Rio de Janeiro

Coluna

Como chegamos ao ponto de conviver todos os dias com o inaceitável?

Imagem de perfil do Colunistaesd
Todos os dias vemos pessoas com fome nas nossas esquinas, sem ter onde morar, sem nenhuma perspectiva de oportunidades - Mauro Pimentel/ AFP
Estamos caminhando rumo a um colapso total, com índices absurdos de extrema pobreza e fome no país

Todos os dias vemos pessoas com fome nas nossas esquinas, sem ter onde morar, sem nenhuma perspectiva de oportunidades e sofrendo injustiças sem que tenham o direito a uma defesa justa. Todos os dias seguimos nossas vidas de alguma forma naturalizando essas atrocidades.  

Não quero dizer que a gente não liga a mínima, que não ficamos tristes ou de alguma forma impactados, mas muitas vezes achamos que não tem nada que possamos fazer para mudar isso. Também que não vai fazer diferença ajudar uma pessoa, que o problema é muito maior e que o governo precisa de políticas públicas e projetos sociais que assistam às pessoas mais vulneráveis.

Com certeza um dos nossos maiores problemas hoje é termos um governo fascista, mentiroso, corrupto, que incita a violência e que não tem nenhuma urgência em diminuir a desigualdade social.

Como efeito de tudo isso, estamos caminhando rumo a um colapso total, com índices absurdos de pessoas em situação de extrema pobreza e fome. Sem falar em todos os outros absurdos, canalhices e crimes de diferentes ordens.

Mas para além do nosso contexto político brasileiro, se pararmos para nos analisar como humanidade, dá uma triste sensação de que fracassamos. São tantos absurdos e atrocidades todo santo dia que de alguma forma banalizamos a dor do outro. 

Como podemos seguir nossas vidas vendo alguém no chão com fome, sem ter para onde ir e com os filhos dormindo na calçada?

Tenho dois filhos: José, de 9 anos, e Salvador, de 5 anos. Durante essa pandemia vimos aumentar absurdamente o número de famílias dormindo nas ruas do bairro onde moramos no Rio de Janeiro. Quando não dou dinheiro a alguma dessas pessoas ou passo com pressa para seguir meu caminho, eles me perguntam por que não ajudei. 

Leia também: Comida ou aluguel: pandemia obriga mais famílias a morar em ocupações para sobreviver no RJ

Eu falo que não tenho dinheiro para ajudar a todo mundo, eles me olham com um olhar crítico e às vezes questionam: “Mamãe, você comprou uma cadeira outro dia, não teria sido melhor você comprar comida para eles?”.

E eu me pergunto o que estou ensinando aos meus filhos indo para casa jantar uma comida gostosa depois de ver várias famílias dormindo na rua. Como posso falar que eles têm que se preocupar com o próximo, serem generosos e atentos, se eu mesma não consigo fazer diariamente o que está ao meu alcance para ajudar alguém?

É um grande desafio criar uma criança no meio de tanta desigualdade, sem deixar com que eles naturalizem e se acostumem a conviver, como nós, com o que não é aceitável. 

Ao mesmo tempo, o que me inspira e não me deixa perder a esperança é ter certeza da existência de pessoas maravilhosas, que erguem as mangas e vão à luta. Sobretudo que sabem da força que uma pequena ação pode ter em nós como sociedade. 

Outro dia ouvi uma frase do geógrafo Milton Santos que dizia: “A cidade é o espaço do acontecer solidário”. É sobre isso. Se chegamos até aqui, podemos mudar também a partir daqui. Basta a gente querer e correr atrás para entender como fazemos isso juntos. Não importa quantas pessoas vamos conseguir atingir, o que vale é não aceitarmos mais o inaceitável.

Edição: Mariana Pitasse