Rio Grande do Sul

Pesquisa

Governo vai gastar 200 milhões para fazer “versão piorada” do Epicovid-19, diz Hallal

Coordenador do estudo pioneiro aponta que PrevCOV, a nova pesquisa, possui abrangência menor e custo estranhamente alto

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O epidemiologista Pedro Hallal acentua que o Epicovid-19 não foi sequer citado pelo ministério “como se fosse novidade fazer um inquérito sorológico 14 meses depois do início da pandemia” - Reprodução UFPel

Sem consultar ou comunicar os pesquisadores do Epicovid-19, o maior estudo da covid-19 feito no país, o governo federal vai gastar R$ 200 milhões para realizar outra pesquisa do mesmo tipo, o PrevCOV - Pesquisa de Prevalência de Infecção por Covid-19. É um valor 16 vezes superior ao investido pelo Ministério da Saúde no estudo anterior e com uma amplitude inferior. Para o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Epicovid-19, o PrevCOV é “uma versão piorada do desenho original”. 

Hallal destaca que o PrevCOV é restrito à capitais e regiões metropolitanas, terá apenas uma etapa e possui “um custo estranhamente alto”. Acentua que o Epicovid-19 não foi sequer citado pelo ministério “como se fosse novidade fazer um inquérito sorológico 14 meses depois do início da pandemia”. Mesmo assim, ele entende que a decisão, embora tardia, é positiva na medida em que o governo volta a investir em inquéritos epidemiológicos. “Tivesse feito isso continuamente desde o começo da pandemia, milhares de vidas teriam sido salvas”, avalia. 

Estudo mostrou maior risco entre indígenas e desgostou Pazuello

“Explicar um investimento de R$ 200 milhões para visitar, em uma fase apenas, pouco mais de 60 mil domicílios, é uma tarefa que eu deixo para o governo e para os órgãos de controle”, diz Hallal. 

O Epicovid-19 foi travado em julho de 2020 pelo então ministro Eduardo Pazuello que, nesta quarta-feira (19), deverá depor sobre sua gestão na CPI da Covid, no Senado. “O financiamento foi suspenso por questões puramente políticas e não técnicas”, afirma Hallal, que levanta outro ponto que teria aborrecido o governo. “Em especial, o Ministério da Saúde demonstrou descontentamento com o resultado da pesquisa de maior risco de infecção por SARS-CoV-2 entre os indígenas”, aponta. 

O estudo pioneiro começou semanas após o início da pandemia, foi desenvolvido em cinco fases com custo total de R$ 40 milhões - dos quais apenas R$ 12 milhões provenientes do Ministério - testando e entrevistando 245 mil brasileiros ao longo de um ano. Seus resultados iniciais foram publicados em revistas médicas internacionais, entre elas Lancet, Nature Medicine e Global Health.

“Se foi perseguição é o governo quem precisa responder”

Indagado se entende a suspensão da verba federal como “uma perseguição” aos pesquisadores que tocaram o Epicovid-19, Hallal prefere não opinar. “Se foi perseguição ou não é o governo quem precisa responder”, esquiva-se.

Em nota pública, a coordenação do Epicovid-19 ressaltou que na coletiva de imprensa que divulgou os resultados da pesquisa no ano passado, foi censurado o slide que informava sobre a maior ameaça da infecção entre os indígenas. 

Parceria entre 13 universidades, o estudo não parou após o corte da verba de Brasília. Prosseguiu com o respaldo financeiro de outros apoiadores, entre os quais o governo gaúcho, a Fundação de Amparo à Pesquisa/SP (Fapesp) e um grupo de entidades públicas e privadas. 

“Terra plana, ciência do WhatsApp e Arquivo X”

A nota da coordenação sustenta que, se a ciência tivesse sido ouvida desde o começo, milhares de vidas teriam sido salvas, mas houve o contrário. “O governo federal ouviu o negacionismo e a ciência de WhatsApp”, critica o epidemiologista. 

“Aliás, isso não deveria ser novidade para ninguém. Na Educação, o guru do governo federal é um sujeito que acredita que a Terra é plana e que existem conspirações, tipo séries fictícias, como Arquivo X”, ironiza. 

“Não há ninguém mais que possa ser culpado pelas 300 mil mortes excessivas ocorridas no Brasil senão o governo federal”, arremata.

O PrevCOV foi apresentado em coletiva de imprensa pelo ministro Marcelo Queiroga no dia 5 deste mês. Descrito como "a maior pesquisa sobre a covid no mundo”, será desenvolvido de junho a setembro deste ano. 

O Ministério da Saúde foi contatado para explicar a rejeição ao Epicovid-19 e o lançamento do PrevCOV um ano após a eclosão da pandemia. Porém, até o momento de publicação da matéria, ainda não apresentara sua versão dos fatos.


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Edição: Katia Marko