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Opinião | BH: 487 bairros e enorme desigualdade de renda, gênero, raça e mobilidade

Renda do bairro Belvedere é 38,7 vezes maior que no Jatobá

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Que vivemos em uma sociedade plena de desigualdades econômicas, sociais e espaciais, acho que todos nós sabemos, mas você sabia que o dinheiro está subindo a Serra do Curral? - Divulgação Viva JK

O que passou pela cabeça de um morador dos bairros nobres da cidade ao se deparar com a projeção da frase “a renda do bairro Belvedere é 38,7 vezes maior que no Grotinha e Jatobá” da foto acima no Edifício JK, no centro de Belo Horizonte? Será que se indignou com o fato de uma pessoa ganhar 40 vezes mais que outra? Ou sua indignação foi pela exposição de seu próprio privilégio?

Que vivemos em uma sociedade plena de desigualdades econômicas, sociais e espaciais, acho que todos nós sabemos, mas você sabia que o dinheiro está subindo a Serra do Curral e que em Nova Lima, com seus condomínios e prédios de alto padrão, a renda média é 1,3 vezes maior que a de BH e 3,4 vezes maior que Vespasiano?

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Existem muitas maneiras de se argumentar e expor ideias. Alguns preferem as palavras, falando ou lendo, outros preferem os desenhos e as imagens, como o @VivaJK vem fazendo ao projetar e estimular o imaginário belorizontino. Neste momento, o Movimento Nossa BH está usando mapas para mostrar as diferenças e desigualdades entre os 487 bairros  da cidade e entre um grupo de 14 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, selecionados por serem conurbados, e que foi denominado RMBH14 . Esses mapas foram publicados neste mês de junho no documento Mapa das Desigualdades da RMBH 2021.

São 28 mapas da RMBH14 que representam as diferenças de 14 indicadores e métricas nas duas escalas (metropolitana e municipal) e mais 17 outros mapas com indicadores de mobilidade apenas para a escala municipal e síntese de bairros mais citados como melhores e piores. Todos os mapas apresentam os três maiores e menores territórios, além de um interessante desigualdômetro, que mostra sempre a diferença entre o maior e o menor.

O Mapa se orienta pela ideia de que o espaço urbano reflete e reforça a desigualdade social. Os indicadores de renda média e Índice de Desenvolvimento Humano seguem o mesmo padrão: o maior valor do IDH se dá também em Nova Lima, onde é 1,2 vezes maior que em São Joaquim de Bicas e dentre os bairros, o IDH na Savassi é 1,5 vezes maior que em alguns bairros do Barreiro.

Gênero e raça

As desigualdades são mais evidentes quando falamos de gênero e raça no espaço urbano. A relação entre número de mulheres e homens é mais ou menos igual em todos os espaços analisados (média de 51% de mulheres), mas a renda dos homens é 2 vezes maior que a das mulheres na RMBH14 e é maior em Sarzedo (2,4x) e menor em BH (1,8x).

Essa dimensão da desigualdade parece estar inevitavelmente associada ao machismo estrutural presente em diversas classes sociais da sociedade, uma vez que a diferença de renda entre homens e mulheres é 3,9 vezes tanto no Cidade Jardim, quanto no Taquaril, bairros opostos em relação à renda média, mas similares na desigualdade de gênero.

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É preciso também falar do racismo estrutural refletido no espaço urbano. Os indicadores de raça utilizados no Mapas das Desigualdades confirmam uma fortíssima correlação entre exclusão espacial e pessoas pretas e pardas. Por sua vez, a média da renda das pessoas brancas na RMBH é, em média, 1,3 vezes maior que das pessoas negras (pretas e pardas), mas em Nova Lima é 2 vezes maior.

Não causa espanto a constatação de que os chamados “bairros nobres” da cidade tem cor: em BH, no bairro São Francisco das Chagas, 94% da população é negra e Vila Paris tem apenas 8%, Sion e Belvedere, 10%. Isso é 11,8 vezes maior. E essa cor, ainda tem suas matizes: a diferença da população preta entre os bairros Sion e São Francisco das Chagas é de 45 vezes.

É preciso falar de gênero e raça no espaço urbano. Se a exclusão é grande para a população negra (e preta), é maior ainda para as mulheres negras. Na RMBH, a renda média de homens brancos é 2,1 vezes maior que a de mulheres negras, mas em Nova Lima é 4,2 vezes maior

Os mapas foram produzidos para serem vistos em detalhe, quando em maior escala. No entanto, quando os colocamos lado a lado , como nas figuras abaixo, fica evidente a perversidade dos processos de ocupação espacial, uma vez que as pessoas com menor renda ficam mais longe das oportunidades, concentradas em áreas centrais e nobres da cidade. E, por isso mesmo, mais difícil de melhorar sua renda. E são nestes bairros que há maior proporção de mulheres negras, evidenciando que a desigualdade tem cor e gênero. 


"Fica evidente a perversidade dos processos de ocupação espacial, uma vez que as pessoas com menor renda ficam mais longe das oportunidades, concentradas em áreas centrais e nobres da cidade" / Reprodução/Nossa BH

Mobilidade

Os indicadores de mobilidade utilizados confirmam que a mobilidade pode reforçar os processos de exclusão espacial. Alguns bairros populares e, especialmente, nas favelas, apresentam mais de 90% de seus domicílios sem calçada, mas em 187 bairros de maior renda todos os domicílios tem 100% de calçadas.

A frequência e o tempo de deslocamento no transporte público confirmam a progressiva redução de oferta nas franjas da cidade. O tempo médio de deslocamento no transporte público de uma pessoa no bairro Capitão Eduardo é de 67,1 minutos, 14,3 vezes maior que uma pessoa na Vila Bandeirantes.

Os bairros periféricos levam mais tempo para chegar a um estabelecimento de saúde de alta complexidade por transporte público no horário de pico. Parte-se do princípio que um lugar sem extremos tão distantes em termos socioeconômicos, com certeza será melhor, mais seguro e mais justo para todas e todos. Infelizmente, as desigualdades apontadas por esta versão do mapa não são as únicas e nem são recentes, uma vez que a exclusão espacial esteve sempre lado a lado com processos de produção e ocupação do espaço e da gestão do transporte e mobilidade.

Espera-se que esta publicação seja apenas um convite para novos estudos que alertem e apontem outras dimensões das desigualdades, contribuindo para direcionar melhor as políticas públicas no combate a problemas sociais graves e históricos como o racismo estrutural brasileiro e as camadas de opressões sobre as mulheres, pessoas LGBTQI+ e moradoras das periferias. Conheça o Mapa das Desigualdades de Belo Horizonte 2021 e acesse os dados em formato aberto aqui.

Marcelo Amaral é engenheiro civil com doutorado em Geografia e coordenador de projeto no Movimento Nossa BH
 

Edição: Elis Almeida