Coluna

Ardendo igual fogueira de São João

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Povo na rua? É verdade! As manifestações do “Fora Bolsonaro” convocadas para este sábado (19) definirão o tom da conjuntura daqui para frente - Jorge Leão
Apaga a luz porque a energia está cara, e acende a fogueira porque faltou gás

Olá! É tempo de São João, mas não é tempo de festa. O inverno veio com a terceira onda da pandemia. Apaga a luz porque a energia está cara, e acende a fogueira porque faltou gás.

 

.Tem pandemia? Tem sim senhor! Por algum motivo misterioso, setembro é o novo dia D e hora H da vacinação de todos os brasileiros. Pelo menos é o que dizem governadores e prefeitos em diversas regiões do país, que iniciaram uma competição para ver quem vacina mais rápido e prometem aplicar a primeira dose até setembro ou outubro. É verdade que o ritmo da vacinação aumentou nos últimos dias. Mesmo assim, para que a previsão se confirme, o Ministério da Saúde teria que entregar as doses sem atrasos, o que não vem ocorrendo. Mais preocupante é que a promessa vem no momento em que as medidas restritivas estão sendo flexibilizadas, as taxas de transmissão voltam a subir e as UTIs estão lotadas. Durante o mês de maio, a covid-19 foi a principal causa de mortes no Brasil, superando o câncer, doenças cerebrovasculares e o infarto. E agora, a terceira onda, que era prevista, chegou, trazendo aumento na curva de novos casos e de óbitos. Há uma completa ausência de prioridade e de coordenação nacional na vacinação, prejudicando os grupos prioritários. A cidade de Betim (MG) é só exemplo mais extremo do que vem ocorrendo no país. Lá a prefeitura decidiu iniciar a vacinação dos adolescentes maiores de 12 anos mesmo que o público de 59 anos e de portadores de comorbidades ainda não tenha recebido a primeira dose. Ou seja, cada estado e município transformou-se num feudo de decisões e interesses particularistas. Com isso, a imunização segue capenga, com uma enorme proporção de pessoas que não compareceram para tomar a primeira dose ou não retornaram para a segunda. Deveríamos ficar alertas pois, perto daqui há um exemplo do perigo que uma imunização mal feita pode representar. O Uruguai está com a vacinação muito adiantada, mas o índice de mortes ainda é alto porque o governo afrouxou precocemente as medidas preventivas e não priorizou a imunização da população mais idosa.

 

.Acende a fogueira. O gás tá caro! Esqueçam os caminhoneiros e motoqueiros de luxo, Bolsonaro sabe que seu grande eleitor deve ser a economia. Como resume Paulo Nogueira Junior, o governo não é responsável por absolutamente nada na recuperação econômica, mas foi beneficiado pela demanda internacional de produtos primários e pela adaptação das empresas e indivíduos ao cenário da pandemia. O crescimento não é espetacular, mas a combinação do avanço da vacinação com a flexibilidade fiscal, lembra o economista, vai dar gás suficiente para Bolsonaro chegar ao segundo turno. O problema é que os índices de crescimento estão todos na cobertura. Por exemplo, em dez dias, US$4,6 bilhões em capital estrangeiro entraram na bolsa, sinal também de que o sistema financeiro está voltando atrás no seu rompimento com o capitão. Por outro lado, no Brasil real, a redução da renda e o aumento no preço dos alimentos transformaram o mingau em prato comum nas refeições, assim como ovos e sanduíches. Sabendo disso, Bolsonaro agora sinaliza até com um reajuste dos servidores e aposta numa prorrogação e aumento do auxílio emergencial, enquanto prepara a anunciada fusão com o Bolsa Família. Porém, outros 400 mil brasileiros, sem renda e abaixo da linha de pobreza, sequer acessam o auxílio. Ao mesmo tempo, a decisão do Banco Central em aumentar a taxa de juros pela terceira vez consecutiva, passando para 4,25% ao ano, é uma tentativa de controlar a inflação, mas vai reduzir o consumo, ao mesmo tempo em que o próprio BC já projeta mais juros e mais inflação causados pela crise elétrica que se aproxima.

 

.Nada que não possa piorar. Até o final do ano, o Brasil enfrentará a explosiva combinação de uma crise hídrica com uma crise do setor elétrico. No Jornal GGN, Luis Nassif liga todos os pontos da próxima crise. Primeiro, a escassez de chuvas anuncia a crise hídrica, como já se percebe, por exemplo, nas Cataratas do Iguaçu, irreconhecíveis.  Não é coincidência que a estiagem ocorra com o governo que mais estimulou o desmatamento e a destruição da Amazônia, derrubando 24 árvores por segundo, afinal a cobertura da floresta amazônica é diretamente responsável pela formação de chuvas em outras regiões do país. Segundo, sem água, os reservatórios das usinas hidrelétricas chegarão ao fim do ano no limite, alerta Nassif. E se a pandemia ainda foi seletiva, não atingindo igualmente todas as classes, a crise elétrica atingirá todas as residências e todas as empresas. Diante da crise iminente, o governo não descarta a possibilidade de um racionamento, tenta incentivar o deslocamento da produção industrial para fora do horário de pico de consumo e antecipar a entrega de outras obras de fornecimento energético. Mesmo com a crise à vista, o governo insistiu em acelerar a privatização da Eletrobrás antes que a medida provisória que autoriza a venda da estatal caduque na próxima terça (22). Além de ter sido aprovada por uma margem apertada no Senado, 42 votos a 37, a questão ainda não está encerrada, porque a MP volta para a Câmara carregada de penduricalhos. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou três versões distintas do relatório em 24 horas para contentar governadores e parlamentares de todas as regiões, cada uma com uma exigência  específica, seja a promessa de investimentos, seja a manutenção de benefícios. Arthur Lira garante que a Câmara votará a MP na segunda, o que seria uma demonstração de força, mas com uma tramitação tão tortuosa, o governo pode começar a semana com uma derrota.

 

.Impeachment? É mentira! A CPI da Covid ainda não está na UTI, mas já dá sinais de piora do quadro clínico. Com as mudanças de pauta a cada reunião, a Comissão passa a impressão de estar perdida, girando em busca de uma tábua de salvação: passou pela fase cloroquina, contratos com a Pfizer, gabinete paralelo e crise do Amazonas. Agora abriu também os capítulos “guerra de milícias” entre Witzel e Bolsonaro e rede de financiamento dos negacionistas na internet. O depoimento do ex-governador do Rio Wilson Witzel (PSC) foi um ajuste de contas entre ex-aliados, sem grandes revelações, e que basicamente limitou-se a ameaçar o clã Bolsonaro. Além disso, o prometido depoimento sigiloso de Witzel com revelações bombásticas talvez não passe de um blefe. É verdade que em cada uma dessas fases foram levantadas muitas evidências sobre as responsabilidades do governo no agravamento da pandemia. Mas e daí? A verdade é que a blindagem de Pazuello por Bolsonaro e pelos militares foi um balde de água fria nas esperanças de quem acreditava na punição de alguém. Sem a possibilidade de prisão ou de impeachment, restará à CPI levantar evidências e se tornar mais um instrumento de pressão política e midiática. Nesse contexto, a ausência do empresário Carlos Wizard, um suposto integrante do gabinete paralelo que havia sido convocado a depor na quinta-feira (17), pode ser entendida como um desafio à autoridade da Comissão. Não será surpreendente que nos próximos dias o governo dedique-se a organizar uma ofensiva para tentar enterrar a CPI. Isso se Osmar Terra, o senhor imunidade de rebanho, passar ileso na sabatina da terça-feira (22).

 

.Povo na rua? É verdade! As manifestações do “Fora Bolsonaro” convocadas para este sábado (19) definirão o tom da conjuntura daqui para frente. Se forem maiores do que as manifestações passadas, devolvem a iniciativa política para a oposição pela esquerda e podem servir como desfibrilador para a desanimada CPI da Covid. Por mais que Bolsonaro tenha tentado sair das cordas com as motociatas, os atos inflacionam visualmente o número real de participantes e todo mundo já entendeu que continua sendo um “cercadinho” sob rodas, dialogando apenas com seu público mais fiel. O jornalista Guilherme Caetano e o cientista político Christian Lynch dissecam detalhadamente quem são os homens brancos que precisam reafirmar sua virilidade com armas e com motos luxuosas nestes atos. Já se os atos da oposição forem menores ou iguais ao anterior, manterão aquele clima de empate e seguiríamos esperando o movimento seguinte ou algum fato novo capaz de alterar a conjuntura. Neste cenário, o que é certo é que choro é livre, para Eliane Cantanhedê e para a grande mídia, que lamentam a desistência de Luciano Huck e Amoedo da disputa presidencial. Sinal do fracasso da terceira via entre Bolsonaro e Lula foi que o almoço que reuniu lideranças de sete partidos da centro-direita não conseguiu encaminhar nada. Por mais que se ressintam que um terceiro nome não vingou, a culpa está lá atrás, em 2018, na “difícil escolha” que fizeram. Três anos depois não há como existir meio termo entre cloroquina ou vacina. Ou ainda, entre fechar o Congresso e o STF ou não. Parte do PIB já se resignou que só há dois caminhos possíveis em 2022. Esta elite sabe que, contraditoriamente,  só um movimento de massas que abreviasse o mandato de Bolsonaro ou derrubasse significativamente sua popularidade, poderia abrir espaço para outro nome pela direita. Mas, ironicamente, agora este movimento tende a fortalecer a esquerda que assumiu a direção da oposição neste ano.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Está surgindo uma nova geração anticapitalista?. O jornalista Paul Mason analisa uma pesquisa com jovens de 30 países europeus para afirmar que a mudança da ordem política e econômica está no horizonte da juventude.

.Hoje a PM vai matar. Almir Felitte reconstrói a história das Polícias Militares para explicar sua função no Estado de exceção permanente da população negra.

.“Instável”: Um ano de ensino remoto nas escolas estaduais de São Paulo. Falta de equipamentos e de conexão, evasões e fatiga. O saldo de um ano de ensino remoto na rede pública.

.Mais médicos mal formados. Em duas décadas foram abertos 247 novos cursos de medicina no Brasil. Mas Allan de Abreu mostra que muitos deles são de baixíssima qualidade.

.A caminhada do hip-hop no socialismo. Dos Panteras Negras à Che Guevara, as influências dos rappers que adotam o marxismo nos EUA e Europa.

 

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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo