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Ásperos tempos: a pandemia e os desafios da classe trabalhadora

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Manifestantes pedem impeachment de Jair Bolsonaro, em Brasília, pelo desastre na gestão da crise pandêmica no Brasil - 31 de janeiro de 2021 - Sergio Lima / AFP
Ou seja, o custo que a sociedade, principalmente os mais pobres, tem que pagar com a própria vida

O título do primeiro livro da trilogia Subterrâneos da Liberdade, de Jorge Amado (um dos maiores escritores da literatura brasileira, que faz uma descrição incrível da situação da classe trabalhadora dos momentos que antecederam o golpe do Estado Novo varguista em 1937) é chamado de “Ásperos Tempos”.

Como esse título, o mundo e, particularmente, o Brasil estão enfrentando esses “Ásperos Tempos” novamente, fazendo com que o sofrimento de muitas brasileiras e brasileiros (mais de 460 mil famílias que já perderam um dos seus), vivenciado durante a pandemia, seja uma agonia que insiste em não deixar o amanhecer chegar.

Exatamente durante a pandemia sem precedentes na História do mundo e do Brasil, vemos os desafios colocados para a classe trabalhadora no Brasil: em primeiro lugar, sobreviver. Em segundo lugar se reinventar, se reorganizar para enfrentar além da política do descaso do desgoverno Bolsonaro em relação ao tratamento da pandemia; também resistir às constantes tentativas de desmonte das condições de trabalho e da entrega do nosso patrimônio, que são os serviços públicos e as estatais.

Afinal, a pior agonia dos capitalistas é que eles não gostam de ter e a sensação de que não estão tendo lucros vinte e quatro horas por dia, minuto a minuto. Isso acontece ao visualizarem que as trabalhadoras e trabalhadores não estão produzindo o quanto deveriam para que pudessem enriquecer cada vez mais e mais. E por isso insistem que o povo tem que se expor ao vírus. Defendem, por meio de médicos que pensam pela lógica da economia e não pela lógica da ciência, que a classe trabalhadora deve se expor para que haja a dita contaminação de rebanho, não importando que muitas trabalhadoras e trabalhadores percam suas vidas.

Ou seja, o custo que a sociedade, principalmente os mais pobres, tem que pagar com a própria vida, muitas vezes, para que não deixem de buscar o lucro constantemente para os patrões, não importando a gravidade letal de exposição à doença. Não nos espanta esse pensamento. Afinal é por isso que o capitalismo é um regime para poucos lucrarem, enquanto a maioria só é explorada durante toda sua vida de trabalho.

Isso pode ser percebido na visão que os poucos banqueiros do sistema financeiro nacional e os poucos grandes empresários internacionais e nacionais têm sobre as reformas trabalhista e da previdência.

Por eles, essas seriam muito piores do que já foram para a toda a classe trabalhadora. Esses poucos capitalistas dizem que as reformas que aconteceram no país foram tímidas, muitos deles ameaçam inclusive levar seu capital para investir em outros países que tenham menos direitos para as trabalhadoras e trabalhadores, enquanto outros insistem que não basta tirar os direitos da classe trabalhadora: é preciso também reduzir a quase zero o tamanho do Estado. A quase zero! Porque eles não abrem mão da função de aparelho de repressão que o Estado exerce historicamente, chegando a momentos da história em que impõe ditaduras e golpes, como vimos já em diversos momentos na história do Brasil. Essas imposições aconteceram para barrar avanços populares e de benefícios para as trabalhadoras e trabalhadores.

Sobre o cenário atual, o que nos espanta de verdade é ver um desgoverno tão servil aos propósitos dos capitalistas como está o desgoverno Bolsonaro. Observa-se uma fidelidade tão canina aos “deuses” do mercado que para ele não importa a quantidade de centenas e centenas de mulheres e homens que estão perdendo suas vidas durante a pandemia. Ele continua na contramão de todos os países do mundo, mesmo os Estados Unidos que tinham um pensamento semelhante já mudaram de rumo após as eleições americanas e hoje têm mais da metade de seus mais de trezentos milhões de habitantes vacinados e retomando à vida normal. Isso porque o novo governante dos Estados Unidos, John Biden, diferentemente do seu antecessor Trump, ouve a ciência e segue as orientações das autoridades sanitárias do mundo inteiro que falam que as únicas formas de vencer o vírus são: não aglomerar, usar máscara e vacinar o máximo possível da população no menor tempo possível.

Lógica implementada de forma totalmente contrária pelo desgoverno brasileiro, que ao seu redor tem um séquito de poucos grandes empresários nacionais do comércio e do agronegócio, junto com mais alguns setores armamentistas e negacionistas. Juntos eles continuam batendo nas prefeituras e governo estaduais sérios, que colocaram a vida em primeiro lugar e não os lucros e a ganância. Muitos governos e prefeituras, aliados à ciência, sabem que o efeito ioiô das políticas de isolamento social não é efetivo em tempos em que a vacinação anda a passos extremamente lentos no país. Essas políticas de isolamento social em que quando aumentam os casos e mortes impõem o isolamento social relativamente mais rígido, quando os números baixam de forma imediata já relaxam o isolamento social, não resolvem no combate a pandemia de coronavírus.

Enquanto não houve pelo menos 75% da população vacinada com as duas doses da vacina a possibilidade de novas cepas, ondas de casos e mortes surgirem se tornam reais, principalmente pela ação e a orientação política do desgoverno Bolsonaro que insiste em desacreditar a ciência e por isso não ter comprado vacinas nos momentos em que deveria ter comprado. E busca em todos os momentos, a todo custo, descaracterizar a pandemia mundial como sendo algo frágil e sem importância, comparando-a a uma “gripezinha”, que não levaria muitas vidas dos brasileiros, desrespeitando pais, mães, filhos, filhas e parentes das mais de 460.000 famílias que choram cotidianamente a perda dos seus.

E a agonia desta infindável noite que é a pandemia se completa para a classe trabalhadora pela força e a truculência deste desgoverno Bolsonaro em entregar os direitos das trabalhadoras e trabalhadores, pois como se não bastasse a entrega de centenas de direitos através com uma reforma trabalhista que somente atendeu aos patrões, aos empresários nacionais e internacionais, a ela foi somada uma reforma da previdência que da mesma forma só atendeu aos patrões e faz gerações inteiras de homens e mulheres terem que trabalhar por mais de 40 anos para recolher fundos previdenciários suficientes para poderem se aposentar dignamente.

Este cenário força a necessidade da classe trabalhadora se olhar como tal e a partir daí buscar um resgate da sua organização, das suas entidades e das suas lutas, estabelecendo o que é prioridade na luta e no enfrentamento aos mercados e a aos capitalistas que se utilizam de uma viseira, que só os permite visualizar em frente o lucro e a ganância. Precisamos nos apropriar dos conhecimentos da nova era tecnológica, organizar as trabalhadoras e trabalhadores de aplicativos, de plataformas e, assim como eles, também é imperativo que a classe trabalhadora, através de suas entidades, regulasse também o trabalho remoto.

Pois a lição da solidariedade que tivemos enquanto classe — de nos ajudar, de lutarmos para que pudéssemos ter a dignidade para enfrentar a pandemia, com direito de trabalharmos em “home office” onde desse, ou quando tivemos que brigar para construir acordos e protocolos para regrar o trabalho em casa, e onde não dava para fazer o trabalho remoto, construir condições mínimas de trabalho que garantissem a proteção das trabalhadoras e trabalhadores que não conseguiram ficar longe da produção — essa lição não entra na cabeça dos patrões.

Para variar, enquanto exercitávamos a solidariedade eles exercitavam novas formas de aumentar seus lucros. Tanto é assim que muitos grandes empresários do setor de serviços, bancos, já anunciaram que muitos dos trabalhadores que estão executando trabalho em casa não voltarão para seus locais de trabalho e isso cria novas dificuldades, pois o trabalho em “home office” precisa também ser regulado, senão a sanha gananciosa dos patrões, logo coloca suas garrinhas de fora e a exploração dos trabalhadores que exercem esse trabalho pode fugir do controle, fazendo com que esses trabalhem muito além das habituais jornadas estabelecidas quando iam a um local de trabalho exercerem suas funções.

Também é necessário que a classe trabalhadora lance um olhar de gênero sobre a questão da regulação do “home office”, afinal, as mulheres estão com jornadas mais extenuantes e ainda têm o agravante histórico das sociedades machistas que é o acúmulo de jornada de trabalho com as jornadas domésticas, o que faz com que as mulheres essas jornadas sejam extenuantes. Os estudos demonstram isso: que foram as mulheres as que mais sofreram os impactos da pandemia de coronavírus, tendo que trabalhar em casa e não só cuidar das tarefas do seu trabalho, mas também acumular a tarefa de cuidar da casa e dos filhos durante a pandemia.

Portanto é imperativo que nos debrucemos sobre essa nova realidade para que possamos resistir à ganância, à avareza dos patrões e também às consequências nefastas deste novo período que enfrentamos e possamos a partir disso tomar consciência dessa nova situação do mundo do trabalho; que possamos formular novas maneiras de negociação de classe que preservem nossos direitos já tão ameaçados e que busquemos fortalecem nossas organizações, nossos sindicatos e entidade de representação para que possamos exercer com dignidade essa resistência para nos adequarmos aos novos tempos. No entanto, como disse o escritor Jorge Amado, serão “Ásperos Tempos” que exigirão da classe trabalhadora força, vontade e resiliência para que não seja massacrada ainda mais pela lógica do capital, que tem como pilares a avareza e a ganância nome da exploração dos trabalhadores para ter cada vez mais e mais lucros.

Edição: Pedro Carrano