Rio Grande do Sul

Resistência

Mulheres se unem em ato contra o feminicídio e gritam: “Nem pense em me matar"

Levante Feminista Contra o Feminicídio lançou oficialmente a campanha que afirma: Quem mata uma mulher mata a humanidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Lançamento da campanha aconteceu nesta quinta-feira (25) - Reprodução

De acordo com a  Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil aparece no quinto lugar em uma lista de países com maior número de feminicídios, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e da Rússia. Uma situação agravada durante a pandemia. Mesmo sendo previsto no Código Penal desde 2015, o assassinato de mulheres apenas por serem mulheres cresce diariamente no Brasil. Só no primeiro semestre de 2020 foram 648 vítimas em todo país.

Para dar visibilidade a esse problema social, o Levante Feminista Contra o Feminicídio lançou, na manhã desta quinta-feira (25), a campanha "Nem Pense em Me Matar – Quem mata uma mulher mata a humanidade!”. Em Porto Alegre, para marcar o lançamento da campanha, foram feitas pinturas de muros com slogans da ação.

"Vivemos, sobretudo, a pandemia da violência, do feminicídio íntimo e político. É a luta feminista e antirracista que colocará fim a esse governo de morte, que não previne a violência e não protege as mulheres. Sem proteção à vida das mulheres não há direitos humanos", ressaltou a socióloga Vilma Reis, referência dos movimentos negros no país, integrante da Coletiva Mahin e Coalizão Negra Por Direitos, na abertura da live de lançamento da campanha.

Com duas horas e meia, a live foi acompanhada por mais de 12 mil pessoas no perfil oficial do Facebook do Levante e outras milhares em cerca de 70 canais pelo Brasil, que transmitiram o evento nas redes sociais. O lançamento reuniu militantes do movimento feminista, parlamentares brasileiras e  representantes de outros países da América Latina como Argentina e Colômbia. 

Com centenas de coletivos, organizações e movimentos em 23 estados, a organização tem um funcionamento fluido e horizontal. O Levante pretende estender a campanha por dois anos, com monitoramento de casos, pressão e sensibilização da sociedade para, assim, brecar a violência contra as mulheres. Segundo a organização, haverá ações pontuais e localizadas, que serão desenvolvidas com base na realidade específica do feminicídio nas cidades e regiões. 

Conforme afirmou a escritora e filósofa, Márcia Tiburi, a campanha foi construída "com muito amor e necessidade profunda de defendermos umas às outras, neste cenário de fascismo que é uma estrutura machista e racista". 

Manifesto

Durante o evento foi realizada a leitura do Manifesto que norteia a campanha, que foi transformado em vídeo, intitulado “Chega de Feminicídio”, gravado por militantes das cinco regiões do país. Construído de forma coletiva, o documento destaca que a cultura do ódio às mulheres, a prática do feminicídio criada pelo patriarcado nunca esteve tão ostensiva e extremista.

“A escalada de ameaças, humilhações e ataques que culminam no feminicídio íntimo, aquele que acontece dentro de casa, se repete no feminicídio político, que aniquila as mulheres, líderes de esquerda e defensoras de direitos humanos, bem como mulheres indígenas, negras e trans que são alvo preferencial da atual necropolítica de aniquilação”, afirma o texto, que tem como objetivo ser um grito de advertência ao Legislativo, Executivo e Judiciário, para que sejam tomadas medidas que interrompam o assassinato de mulheres no país.  

Ainda durante a live foi apresentado o samba inédito "Corpo Meu", composto por Cris Pereira, interpretado por Fabiana Cozza e por feministas. Confira a letra:

“Houve um dia, que eu até sentia medo
Que você chegasse cedo
Pro meu corpo machucar.
Mas eu virei o tabuleiro 
Este jogo, companheiro, 
Eu não vou mais aceitar.
Nem Pense Em Me Matar”

Para assinar a campanha, que já tem mais de 35 mil assinaturas basta acessar aqui.

Trechos de algumas participantes no lançamento

“Na próxima eleição, Taliria Petrone vai poder sair para votar. Marcia Tiburi, Débora Diniz e Jean Wyllys estarão aqui para votar. Nós abraçamos vocês, sabemos que o exílio é duro. Esse Levante Feminista é para todas que tiveram que sair do Brasil, é para Marielle, que esparramou esperança pelo mundo", afirmou a socióloga e membro da Coalizão Negra Por Direitos Vilma Reis.  

“As mulheres religiosas, do campo, da favela, estão praticando a desobediência. Nós queremos afirmar nesse feminismo, que somos intolerantes à política genocida instaurada no país. Inauguramos um novo tempo, dizendo a todas as nossas irmãs, feministas ou não, que, para acabar com o genocídio e com essa política de morte no Brasil, é preciso deixar a vaidade de lado e caminhar juntas”, disse Tânia Palma, assistente social e membro do GFem, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Deborah Duprat, ex-subprocuradora-geral da República, ex-procuradora Federal dos Direitos do Cidadão afirmou que "é preciso enfrentar essa chaga, o patriarcado, o projeto colonial" e pontuou: "Juntas venceremos".

Célia Xakriabá, educadora, ativista referência do povo Xakriabá questionou: "O que é a formação da sociedade brasileira sem o estupro das mulheres negras e indígenas? Os homens brancos, colonizadores, mataram as nossas ancestrais."

Maria do Rosário, deputada federal (PT/RS) ressaltou que as políticas públicas estão sendo destruídas. "É preciso preservar as leis que temos – a Lei Maria da Penha, a do Feminicídio. Não alterar, mas fazer cumprir. É um chamado ao Brasil inteiro para uma grande unidade contra o Feminicídio.” 

“Vamos nos juntar, e entre todas cuidar de nossas vidas contra o racismo, machismo e patriarcado que negam nossas vidas”, disse Sofia Garzon Valencia, da Organização PCN, da Colômbia.

Veronica Gago, da organização Ni Una Menos, da Argentina, reafirmou a necessidade da união: “Estamos juntas para difundir, apoiar e fazer parte da campanha. É fundamental denunciar o aumento dos feminicídios no Brasil, e o aumento das violências racistas, machistas, classistas e em geral.”

Télia Negrão, integrante da Rede de Saúde das Mulheres Latino Americanas e do Caribe, cobrou que o feminicídio seja um tema tratado numa perspectiva de Estado. "É preciso que o Estado brasileiro adote decisão de enfrentamento ao feminicídio no nosso país, que as leis sejam cumpridas e as políticas públicas sejam implementas.”

Mônica Benício, viúva de Marielle Franco e vereadora do PSOL/RJ, ressaltou que "é inconcebível que só agora, em 2021, a tese de legítima defesa da honra, que visa desqualificar a vítima do crime de feminicídio, tenha sido declarada inconstitucional. É inadmissível continuarmos sendo mortas por sermos mulheres".

Jandira Feghali, médica e deputada federal do PCdoB/RJ entende que participar do Levante Feminista é uma necessidade. "Temos lutado contra o inimigo invisível e os visíveis que são os agressores que têm tirado a vida das mulheres. Violência que tem chocado o planeta, mas que no último ano tem aumentado no país."

Luciana Boiteux, advogada, professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ fez um apelo para que não a campanha não foque na lógica punitivista. "O canto da sereia punitivista, muitas vezes, nos sensibiliza, como se fosse capaz de prevenir ocorrência de delitos. Não! São políticas públicas que previnem delitos. 'Nem pense em me matar' diz muito sobre o contexto em que estamos vivendo, vemos o ataque às mulheres como política de Estado do governo de Jair Bolsonaro."

Assista à live completa 

Em Porto Alegre, campanha pinta muros


Ação pintou muros para marcar lançamento de campanha contra feminicídios / Divulgação Themis

Na capital gaúcha, para marcar o lançamento da campanha contra o feminicídio #NemPenseEmMeMatar, a Themis e as Promotoras Legais Populares (PLPs) realizaram, nesta quinta-feira (25), uma ação de pintura de três muros, com slogans da ação. 

Os muros foram pintados na Restinga, na Vila Cruzeiro e no Jardim Carvalho, por artistas das próprias comunidades, exaltando a imagem dos girassóis amarelos, símbolo do Levante, que figura como sinal de esperança e celebração da vida. No Jardim Carvalho, a Agência Compromisso e o Coletivo A Vez das Comunidades também participaram da ação.

Segundo a Themis, novas iniciativas serão organizadas pela Themis a cada dia 25 dos próximos meses, como parte da campanha.


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Edição: Marcelo Ferreira