Minas Gerais

SISTEMA PRISIONAL

Para familiares, visitas a pessoas encarceradas devem ser retomadas integralmente

Neste momento, a cada 30 dias, um familiar pode realizar a visita presencial, cuja duração é de 3 horas

Belo Horizonte (MG) |

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Muitos presos, durante a pandemia, passaram a encaminhar cartas para a Pastoral Carcerária relatando a realidade de dentro das unidades prisionais - Carlos Alberto / Imprensa MG

Desde o mês passado, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), por meio da portaria nº 14, autorizou o retorno gradual das visitas presenciais às pessoas privadas de liberdade custodiados nas penitenciárias federais. Em Minas Gerais, a retomada das visitas nos 194 presídios e penitenciárias já estão sendo realizadas, segundo do Depen-MG, desde o ano passado, de acordo com os protocolos exigidos pelo Minas Consciente. 

Neste momento, em que todas as macrorregiões estão classificadas como onda verde – exceto Triângulo do Sul, que está na onda amarela –, a cada 30 dias, um familiar pode realizar a visita presencial, cuja duração é de 3 horas. Na onda amarela, a duração da visita passa para 20 minutos. A medida já é um alívio para muitas famílias que ficaram meses sem poder ver seus filhos, companheiros, irmãos, maridos que estão sob custódia do Estado no sistema prisional. 

“Com os presos vacinados deveria liberar as visitas exigindo que quem for esteja também”

Roberta Farias, da Associação El Shaday de Apoio ao Recuperando e Família relata que no início foi muito complicado para as famílias, pela dificuldade em ter notícias, o que, inclusive, foi motivo para diversas manifestações na Cidade Administrativa e em frente às unidades prisionais.

“Mas hoje, com tudo que vem acontecendo, com a liberação de estádio, a liberação de bares, a visita não voltou como deveria voltar. E para fazer a visita, tem de ser agendado e são poucas pessoas que conseguem por causa das datas que não são em finais de semana”, comenta. Roberta explica que antes da pandemia, as visitas eram semanais e duravam das 8h às 17h. O agendamento para as visitas presenciais, segundo ela, é dos problemas que as famílias têm enfrentado. “A pessoa tenta o dia inteiro e o telefone só dá ocupado”, afirma. 

42.821 presos foram vacinados de 72 mil pessoas

Roberta relata que na penitenciária de Francisco Sá, após um ofício encaminhado para a promotoria e uma greve de fome realizada pelos presos, foi autorizada a visita de 16 pessoas por pavilhão nos finais de semana. “E mesmo assim é muito pouca gente. É um descaso muito grande. E com os presos vacinados, acho que o protocolo deveria ser este: liberar as visitas exigindo que quem for entrar esteja vacinado também”, avalia. 

Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), até o momento, 42.821 presos foram vacinados contra a covid-19 pelo menos com a primeira dose. A população carcerária em Minas Gerais é de 72 mil pessoas.

Defesa dos direitos humanos

Apesar da suspensão das visitas ter sido necessária para contenção da pandemia, a ausência das famílias e às dificuldades impostas no acompanhamento presencial, são vistos com apreensão pelas famílias. Desde o ano passado, houve muitas transferências de presos entre as unidades, o que acaba encarecendo as viagens e aumentam ainda mais as dificuldades dos familiares.

De acordo com Maria de Lourdes de Oliveira, uma das coordenadoras da Pastoral Carcerária, a realidade do sistema prisional é preocupante, não só pela superlotação das unidades, mas pela forma como os presos são tratados por “maus profissionais”.  

As visitas – tanto de familiares quanto das organizações que prestam assistência religiosa –, segundo Maria de Lourdes, são uma ferramenta de controle social para a prevenção de tratamentos cruéis e degradantes, de tortura, de maus tratos às pessoas que estão privadas de liberdade. 

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Ela conta que muitos presos, durante a pandemia, passaram a encaminhar cartas para a Pastoral Carcerária relatando a realidade de dentro das unidades prisionais. “Muitos pediam socorro. E neste período não ficamos parados, houve movimentações em geral. No estado, os familiares, que estão organizados, realizaram muitas atividades, muitas denúncias e muitas manifestações”, conta.

Nesse mesmo sentido, Roberta, da Associação El Shaday, relata que o contexto de interrupção das visitas deixa as pessoas privadas de liberdade à mercê do sistema prisional. 

“Um advogado me procurou recentemente para falar que ele chegou lá na unidade e o cliente estava todo machucado porque bateram muito nele”, aponta. Ela relata também que recebeu denúncias de que em uma unidade prisional as refeições estavam sendo servidas em horários errados e os presos ficavam muito tempo sem se alimentar. “Eu recebi um áudio de uma familiar de um detento pedindo ajuda”, relata.

Visita é um direito 

Previsto do artigo 41 da Lei de Execução Penal, é direito da pessoa privada de liberdade receber visita de cônjuge, de companheira, de parentes e amigos em dias determinados. Valdênia Geralda de Carvalho, professora da Escola Superior Dom Helder Câmara e conselheira do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh), afirma que a garantia do direito de visita, de aproximação familiar é fundamental e determinante para fortalecer os laços e vínculos familiares do custodiado e do reeducando.

“A presença da família no sistema prisional tem o condão de mitigar, minimizar o sofrimento do reeducando e contribui sobremaneira para o processo de ressocialização e de reinserção social. A visita restabelece o vínculo de pertença, o espírito de interajuda, além de ser amparo psicológico, afetivo e de acalmar corações e mentes”, ressalta.

A advogada ainda comenta que as consequências do isolamento foram “nefastas”, por causar ansiedade, tristeza, indignação e revolta nas pessoas privadas de liberdade e em seus familiares. E que ausência de visita presencial é fator de adoecimento e de potencialização de doenças preexistentes. 

“A supressão do sistema de visitação presencial e a adoção de visitas virtuais tem um cunho extremamente impessoal e frio. Nada se equipara ao calor humano e ao contato pessoal”, avalia.

Informações da Sejusp

Em nota, ao Brasil de Fato MG, a Sejusp e o Depen-MG afirmam que “reconhecem a visitação como um direito, bem como sua importância para garantir o fortalecimento de vínculos dos custodiados com seus familiares. A decisão sobre a flexibilização e retorno completo das visitas, no entanto, não depende exclusivamente do Depen-MG. Tal medida é feita de acordo com negociações entre o departamento e os órgãos da Saúde, do Poder Judiciário e do Governo Estadual”. Ainda, ressalta que “o Depen-MG já está em tratativas com as demais instituições para agilização do retorno total das visitas em todo o Estado”.

A nota também explica que a movimentação de presos entre unidades prisionais “faz parte da rotina do sistema prisional. Novas entradas e saídas são registradas diariamente nas unidades, conforme alvarás recebidos e conforme a própria gestão interna de vagas do Depen-MG, priorizando sempre as unidades mais próximas a residência dos detentos”.

Em relação ao contato das famílias com as pessoas privadas de liberdade, a nota lembra que há três formas possíveis: por meio de cartas, ligações telefônicas ou videoconferências nas unidades em que há essa tecnologia disponível. Essa modalidade, segundo a Sejusp, continuará acontecendo mesmo diante da retomada das visitas.

 

Edição: Elis Almeida