Rio Grande do Sul

SOLIDARIEDADE

Ação visa garantir acesso à educação em tempos de pandemia

Campanha está coletando, com urgência, computadores, notebooks e celulares, mesmo que estejam com defeito

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Fazemos o papel que devia ser dos governos: arrecadamos cestas básicas e computadores ou celulares para que estudantes possam comer e estudar”, afirma a professora Silvia Moura - Marcelo Camargo / Agência Brasil

Computadores, notebooks, monitores, teclados, mouse, caixas de som, celulares – mesmo que estejam com algum defeito, podem ajudar a diminuir o abismo da desigualdade na educação no Rio Grande do Sul. Graças à ação de professores e professoras, e à ajuda de profissionais e uma rede de voluntariado, os equipamentos são recondicionados, ou têm suas peças aproveitadas para reutilização, e doados a estudantes que necessitam se conectar à internet para estudar em casa por causa da pandemia de covid-19.  

“Fazemos o papel que devia ser dos governos: arrecadamos cestas básicas e computadores ou celulares para que estudantes possam comer e estudar”, afirma a professora Silvia Moura, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vila Monte Cristo, em Porto Alegre. 

Ao distribuir solidariedade, estas professoras e professores acabam conhecendo uma outra faceta da pandemia, como a história do estudante que ia de noite com seu celular a uma praça para assistir às aulas porque naquele local ainda há internet gratuita, graças a administrações passadas. Ou das crianças que, ao receberem computadores e cadernos – porque a professora que foi levar a doação resolveu juntar material escolar ao equipamento -, pularam duplamente de alegria. É que elas haviam cedido páginas de seus cadernos para os primos, que não tinham onde anotar as lições, e os seus cadernos já estavam quase sem folhas. 

Em comum, estes projetos têm a urgência. Dependem da boa vontade de outras pessoas, e nem sempre há doações suficientes para atender às demandas, que são crescentes. Todos os dias há crianças, adolescentes e adultos que não podem assistir às aulas porque não têm equipamento, seja celular ou computador, ou, quando têm, necessitam dividi-lo com pais, mães, irmãos e irmãs. Outro problema é o acesso à internet, já que é difícil manter a conexão se não tiver wifi, que nem todos podem pagar, e os dados móveis acabam rapidamente durante uma aula. 

Quem se dispõe a receber as doações precisa ter tempo, paciência para separar o que funciona e o que é descartável, e sensibilidade para fazer escolhas na hora de repassar os equipamentos. O que for lixo eletrônico é direcionado para o local correto de descarte. Há custos para buscar e levar as doações, pagar mão de obra dos consertos ou comprar acessórios e peças que faltam para colocar o computador em condições de uso para estudo.

“Uma nova placa de vídeo custa R$ 140; uma tela, em torno de R$ 200; um cabo de rede, R$ 1,50 o metro”, lembra a professora Clevi Elena Rapkiewicz, responsável pelo projeto Enigma, ligado ao Colégio Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por isso, sempre que possível, a prioridade é recuperar, e não comprar peças novas. 

No projeto Enigma, o conserto dos computadores é feito por parceiros. Entre eles, o pai de uma estudante da escola, que revisa, recoloca peças e deixa os eletrônicos em dia. Para ajudar a cobrir os gastos, Clevi mantém uma vaquinha permanente. E há ainda uma rifa criativa: quem compra um número, concorre a um equipamento reciclado e contribui para financiar a recuperação de outros computadores. Desde julho de 2020 já foram doados 174 equipamentos. 

No bairro Vila Nova, região altamente populosa de Porto Alegre, a campanha para arrecadação de computadores, notebooks, celulares, tablets, fones de ouvido com microfones, teclados, mouse e cabos é também feita pela professora Silvia Moura. A professora queria inicialmente suprir as necessidades de equipamentos das turmas de quinto ano, mas a ideia é que a escola estenda para todos os estudantes.

“Aqui tem muita gente com covid-19”, diz. “Os pais e mães têm consciência de que é preciso manter as crianças em casa, embora muitos as mandem para a escola para que pelo menos façam uma refeição”, acrescenta. 

Silvia constatou que há estudantes para os quais não adianta doar computadores de mesa, porque eles não têm espaço para colocá-lo, ou se deslocam muito, e o celular é o melhor canal de conexão às aulas. A professora também concluiu que não deve doar um notebook sem câmera ou sem som, porque é difícil para as famílias irem atrás das peças que faltam.

“Eu quero doar computadores para que os estudantes não venham no presencial, porque estamos em bandeira preta - com outro nome, maquiada, mas é bandeira preta. Então essa campanha visa a auxiliar as famílias a conseguirem fazer uma opção de acordo com a Ciência”, ressalta. 

Em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a ideia de recondicionar equipamentos para uso de estudantes carentes partiu de Murilo, estudante de Engenharia, filho do professor Valter Schmeling. O pai, que é diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco, encampou a ideia, e o que começou como uma campanha tímida, com voluntários que iam trabalhar na garagem dos Schmeling, foi crescendo junto com a demanda. Depois de virar notícia, o grupo ganhou apoio da professora Clevi para os consertos. Entre agosto de 2020 a maio de 2021, foram recolhidos mais de 600 computadores.

“A maioria estava com defeito”, conta Valter. “Mas 153 foram entregues para uso”, diz, orgulhoso. O problema é que as doações pararam. “Só voltam a aparecer quando a gente consegue um canal para fazer propaganda”, observa o professor. 


Crianças beneficiadas com recondicionamento de computadores / Arquivo Pessoal

Projeto Alquimia II recondiciona celulares

Um dos empecilhos à doação de celulares para reaproveitamento de estudantes é encontrar quem os conserte ou faça a formatação adequada a um custo acessível. O promotor de Justiça Criminal da cidade de Osório, Fernando Andrade Alves, teve uma ideia que resolveu esse problema. Ao visitar as delegacias para fazer o controle externo da atividade policial, que é uma das atribuições do Ministério Público, ele reparou nos depósitos muitos celulares que haviam sido apreendidos em flagrantes e em presídios. Eram telefones que não tinham mais uso como prova, e que não poderiam ser devolvidos, já que foram recolhidos de criminosos. 

Alves criou o projeto Alquimia II (o Alquimia I promovia a transformação de máquinas caça-níqueis em computadores recondicionados) e firmou uma parceria com a Associação de Jiu-Jitsu de Tramandaí para desbloquear e formatar celulares a um preço simbólico, para doá-los a estudantes. Na primeira fase, a Vara de Execuções Criminais de Osório enviou 120 celulares para restauração, que foram entregues à comunidade escolar. Ao final de 2020, chegou a 500 telefones. Em 2021, já são quase 1.200. “Agora, entregamos em todo estado”, informa. 

O projeto deu tão certo, que foi replicado em São Borja, Santiago, Bento Gonçalves e Lajeado. Em 2021, foi institucionalizado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ao ganhar em dimensão, conquistou também novos parceiros. Agora, a PUCRS, a Unijuí e a URI fazem a recuperação dos celulares de modo centralizado e gratuito. Recentemente, aderiram ao projeto os MPs de Santa Cruz do Sul, Rio Grande e Venâncio Aires. A distribuição dos celulares recuperados é feita pelas Secretarias de Educação de cada cidade, a partir das demandas de escolas. 

CRC Zenit Belém capacita jovens das comunidades para recondicionar computadores

Sabem aqueles computadores de órgãos públicos que não funcionam mais, ou que até funcionam, mas são descartados para serem substituídos por outros mais modernos de tempos em tempos? Estes equipamentos, depois de despatrimoniados, são entregues ao Centro de Recondicionamento de Computadores (CRC) Zenit Belém para se tornarem novamente úteis. O CRC Zenit Belém é uma iniciativa da UFRGS, com apoio do Ministério das Comunicações, e parceria do Núcleo Comunitário e Cultural de Belém Novo. Funciona desde 2019. 

Até o início da pandemia, o recondicionamento era feito por jovens em situação de vulnerabilidade, que passavam por cursos de capacitação técnica e sustentabilidade ambiental. As máquinas recondicionadas eram encaminhadas para Pontos de Inclusão Digital – escolas, associações, quilombos e coletivos previamente cadastrados. Em janeiro de 2020, o CRC Zenit Belém formou 150 jovens e entregou 150 computadores a seis escolas. Com a pandemia de covid-19, o curso presencial teve de ser interrompido e foi preciso adaptá-lo. Hoje, os encontros são virtuais, síncronos e assíncronos, em cursos de 30 e 60 horas com 30 a 40 alunos em média, abrangendo mais regiões. 

“Queremos atrair lideranças jovens comunitárias para que possam reproduzir esses conhecimentos em seus coletivos”, afirma o professor Renato Ribas, gerente do CRC Zenit Belém. Em Porto Alegre, estão sendo formadas lideranças nos bairros Bom Jesus, Morro da Cruz e Vila Planetário. Os jovens são capacitados para consertar equipamentos e fazer sua manutenção. Não se trata de um curso técnico, com certificado, mas de uma formação que lhes possibilita recondicionar computadores e eventualmente monetizar, ou seja, revendê-los a preços acessíveis para a comunidade, explica.

Ribas é também coordenador do Reconecta UFRGS, uma ação de extensão criada no período da pandemia para recuperar computadores doados e repassá-los a estudantes da própria universidade. É composta por voluntários. Em seis meses de trabalho em 2020, o grupo conseguiu mil doações. “Claro, não se pôde aproveitar tudo. Entre notebooks, de cada quatro se aproveita um. Mas conseguimos atender 270 estudantes”, relata.

Em 2021 o Reconecta se reestruturou, e agora a equipe é itinerante - o grupo assessora a implantação de pequenos centros de recebimento e recondicionamento, como o da Faculdade de Educação (Faced/UFRGS). A equipe do professor Ribas também presta apoio para a manutenção dos equipamentos doados.

Onde realizar as doações

Em Porto Alegre

PROJETO ENIGMA 
https://www.ufrgs.br/enigma/

Ação de extensão do Colégio Aplicação, da UFRGS, que engloba arte, gênero e computação. Tem como objetivo dar visibilidade à participação e trabalho das mulheres na Informática. Faz formação, palestras, oficinas, produção de artesanato com “lixo” eletrônico, e intermedia a doação de computadores e celulares para estudantes da escola e também para mulheres – funcionárias terceirizadas, mães que demandam para seus filhos.  

Responsável: Profa. Clevi Elena Rapkiewicz

Como contribuir: As doações podem ser em dinheiro (para pagar os consertos do que vem com defeito), computadores, tablets, celulares, notebooks, monitores, acessórios e mesmo em cartões com acesso à internet. Podem também comprar rifas que serão sorteadas em julho.

Saiba mais em http://bit.ly/rifaENIGMA
Contato/Whatsapp: (51) 99295-6632
Ponto de Coleta: Unidade Centro de Educação Profissional São João Calábria – Estrada Aracajú, 650, bairro Vila Nova, Porto Alegre – de segunda a sexta-feira, das 8h às 11h50min, e das 12h50min às 17h

ESCOLA MONTE CRISTO 
Responsável: Profa. Silvia Rejane Mielniczuk de Moura
Contato/Whatsapp: (51) 98639-8417 e (51) 3246-4659
E-mail: [email protected]
Ponto de Coleta: Rua Carlos Superti, 84, bairro Vila Nova, Porto Alegre (sugere-se ligar antes para confirmar o horário)

DOAÇÕES PARA A FACED/UFRGS
A Rede Faced recebe doações de aparelhos eletrônicos para serem repassados aos estudantes da faculdade que estão com dificuldades de acesso às aulas remotas.
RECEBEM: computador (desktop ou notebook) ou monitor LCD (tela plana) funcionando
NÃO RECEBEM: impressoras, scanners, monitores de tubo (CRT), estabilizadores, tablets, celulares, nem computadores da linha Apple
Contatos:  [email protected]
Whatsapp Reconecta: (51) 99369-4307
Whatsapp Business Gerência Faced: (51) 3308-3100
Ponto de coleta: Faculdade de Educação/UFRGS - Av. Paulo Gama, 100 - Prédio 12201 - Porto Alegre. Às quintas-feiras, das 14h às 17h30min

Em Canoas

Responsável: Prof. Valter Schmeling
Contato/Whatsapp: (51) 98563-0039
E-mail: [email protected]

INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO ALQUIMIA II
Responsável: Fernando Andrade Alves, Promotor de Justiça Criminal de Osório
Contato/Whatsapp: (51) 3295-1100
E-mail: [email protected]

INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO RECONECTA e CRC ZENIT BELÉM
Responsável: Prof. Renato Ribas
Contato/Whatsapp: (51) 99369-4307
E-mail: [email protected]
CRC Zenit Belém - https://www.ufrgs.br/zenit/crczenit/home-crc/


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Edição: Marcelo Ferreira