Minas Gerais

DESIGUALDADE

Região mais rica de Minas Gerais, zona metropolitana de BH abriga grande bolsão de pobreza

Enquanto Rubens Menín entra para a lista dos bilionários do país, milhões de Alexsandras moram à beira da estrada

Belo Horizonte (MG) |
Em 2020, existiam 283 mil famílias pobres e ou extremamente pobres na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). Fonte: Ministério da Cidadania. - Marcelo Gomes

Apesar de ter o maior Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais, a Região Metropolitana de Belo Horizonte possui um enorme bolsão de pobreza e é palco de grandes discrepâncias econômicas. É o que mostra os mais recentes dados do Ministério da Cidadania sobre pobreza em 46 municípios da RMBH. Ao todo, 50 cidades compõem a região. Em 2020, existiam 283 mil famílias pobres e ou extremamente pobres.


Alexsandra Braga dos Santos, moradora da cidade de Moeda / BdF

Para o Ministério da Cidadania, pessoas com renda menor que R$ 178 por mês são consideradas pobres. E quem vive com menos de R$ 89 mensalmente é considerado extremamente pobre ou miserável. Cerca de 21% da população dos municípios analisados estão nestas situações.

A quantidade de cidadãos equivaleria ao total dos habitantes de Betim, Contagem e Nova Lima, grandes cidades da região metropolitana.

Muito ricos e muito pobres, lado a lado

Os dados colhidos chamam atenção por mostrarem a enorme desigualdade econômica da zona metropolitana. A mesma região que abriga uma enormidade de pobres e miseráveis, possui um dos metros quadrados mais caros do país.

Vide o bairro Belvedere, no extremo sul da capital mineira, onde vivem pessoas milionárias e até bilionárias. É o caso, por exemplo, de Rubens Menin, dono da construtora MRV e de outros negócios. Em abril de 2021 ele entrou na lista das pessoas mais ricas do Brasil, com patrimônio aproximado de R$ 11 bilhões, segundo a Revista Forbes.


Roberto Monte-Mór, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). / BdF

Enquanto isso, no oposto de Rubens, Alexsandra Braga dos Santos foi morar à beira da estrada há sete meses. Negra, moradora da cidade de Moeda, na RMBH, vive com seu filho mais novo, Júnior, de 17 anos, três netos e o esposo, Ricardo Pacheco, de 37. Sem estudos, Alexsandra trabalhou praticamente a vida toda no setor informal e sempre morou de aluguel.

Com a pandemia, Alexsandra e seu atual esposo perderam a renda, e tornou-se impossível arcar com o aluguel. “Nessa época eu comprava cesta básica fiado para tentar pagar o aluguel. Mas não adiantava”, comentou. E não adiantou mesmo. Ela e sua família foram despejados. Sem ter para onde ir, não houve outra solução: a beira da estrada. 

“Eu consegui comprar umas lonas. Montei uma casinha e vivi lá. Eu disse: meu Deus, sempre passei por muita dificuldade, mas morar debaixo de lona na beira da estrada e com minha família... Nunca pensei que fosse passar por isso. De noite, eu tinha medo de botarem fogo ou alguém na estrada fazer algum mal comigo e com os meninos”, relembra. 

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Ela viveu por lá entre o fim de 2020 e o começo deste ano. “Eu não sabia, mas a gente morava em uma terra pública, do governo (estadual), que expulsou a gente. Um dia, um funcionário do DER (Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem) veio até mim. Ele me disse que eu tinha 15 dias para sair”. Ela entrou em desespero.

Hoje, Alexsandra está sendo auxiliada por integrantes do grupo Um Gesto de Amor, uma Organização da Sociedade Civil, que estão se articulando para construir uma casa para ela. Encabeçou o movimento Sandra Regina Coutinho, mais conhecida em Moeda como Sandra do Salão. Os materiais de construção arrecadados pela organização foram suficientes para erguer a moradia, que fica em um terreno concedido pela mãe de Ricardo. 

Para erguer o domicílio, os voluntários correm contra o tempo. “A Alexsandra esteve durante as obras morando com o aluguel social, que nós conseguimos para ela, dado pela prefeitura. O prazo do benefício foi de apenas três meses. Então, a gente não pode atrasar um dia a conclusão das obras”, relatou Sandra.   

A habitação ainda não está finalizada, mas falta pouco. “Nossa, hoje quando eu vejo isso aqui levantado eu digo: meu Deus, não acredito”, diz emocionada. 

Causas para a pobreza na RMBH

A cidade de Moeda, onde vive Alexsandra, é a quinta entre as 46 analisadas onde há mais pobres e miseráveis. Por lá, 44% dos cerca de 5 mil moradores estão nessa situação. 

Funilândia é o município da RMBH em que existe mais pobres e ou extremamente pobres, que são 61,5% dos habitantes da cidade. Em segundo lugar está Inhaúma, com 57,8%; em terceiro e quarto, respectivamente, está Bonfim (51,3%) e Taquaraçu de Minas (48%).


Arte: / Brasil de Fato

Os municípios com as maiores taxas de pobreza são os menores em termos populacionais – eles têm menos de 10 mil habitantes. E são ainda os que apresentam pouca diversificação na matriz econômica. A reportagem averiguou o perfil econômico dos municípios citados acima no banco de dados da Fundação João Pinheiro (FJP)

Nessas cidades, cerca de 80% das riquezas produzidas originam-se do setor público e de serviços, predominando serviços com baixo valor agregado, como açougues, lanchonetes e padarias. De modo geral, ambos os segmentos não requerem mão de obra qualificada. Em razão disso, a renda da população tende a ser menor.

Com a baixa diversificação da economia, a administração pública tem escassas fontes de arrecadação. Assim, as cidades não conseguem investir em si mesmas para, por exemplo, expandir a educação e promover outros segmentos econômicos.  

Pode ocasionar a pouca diversificação econômica das cidades mencionadas e de outras da RMBH a concentração da indústria e serviços qualificados em Belo Horizonte, sobretudo, e em Betim e Contagem.


Reprodução / Ministério da Cidadânia

“O problema maior da Região Metropolitana de Belo Horizonte é a concentração das atividades econômicas”, observa Roberto Monte-Mór, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em economia regional e urbana.

“Hoje em dia já se tem iniciativas para desconcentrar, como a desconcentração do sistema universitário. Por exemplo, há PUC em Contagem, existe Institutos Federais de Educação (IFEs) implementados em cidades ao entorno de BH. E há ainda relativa descentralização bancária”, analisa.

A região metropolitana de São Paulo seria um exemplo. “Eles desconcentraram as atividades. As cidades do ABC paulista são muito fortes economicamente”, completa o docente.

O Plano Metropolitano da RMBH, documento que dá as diretrizes de como deve se organizar a região, prevê a regulação do uso do espaço urbano para fomentar essa desconcentração. Ou seja, a intenção é ordenar da melhor maneira possível as funções territoriais que cada pedaço da região metropolitana deve ter.

Algo parecido com isso está em execução em Belo Horizonte. O Plano Diretor, aprovado em 2019, busca direcionar para outras áreas da cidade a construção civil, atualmente concentrada nas zonas centro e sul. 

Pobreza na RMBH deve aumentar

Tudo indica que a pandemia elevou a quantidade de pobres. Ao todo, os cinco municípios mencionados tinham em 2020 cerca de 52% dos habitantes na pobreza e ou miséria. Um ano antes, esse mesmo índice era de 33%, conforme dados da Fundação João Pinheiro (IMRS - Consultas na Base de Dados). De um ano para outro, nessas cidades, a pobreza aumentou em 19%.

Em razão de a pandemia persistir, economistas alertam para o crescimento da pobreza no país e essa situação deverá atingir com mais vigor localidades já pobres, que é o caso de boa parte da RMBH.

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Especial Fome no Brasil

Ficha técnica:

Coordenação do projeto: Mariana Pitasse e Rodrigo Chagas | Edição: Kátia Marko, Monyse Ravena, Fredi Vasconcelos, Vanessa Gonzaga, Larissa Costa, Leandro Melito, Mariana Pitasse e Rodrigo Chagas | Reportagem: Eduardo Miranda, Jaqueline Deister, Wallace Oliveira, Ayrton Centeno, Vinícius Sobreira, Lucila Bezerra, Giorgia Prates, Pedro Carrano, Ana Carolina Caldas, Marcelo Gomes, Francisco Barbosa, Pedro Rafael Vilela, Murilo Pajolla, Pedro Stropasolas e Daniel Giovanaz | Identidade visual: Fernando Bertolo | Artes: Michele Gonçalves | Rádio: Camila Salmazio, Geisa Marques, Douglas Matos, Daniel Lamir, Adilson Oliveira, André Paroche e Lua Gatinoni | Audiovisual: Marina Rara, Isa Chedid, Leonardo Rodrigues e Jorge Mendes | Redes sociais: Cris Rodrigues, Larissa Guold, Guilherme Faro Bonan, Joanne Motta e Vitor Shimomura | Coordenação de jornalismo: Rodrigo Durão | Direção CPMídias: Lucio Centeno e Nina Fideles.

 

Edição: Elis Almeida