Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

“Se vence pandemia interrompendo a circulação do vírus”, reforça Pedro Hallal  

Um ano após sua primeira conversa com o BdFRS, o epidemiologista fala agora sobre o cenário trágico atual da pandemia

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O epidemiologista, ex-reitor da UFPel e coordenador da pesquisa Epicovid-19 participou de live do BdFRS e da Rede Soberania - Reprodução

“Infelizmente, nesse momento, ainda temos que nos preocupar. Inacreditavelmente a gente vive, ainda hoje, um ano depois do começo da pandemia, o pior momento dela aqui no Rio Grande do Sul, por uma série de equívocos, mas tem algumas saídas para vencermos o coronavírus”, afirma o professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, na abertura da entrevista concedida ao Brasil de Fato RS, em parceria com a Rede Soberania. 

Coordenador da pesquisa Epicovid-19, referência no mapeamento do avanço da doença em todo o país, o ex-reitor da UFPel foi, juntamente com seu colega Eraldo dos Santos Pinheiro, alvo de ataques do governo federal e seus apoiadores devido a suas críticas referentes ao combate da pandemia. 

Há pouco mais de um ano da pandemia do novo coronavírus no país, o Brasil, que tem até o momento 317.646 vítimas fatais, tornou-se o epicentro da doença no mundo, batendo recorde diário de vítimas fatais em comparação com outros países. O estado gaúcho, quarto no ranking nacional em relação ao número de vidas perdidas para a covid-19, tem a sua capital, Porto Alegre, apontada pelo jornal estadunidense The New York Times como o coração do colapso da Saúde no Brasil. Conforme destaca o jornal, atitudes políticas como a do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que fala em “salvar a economia”, levaram as cidades do país a este que é pior momento da pandemia, com falta de leitos, de oxigênio e até de medicamentos para intubação. 

Em conversa com a jornalista Katia Marko e com Luiz Muller, da Rede Soberania, Pedro Hallal fala sobre o atual cenário de colapso da pandemia no país e no estado. “Tem um erro grosseiro na condução da pandemia no país que faz com que estejamos nessa situação tão dramática (...) O cenário é muito preocupante, no RS é muito grave, em Porto Alegre mais ainda, porque a cidade está combinando a nova variante com a introdução de um fator que não existia ainda, que é o negacionismo liderando as decisões políticas”, diz. 

O ex-reitor será homenageado, no próxima terça-feira (6), data que antecede ao Dia Mundial da Saúde, com a Medalha Mérito Farroupilha. Para ele, a imunização coletiva só vai ser atingida com vacina e somente a realização de um lockdown efetivo pode reverter o atual colapso sanitário.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasil de Fato RS - Tu que és ligado à área da educação, fostes reitor da UFPel, sofreu perseguição por parte do governo. Está acontecendo a campanha Vida, Pão, Vacina e Educação, promovida pelos movimentos estudantis. Estamos falando de política, porque é pela política que estão nos negando de ter a vacina. Antes da vacina podíamos ter testagem em massa e não fizeram nada disso...

Pedro Hallal - Primeiro quero fazer uma saudação para esse ato de resistência liderado pelos movimentos, extremamente importante. Quero destacar a presença da palavra "pão" nesse ato. Depois de muitos anos os colegas profissionais de saúde têm relatado que nas unidades básicas de saúde eles têm visto novamente crianças desnutridas, que era algo que estava praticamente acabado no Brasil. Voltou a desnutrição infantil, então a inclusão da palavra "pão" nesta campanha é importante, tem muita gente passando fome no país hoje em dia. E obviamente que todos os outros assuntos, a vacina, o direito à educação, à vida, são bastante prioritários neste momento. 

Sobre a questão do lugar de fala, é importante destacar as perseguições. De uma forma ou de outra não podemos deixar que esqueçam o que aconteceu. Obviamente não é mais o assunto central em todos os espaços, mas a tentativa tosca de censura que foi aplicada em mim e no professor Eraldo, aqui na UFPel, e com outros colegas de outros lugares, não pode passar despercebida porque foi uma tentativa que envergonha a história da democracia brasileira.   

Porto Alegre entrou na lista de cidades que tem adotado narrativas negacionistas, sobre o tratamento precoce, lockdown, sobre as pessoas doarem a vida em troca da economia.

BdFRS - Há exatamente um ano te recebemos aqui, e naquela época tu já falava da importância da testagem, do isolamento e de haver um lockdown realmente eficaz. E estamos hoje tendo as consequências do que não se fez. Como tu está avaliando o nosso momento atual, sendo que Porto Alegre foi noticia, neste final de semana, no jornal The New York Times, como o epicentro da epidemia no país?

Pedro - Nós pesquisadores, e eu especialmente, não gosto de levantar aquela faixinha que o pessoal levanta no jogo de futebol dizendo "eu já sabia". Eu sinceramente preferia ter errado há um ano atrás. Mas não adianta, esse vírus não perdoa, como a gente já dizia 12 meses atrás, esse vírus veio com força. Não é à toa que ele virou uma pandemia, não é à toa que ele matou essa quantidade de gente no mundo todo. 

A gente avisou que ia acontecer, tentou informar quais as medidas deveriam ter sido tomadas para proteger a vida, a saúde pública e para proteger a economia do país. Eu tenho falado bastante sobre isso porque eu quero bater nisso, porque neste item específico houve uma destruição do setor econômico brasileiro em função dos erros cometidos desde o começo do enfrentamento da pandemia. 

Eu preferia ter errado na previsão lá atrás, mas infelizmente era isso que a ciência mostrava, era isso que os dados de outros países mostravam: se o Brasil não fizesse medidas corretas, baseadas em evidências para conter a pandemia, a tendência era que nos tornássemos uma situação descontrolada. E é o que aconteceu nesse momento, o Brasil, nos últimos dias, tem representado um terço de todas mortes no mundo por covid-19. Isso é um absurdo. 

O Brasil tem 2,7% da população mundial e representa hoje mais de 30% das mortes por covid no mundo, tem um erro grosseiro na condução da pandemia no país que faz com que estejamos nessa situação tão dramática. Por isso eu sempre gosto de reforçar aquela frase, que está ficando repetitiva, mas ela tem que ser dita: que três de cada quatro que morreram de covid até hoje no Brasil não precisariam ter morrido, não fosse o Brasil a capital mundial do negacionismo, não fosse o Brasil o país que ao invés de discutir as coisas que realmente funcionam, decidiu discutir outras coisas. 

Ao invés de discutir testagem em massa, o Brasil começou a discutir cloroquina Ao invés de discutir rastreamento de contato, resolveu discutir se lockdown funciona ou não. Ao invés de discutir vacinação, ficamos discutindo se o vacinado poderia virar jacaré. É uma série de erros que vamos cometendo, e eles não são engraçados, eles custam a vida de muita gente. Muitas dessas pessoas conhecidas de vocês, conhecidas minhas, conhecidas de todos que nos assistem, que morreram, não teriam morrido se, ao invés de discutir cloroquina, jacaré e disseminar notícia falsa sobre lockdown, o Brasil tivesse fazendo o que outros países estão fazendo. 

O cenário é muito preocupante, no RS é muito grave, em Porto Alegre mais ainda, porque a cidade está combinando a nova variante com a introdução de um fator que não existia ainda, que é o negacionismo liderando as decisões políticas. Por mais que eu tivesse críticas à abordagem porto-alegrense no enfrentamento da pandemia no ano passado, não podia se dizer que era uma abordagem negacionista. Não era, agora é, agora Porto Alegre entrou na lista de cidades que têm adotado narrativas negacionistas, sobre o tratamento precoce, lockdown, sobre as pessoas doarem a vida em troca da economia. Aliás, algumas das declarações mais constrangedoras que vimos nessa pandemia foram nesses poucos meses de gestão do atual prefeito de Porto Alegre. 

O cenário no RS é preocupante e parece que nossa capital, ao invés de honrar o status de capital, nesse momento caminha para um rumo preocupante em direção ao precipício. 

BdFRS - A tua pesquisa dizia mais ou menos o seguinte: para cada pessoa contaminada identificada tem mais tantos. Estamos falando hoje de milhões de infectados, isso significa o que? Quantos milhões de fato de pessoas já contaminadas? Nós chegaremos a aquilo que denominam de imunidade de rebanho? 

Pedro - Com base na estimativa do Epicovid no cenário nacional, e essa estimativa é do meio do ano passado, então não temos certeza se está atualizada, tínhamos no Brasil inteiro seis vezes mais casos do que aparecia na estatística oficial. Então hoje estaríamos falando ao redor de 70 milhões de pessoas contaminadas, que é um um terço da população brasileira. Eu acho que isso diminuiu um pouco, mas acho que vamos ter que saber quando fizermos novas fases do Epicovid nacional. 

Aqui no RS esse fator de multiplicação é menor, esse fator é 2, ou 2 vírgula pouco. Aqui no RS, se pegarmos o número de casos e multiplicar por 2 ou 2,2, vamos ter uma estimativa correta do número de gaúchos que já teve exposição ao vírus. 

Na pesquisa gaúcha sabemos que 10% da população gaúcha, em fevereiro, já tinha tido contato com esse vírus. Isso deve ter aumentado de fevereiro até hoje. Talvez estejamos em 15%. O problema é que a tal imunização do rebanho chega com 70%. Se o RS vai esperar a imunização coletiva, vamos a não sei quantos mortos. 

Obviamente a imunização coletiva só vai ser atingida com vacina, que é o desejado, o correto. Então eu acho que nem no Brasil, nem no RS nós teremos imunização coletiva decorrente da infecção natural, teremos imunização coletiva decorrente da vacina. 

O Brasil ontem conseguiu fazer 780 mil doses da vacina, ainda está abaixo da meta de 1 milhão e meio por dia, mas melhorou, porque a média de vacinação nestes 70 dias era de 288 mil por dia, muito pouco. Ontem conseguimos a chegar a quase 800 mil, a situação tem dado uma ‘melhoradinha’. 

A imunidade por infecção natural era uma ideia negacionista que infelizmente foi disseminada por alguns ditos profissionais de saúde. 

Tem uma tragédia que vai ter impactos grosseiros para a saúde mental, para o bem-estar das famílias. E o que mais incomoda é que boa parte dessas mortes não precisavam estar acontecendo. 

BdFRS - Nós publicamos, na semana passada, uma matéria com psicólogas. Na verdade não é só a questão da morte, mas as sequelas que ficam dessa doença, e toda questão emocional, psicológica, vivenciada por famílias que estão perdendo pessoas em um curto espaço de tempo e o que isso vai provocar no emocional desta pessoa. 

Pedro - Essa questão das tragédias familiares é uma pauta que tem que ser trabalhada com seriedade. Eu tenho vários amigos, agora há pouco um casal de amigos meus, os dois faleceram no intervalo de 10 dias, os dois de covid-19. Imagina o impacto disso em uma família, em uma criança pequena, que perdeu os dois pais em uma semana, e não foi em um acidente... 

Temos visto situações como essa, tem situações graves, até porque o drama aumenta um pouco no caso da covid além do que seria normal, porque em alguns casos, tem o sentimento de culpa envolvido. Muitas vezes até os jovens levam a doença para casa e os pais ou pessoas mais velhas acabam falecendo. Tem uma tragédia que vai ter impactos grosseiros para a saúde mental, para o bem-estar das famílias. E o que mais incomoda é que boa parte dessas mortes não precisavam estar acontecendo. 

É óbvio que a pandemia chegaria ao Brasil como chegou a outros lugares, é óbvio que o Brasil com a dimensão que tem, com a população que tem, teria uma quantidade grande de mortes. Mas eu não estou querendo que o Brasil, embora tivesse potencial, tivesse uma resposta tão competente como a Nova Zelânida, Austrália, Coreia do Sul, da própria China, de vários lugares. Se o Brasil tivesse uma resposta na média mundial, o Brasil teria poupado 220 ou 230 mil vidas. 

Essa parte incomoda, cada vez que vem esse assunto. Teve uma coluna brilhante na semana passada, que era o pesadelo do epidemiologista. O pessoal fez uma analogia como aquele sonho que todo mundo já teve alguma vez na vida, que tu não consegue correr, que está paralisado, e é um pouco a sensação do epidemiologista nesse momento. Estamos dizendo coisas que são óbvias para nós, porque estudamos isso a vida inteira e, infelizmente, ficamos vendo que está sendo incapaz que as medidas sejam implementadas aqui. Tem uma sensação de impotência que incomoda muito a nós. 

Dizer que tem gente fabricando mortes por covid é de uma maldade, falta de noção da realidade, sinceramente tratamento psiquiátrico é a solução, é grave, é um nível de alucinação que a pessoa está para dizer uma coisa dessas que é preciso de internação imediata.  

BdFRS - Os teus pesquisadores conseguiram identificaram o que passa pela cabeça da sociedade brasileira? 

Pedro - Fizemos algumas perguntas tentando avaliar um pouco essa questão do negacionismo. O que não fizemos e nos arrependemos de não ter feito, foi um bloco de perguntas mais estruturadas sobre saúde mental. E agora nós temos novas fases da pesquisa, e podemos, talvez, incorporar esses novos blocos sobre saúde mental. Porque o impacto é gigante, porque as pessoas, quando nossos entrevistadores iam nas casas, e tem muitas histórias dessas narradas, teve gente que chorava, yeve a rua inteira aplaudindo quando os entrevistadores saíram. Tem um pouco da sensação de a população estar sensível ao momento e agradecida ao fato de que tinha alguém fazendo pesquisa e tentando ajudar a enfrentar no momento. 

BdFRS - Há médicos dizendo que é mentira que não foram mortos 300 mil por covid, tivemos o caso de Camaquã. O que a academia formou, ex-reitor?

Pedro - Não podemos esquecer que um pedaço grande da classe médica no passado recente era contra o Mais Médicos, que era um programa que atendia a cidades nas quais eles mesmos não queriam atender. 

Na verdade eu tinha visto o Olavo de Carvalho dizer isso, que se precisasse mostrar o CPF não tinha nem perto de 300 mil mortes. Mas já que eu não gosto de perder tempo com quem não merece, essas afirmações mostram desrespeito com a vida humana, com as famílias que perderam essas pessoas, e mostram um nível de negacionismo igual aos que dizem que a terra é plana. Tem uma narrativa desesperada das pessoas que se apegaram ao erro. O que me impressiona é as pessoas terem um compromisso tão grande com o erro que elas continuam dizendo essas bobagens. 

Realmente não foram 300 mil mortes, tem vários estudos mostrando que foram um pouco mais do que isso porque tem um pouco de subnotificação de mortes, talvez 20%. Então se são 310 mil hoje, bota mais 20%, o que vai dar 360, 370 mil. Agora, dizer que tem gente fabricando mortes por covid é de uma maldade, falta de noção da realidade, sinceramente tratamento psiquiátrico é a solução, é grave, é um nível de alucinação que a pessoa está para dizer uma coisa dessas que é preciso de internação imediata.  

O caso de Camaquã eu só acompanhei pela mídia, pela loucura que está os últimos dias eu não consegui entender o que aconteceu. A informação que eu tive foi de que teria usado nebulização com cloroquina, em um ambiente que a simples nebulização não é recomendada porque ela espalha o vírus. Eu vi esse caso e achei de um nível de tosquice que acabei não me aprofundando o suficiente. 

Eu despendi um tempo no domingo escrevendo a minha coluna na Folha de São Paulo, tentando escrever uma carta ao novo ministro com sete passos que deveriam ser seguidos, tentando dar uma perspectiva. Espero que de uma forma ou de outra essa carta tenha algum impacto porque a situação está muito grave, é muito negacionismo e precisamos estacionar isso, frear essa loucura para que a situação não se torne mais trágica.

BdFRS - E essa dualidade política que se tem no país, que também está na pandemia, nessa defesa do tratamento precoce? Já cheguei a ver em alguns grupos que participo que essas mortes que estão acontecendo porque a esquerda é contra o tratamento precoce.

Pedro - Quem fala contra o tratamento precoce são as sociedades médicas, e sociedades científicas. Não é meu papel fazer julgamento sobre medicamento, quem faz julgamento sobre medicamentos são os entendidos do assunto. As pessoas ao invés de culpar a esquerda tem que culpar as sociedades médicas. 

Sobre a questão da polarização do país, acho que tem um cenário novo que está acontecendo, e que não podemos deixar despercebido. Desde que houve a redemocratização e o voto no Brasil, mesmo que a gente pegue a primeira eleição, que foi aquela que o Collor venceu, a verdade é que da primeira até a última, com a exceção da última, sempre houve uma mesma polarização no país. É uma polarização de um grupo mais afeito a pautas liberais, de menor papel do Estado, de maior independência do capital, que foi representado pelo Collor, pelo Fernando Henrique, Aécio, Serra, esse grupo sempre esteve de um lado do polo político. E de outro lado do polo político, um grupo mais à esquerda, com ideias de um estado mais forte, de não privatizações. 

Essa polarização só foi interrompida na última eleição. E o que eu vejo agora é um movimento de retomada dessa polarização, o que é maravilhoso para o país. Eu vejo uma polarização começando a se estabelecer entre o mesmo grupo político da esquerda, que tem a grande figura do Lula, mas tem também Manuela, Boulos, Haddad, Flávio Dino, Ciro Gomes. E do outro lado, um bloco que tem a figura do Fernando Henrique, e que tem Dória, Eduardo Leite, Rodrigo Maia, Luciano Huck. E essa polarização me parece saudável para o país. 

E o que está acontecendo, na minha visão, fazendo uma leitura política, é que tem um grupo que está voltando ao seu lugar de anonimato. A polarização nunca incluiu a extrema-extrema-direita. A extrema-extrema-direita sempre votou em um dos candidatos dessa polarização, mas nunca teve protagonismo, exceto na última eleição. 

Eu vejo esses movimentos dos últimos dias, esse desespero que bateu no Palácio do Planalto, isso é acusar o golpe. É acusar que a polarização já está se consolidando entre esses dois blocos e isso está deixando o Palácio do Planalto em desespero, eles estão começando a atacar porque precisam voltar para mídia. 

Na verdade, hoje, politicamente eles não são mais, não fazem parte da mídia, eles só estão na mídia pela vexatória atuação durante a pandemia e pelos casos de corrupção que aparecem todo dia, mas no cenário político não tem espaço para esse grupo mais. E esse desespero tem feito com que eles cometam alguns ataques que significam que realmente a polarização está bem estabelecida de novo, essa polarização de um grupo mais liberal, a favor de privatização, menor papel do Estado, maior papel do mercado, e um grupo que pensa o contrário disso. E não há espaço nessa polarização para esse radicalismo ridículo representado hoje pelo Palácio do Planalto. 

A covid-19 nos mostrou o quanto investir na saúde é mais importante do que investir na doença. 

Respostas às manifestações durante a live

“Cara não sabe nada e chega de corrupção”

Pedro - Tens todo direito de discordar das minhas opiniões científicas e a tua crítica é bem vinda. Agora se tu estás realmente preocupado com a corrupção aí eu acho importante tu comentar sobre a divisão de salários que tem sido observada, corrupção na veia, tradicional corrupção de contratar assessores e os assessores devolverem parte do salário para aqueles que os contratam. Isso está bastante nítido, com muito mais provas do que alguns casos de corrupção do passado, e certamente se tu és adepto da postura que não tem bandido de estimação, então tu agora deve estar indignado com as notícias de corrupção na veia, dentro da família que hoje governa o Brasil.

Tua pesquisa aponta o perfil socioeconômico majoritário das pessoas que perderam a vida?

Pedro - Temos sim. O Epicovid mostrou grande diferença socioeconômica na infecção por covid-19. Então o risco de infecção por covid entre os mais pobres é dobrado em comparação com os mais ricos. Os 20% mais pobres têm o dobro de risco de ter covid do que os 20% mais ricos. A estatística de mortalidade aumenta ainda essas diferenças porque além de mais risco de infecção, os mais pobres têm menos acesso a tratamento, então a diferença é maior. 

E ainda tem a diferença por raça, cor da pele. O nosso estudo mostrou, por exemplo, os indígenas com cinco vezes maior chance de infecção do que os brancos. E as pessoas negras, tanto pretas como pardas, com risco dobrado em comparação com os brancos. 

A necessidade de pressão por lockdown em Porto Alegre 

Pedro - Em maio do ano passado eu fiz a primeira defesa do lockdown. Agora tenho feito de novo. E eu quero deixar muito nítido que o lockdown que eu falo não é isso que estamos fazendo. Lockdown é lockdown de verdade com as portas fechadas, todo mundo em casa. E deixando muito nítido que essa estratégia de abre e fecha está destruindo a saúde e a economia brasileira. O lockdown é necessário, o lockdown de três semanas é absolutamente prioritário neste momento do país. 

Nova variante - sequelas 

Pedro - Tem evidências de que a nova variante tem circulando bastante aqui no estado. O que já sabemos dela: primeiro que ela é bem mais transmissível do que o original e que ela parece, embora a evidência não seja 100% definitiva, mas ela parece ser mais agressiva do que o vírus original. Realmente a nova variante vem para atrapalhar muito o cenário aqui no estado. 

As sequelas, isso é uma coisa que estamos estudando mais. Tem muita gente relatando sequelas cognitivas importantes, dificuldade de memória por um tempo, perda de concentração... tem uma série de sequelas. Acho que nos próximos meses vai surgir muita coisa ainda sobre sequelas da covid-19. 

Máscaras de pano para a nova variante

Pedro - Não é que as máscaras de pano não servem para a nova variante. A verdade é que a nova variante é mais transmissível e, sendo mais transmissível, é recomendado usar máscaras melhores ou até duas máscaras. Usar só uma máscara de pano não vai resolver? Na maioria dos casos até vai, mas tendo disponibilidade é melhor usar uma máscara melhor, ou então usar duas máscaras. 

O culpado do comércio estar fechado nesse momento é o presidente que não comprou 70 milhões de dose da vacina. Se meu time vai jogar um campeonato e perde de 5X0 como o Brasil está perdendo para o coronavírus, ninguém diz que a culpa é do treinador de goleiros, a culpa é do treinador. 

Falta de recursos no combate à pandemia

Pedro - O cenário dos medicamentos é grave, e não é só oxigênio, tem um monte de coisa, medicamento para intubação, anestésico, e está faltando porque tem uma premissa básica que não está sendo cumprida. Aquele mesmo grupo que diz que tem que aumentar leito, comprar respirador, esquece que o principal item para o funcionamento de um leito, que é o profissional de saúde, é finito. Não se vence pandemia comprando mais remédio ou abrindo mais leito. Se vence pandemia interrompendo a circulação do vírus. Essa estratégia de ficar eternamente tentando gerar suprimento não vai adiantar, se não interromper a circulação do vírus, o crescimento é exponencial e vai faltar. 

Linhas de pesquisas sobre as sequelas da covid 

Pedro - Tem muito estudos sobre impacto de covid em saúde mental. Vou citar três campos de pesquisa. Tem essa pesquisa que eu citei sobre processo cognitivo, as pessoas terem perda de memória, relatar dificuldade de lembrar das coisas, como se fosse um Alzheimer transitório leve. Tem outra linha sobre dificuldade de atenção, concentração, e está até eu sinto um pouco, eu diminui minha capacidade de concentração depois da covid. E a terceira linha são os transtornos de ansiedade e depressão, inclusive com influência sobre o sono.

Simbologias e novo ministro 

Pedro - Essas simbologias são tristes quando a gente olha. A gente tenta tirar lições disso, mas acho que uma frase que algumas pessoas diziam lá no começo, agora acho que a gente já sabe que não vai se concretizar. Tem gente que dizia que a gente vai sair melhor dessa pandemia, e acho que não, vamos sair pior.

Sobre a questão do novo ministro da saúde, eu tenho tentado criar uma linha de comunicação, um discurso até mais otimista para tentar que o ministro adote algumas medidas baseada em ciência, como o próprio Mandetta (Luiz Henrique Mandetta) adotou lá trás, mesmo com críticas. Ainda é pouco tempo para fazer uma avaliação. Ontem, ao mesmo tempo teve que teve essas declarações constrangedoras, teve algumas ações positivas do ministro, a tentativa de insistir com a base de 50 milhões de doses logo. Teve sinais positivos, o ministro falou da máscara de uma forma muito enfática. Tá bem que ganhar do Pazuello qualquer um ganha, mas acho que esse vai ser bem melhor do que o Pazuello.

Dia mundial da Saúde 

Pedro - O Dia Mundial da Saúde foi criado mais ou menos como uma resposta a toda abordagem que é mais centrada na doença do que saúde. Então não é à toa que o Dia Mundial da Saúde, por exemplo, o pessoal da minha área, da atividade física, comemora com muita ênfase, porque é um dia mundial de promover saúde e não de tratar doença.

Acho que nesse momento é super simbólico o Dia Mundial da Saúde, porque na pandemia do coronavírus, os lugares que trataram o coronavírus com um enfoque de saúde tiveram um resultado muito melhor do que os que trataram o coronavírus com enfoque de doença. Porque o enfoque de doença é criar leito, comprar respirador, manter tudo aberto, e o enfoque de saúde é prevenção, testagem em larga escala, rastreamento de contato, evitar a circulação do vírus. 

Esse paradigma de doença versus saúde fica muito nítido nesse momento. Se eu pudesse propor uma discussão importante para o Dia Mundial da Saúde, tirando os negacionistas, um bom tema seria esse paradigma, investir na doença ou investir na saúde. Acho que a covid-19 nos mostrou o quanto investir na saúde é mais importante do que investir na doença. 

Assista à live na íntegra


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Edição: Marcelo Ferreira