entre outros.

Foi com esses temas, tendo como motor a questão da representatividade do povo preto e periférico de onde vive, que Vanessa Mesquita, mais conhecida no universo slammer como Tiatã, começou a dar voz ritmada à sua poesia, aos 11 anos de idade. Ela foi a vencedora da Final Gaúcha de Slam 2021, disputada em 20 de setembro, e representou o estado na final nacional.

A edição nacional, realizada entre 30 de setembro e 3 de outubro, teve como vencedora Joice Zau, angolana que disputou o campeonato por Pernambuco. Ela vai representar o Brasil na Abya Yala Poetry Slam — a primeira “Copa América de Slam”, que ocorre em novembro na Festa Literária das Periferias (FLUP), no Rio de Janeiro, e vale vaga para o primeiro Festival Mundial de Poetry Slam (World Poetry Slam Festival – WPSF).


"O Slam sempre foi mais um espaço de escuta do que de fala para mim", diz Tiatã / Foto: Arquivo Pessoal

Vencedora da Final Gaúcha de Slam, Tiatã nasceu em Porto Alegre, em 1998. É poeta, MC, educadora social, produtora executiva e estudante de Relações Públicas. Começou a competir no Slam em 2018 e desde então está presente nas finais regionais. É bicampeã do Slam das Minas RS (2018, 2021), campeã do Slam da Santa (2019) e campeã Slam Poetas Vivos (2020).

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, a slammer fala do que a motiva e da importância da arte para dar voz à periferia. Confira:

Brasil de Fato RS - Tu fostes vencedora da Final Gaúcha de Slam 2021, o que significou essa vitória para ti?

Tiatã - Essa vitória foi a conclusão de um grande ciclo que eu tava vivenciando já, foi muito importante pelo fato de que eu acredito que tenha sido no momento certo. Esse ano as coisas foram por um curso muito natural. Eu não ia competir slam esse ano, a primeira vez que eu fiz eu consegui a vaga, pensei em desistir na regional, mas optei por ir pelo compromisso que eu tinha firmado e principalmente nesse ano pandêmico, que as coisas tão mais difíceis. Acabei ganhando o slam justamente esse ano, então acredito que foi mais importante por isso, para me sinalizar de que cada coisa tem seu tempo, e entender isso, o que é muito difícil.

BdFRS - Parte da cultura hip hop, o slam é um espaço de resistência em forma de poesia. Que temas tu traz em tua expressão artística?

Tiatã - O Slam sempre foi mais um espaço de escuta do que de fala para mim. Quando eu comecei a frequentar o slam, antes de competir, eu vi que tinham pautas que eu queria falar também. Então tudo o que eu faço, as minhas poesias, é mais algo que eu deveria estar ouvindo, sabe? Eu não faço pensando em falar para os outros, é sempre conselhos que eu tenho que ouvir. Então eu falo muito sobre solidão, sobre como ser uma pessoa preta nessa sociedade racista que a gente vive, as formas de redenção e de como a gente se encontra no meio disso. São vários assuntos que eu falo mais para mim do que para qualquer outra pessoa.

Eu não faço pensando em falar para os outros, é sempre conselhos que eu tenho que ouvir

BdFRS - Pode reproduzir para nós a poesia com a qual tu venceu a Final Gaúcha de Slam 2021?

A poesia que eu ganhei a final regional se chama Mariavilhosa em homenagem a minha mãe, e ela é assim... (escute abaixo)

BdFRS - Você já esteve em diversas finais regionais e foi campeã de alguns slams. Agora veio o desafio nacional. O que muda? Há diferenças nas batalhas ao longo do país?

Tiatã - Quanto à nacional muda tudo. Eu já tive uma experiência em 2019 quando fui representar o RS no torneio Singulares, que é um Slam das Minas, só que nacional. Eu já tinha sentido essa diferença de assuntos, de abordagens de temas por questões de territorialidade, e cada local tem sua especificidade, então é muito diferente.

Mas nesse nacional, por ele ser misto a gente vai mudando estratégias, muda tudo. E tem muita diferença, tu tens flows característicos, tu tens formas de falar pelo mesmo assunto.

BdFRS - Os slams vêm se proliferando nos últimos anos no Brasil. A que se deve esse crescimento?

Tiatã - O Slam existe desde 2008 no Brasil. A trajetória dele no RS vem de 2016. Acho que tivemos uma crescente, mas a baixa vem também. Acredito que agora por causa da pandemia deve ter aumentado muito mais. Um dos assuntos que a Roberta Estrela D’Alva, que foi quem trouxe o Slam para o Brasil, falou na nacional desse ano é que o berço do Slam, que é os Estados Unidos, está lutando para manter isso vivo, porque acabou, se extinguiu.

Aí tu começa a pensar sobre isso, ao mesmo tempo que vem proliferando, eu acho que ele vem sendo mais visto nas escolas, como fonte de ensino, de reforçar a questão da literatura com os jovens. Mas na rua não está vindo mais nessa crescente. Acho que estamos chegando em um momento de estabilidade.

A juventude negra e periférica sempre se expressou através da arte, tanto nas batalhas de rima como o hip hop

Acredito que com o fim da pandemia as coisas têm tudo para se encaminhar e crescer novamente. Mas estamos passando por uma nova fase e como tudo, estamos nos reinventando, tanto quanto poeta, mas também quanto organização independente de arte.

BdFRS - Qual a importância da expressão artística para a juventude periférica e negra?

Tiatã - A juventude negra e periférica sempre se expressou através da arte, tanto nas batalhas de rima como o hip hop. Todo o surgimento do movimento do Rap dentro do Brasil foi da necessidade de achar um espaço onde a gente pudesse falar. Sempre estivemos aqui e sempre falamos sobre isso.

Não é nem a questão da importância, mas isso é o que a gente sabe fazer, é uma coisa nossa desde o começo. Porque nunca quiseram nos escutar, nunca nos deram oportunidade para falarmos de nossas dores, as nossas pautas. Então criamos um ambiente nosso, onde a gente se ouvisse, se respeitasse, tivesse um lugar de acolhimento. E a partir disso as coisas foram tomando uma proporção maior, assim como tudo que a gente criou e faz.

Para nós representa muito. Justamente dentro das escolas, tu ter um lugar e mostrar para eles que a arte sim é um emprego não é um hobby, a arte sim é uma profissão. Dizer e mostrar que é possível se fazer arte, gostar de poesia, dentro do que a gente faz mostrar para os nossos jovens que eles têm outra oportunidade na vida e que eles são muito bem acolhidos e bem vindos nesses lugares.


"Então criamos um ambiente nosso, onde a gente se ouvisse, se respeitasse, tivesse um lugar de acolhimento" / Foto: Arquivo pessoal

BdFRS - Como é a participação das mulheres nos slams hoje, como era e o que precisa melhorar?

Tiatã - Acredito que não só dentro do slam, mas em qualquer outro ambiente, a presença masculina sempre foi predominante. Quando eu comecei, óbvio que a gente ouvia algumas coisas não só machistas, mas de cunho racista também, um racismo mais velado, na verdade.

Só que o slam sempre foi um espaço muito mais intolerante com essas questões. A gente não batia palma quando ouvia uma coisa que ferisse alguma pessoa. Nós sempre lutamos muito sobre isso, virou um espaço para falar sobre essas coisas. Então a gente sempre teve esse diálogo com essas pessoas, questionando porque ela estava escrevendo isso, se ela realmente concordava, se ela já tinha pensado em uma outra perspectiva.

Quando o assunto fere a existência de outra pessoa, a gente sempre foi muito intolerante

Então por mais que seja um espaço onde tu pode falar sobre quaisquer assuntos, quando o assunto é ferir a existência de outra pessoa, a gente sempre foi muito intolerante, sempre tivemos uma abordagem com essas pessoas.bAcredito que o que tem que melhorar hoje é mais a questão de ouvir de fato, não estar ali só de corpo presente, mas estar ali aberto e apto para aprender sobre as coisas.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko