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Movimentos articulam jornada por direitos para pessoas em situação de rua

Desde o dia 23 de julho, que marca os 28 anos da chacina da Candelária, é realizada a 1ª Jornada de Direitos da Rua

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Em memória das vítimas, os diferentes movimentos de luta pelos direitos dessa população se unificaram por uma agenda propositiva - Rovena Rosa / Fotos Públicas

Desde sexta-feira (23), movimentos populares estão articulados para a realização da 1ª Jornada Direitos da Rua que cobra do poder público condições de existência, dignidade e vacinação às pessoas em situação de rua em todo o país.

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A data de início do amplo movimento marca 28 anos do crime que ficou conhecido como Chacina da Candelária, em que oito crianças e adolescentes em situação de rua, de 10 a 19 anos, que dormiam em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, foram assassinados a tiros por policiais militares. 

A jornada segue até o dia 19 de agosto, a data dramática da execução de sete pessoas em 2004, que dormiam na Praça da Sé, no centro de São Paulo.

O crime, que completará 17 anos, entrou para a história como o Massacre da Sé, e, como a Chacina da Candelária, expôs a gravidade da violência contra a população de rua cometida pelo próprio Estado. Cinco policiais e um segurança particular foram acusados pelas mortes. Mas, tanto no Rio como em São Paulo, os apontados como responsáveis seguem soltos. 

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Em memória das vítimas, os diferentes movimentos de luta pelos direitos dessa população se unificaram por uma agenda propositiva.

Ao longo da jornada, eles irão debater propostas para as pessoas em situação de rua com os conselhos de Assistência Social, Saúde e Direitos Humanos. A Defensoria Pública da União (DPU) e o Conselho Nacional de Justiça também farão parte das discussões, assim com o Legislativo e as organizações da sociedade civil. 

Vacina e dignidade

A jornada é articulada pelo Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e integrada pelos diversos grupos que dão cara aos sem-teto, de adultos, às crianças e adolescentes, pessoas LGBTQIA+, e os profissionais do sexo e catadores de materiais recicláveis que fazem da rua um meio de sobrevivência econômica.

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“Unificamos todas essas vozes em memória de toda a violência e morte que ocorreu durante esses dois meses”, explica o coordenador do MNPR, Darcy Costa, em entrevista à Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual. 

O movimento tem como mote “viver, vacinar e resistir” e contesta que historicamente o Estado mantenha a população de rua invisibilizada.

Desde 2008, o Brasil não realiza um censo nacional sobre os sem-teto e até hoje o grupo segue fora da contagem do IBGE.

Sem informações sobre essa população e seu tamanho, a formulação de políticas públicas fica inviabilizada. Recentemente, por articulação da sociedade civil e movimentos, parte dos municípios passaram a contabilizar as pessoas em situação de rua.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, até janeiro de 2019, o censo da prefeitura apontava 24.344 sem-teto. Desde o início da pandemia de covid-19, houve um aumento de pessoas nessas condições. 

“Por conta da queda econômica das pessoas que já viviam em vulnerabilidade, essas pessoas acabaram chegando na rua. Então hoje a gente chega a dizer que tem mais de 40 mil pessoas em situação de rua só na cidade de São Paulo. São famílias inteiras, mães e crianças. É muito fácil encontrar na Praça da Sé famílias inteiras em situação de rua porque perderam o poder de pagar seus alimentos. (…) E isso é no Brasil inteiro e não temos ainda uma política de escala que garanta moradia para essas pessoas”, contesta Costa. 

Violências cotidianas

Os problemas se agravam com a chegada do inverno. O movimento contabiliza ao menos 13 mortes em decorrência do frio na capital paulista.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) alega, no entanto, que há vagas ociosas em abrigos. Mas os especialistas contestam o investimento prioritário nesse tipo de equipamento, considerados “depósitos de pessoas”. O Ministério Público abriu uma investigação na semana passada para apurar possíveis omissões do poder público.

“Não há um acolhimento digno, são verdadeiros galpões, depósito de pessoas. Para se alimentar tem que pegar uma fila de quase duas, três mil pessoas, para tomar banho também uma fila assim. Não existe privacidade, você perde completamente a autonomia de sua vida. É um estado de humilhação muito grande e eu tenho certeza que ninguém gostaria de passar por isso, mas é uma realidade em nossa cidade”, destaca o coordenador do MNPR.

Nova frente fria

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) já prevê para a partir dessa quarta (28) uma onda de frio que pode ser a pior de todo o inverno na cidade de São Paulo.

Darcy reforça que “a sociedade tem que pressionar realmente a gestão para que ela crie políticas estruturantes para que essas pessoas tenham acesso e resgatem a sua liberdade, (que tenham) privacidade de usar um banheiro, de tomar um banho, escolher o que vão comer.

E não mantê-las nesse arredio em que elas vivem apenas sendo assistidas por meio de uma política de assistência social que oferece comida e pernoite que ainda não é suficiente para todos. A pessoa perde a autonomia e não tem outras políticas que possam garantir total autonomia para seguir a sua vida”, explica o coordenador. 

As audiências da 1ª Jornada Direitos da Rua serão divulgadas na página do Movimento Nacional da População de Rua. As pessoas sem moradia também poderão acompanhá-las na sede do Centro de Inclusão pela Arte, Cultura, Trabalho e Educação (Cisarte), na Bela Vista, onde telões foram instalados para que as transmissões sejam assistidas com distanciamento social.