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Parabéns, Bolsonaro!

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E você? 300 mil cadáveres. Nem Videla, nem Lanusse, nem Galtieri chegaram perto disso. Pobres ditadores hermanos. O Brasil não só derrotou, mas goleou a Argentina - Carolina Antunes / Fotos Públicas
E como o país mudaria? “Matando 30 mil, e começando por FHC”, você receitou. Lembra-se bem, não?

Parabéns, Bolsonaro! Você conseguiu. Poucos acreditavam no seu triunfo, mas você demonstrou o quanto aqueles incrédulos estavam errados. Na realidade, cá entre nós, foi além de suas próprias e mais otimistas expectativas e do que julgavam seus admiradores mais irredutíveis.

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Você desmoralizou seus críticos. Ainda era relativamente jovem lá naquele dia de 1999 quando explicou, diante das câmeras de TV, sua proposta para mudar o Brasil. Talvez fosse um tanto inseguro, pois acabou moderando excessivamente seu objetivo.

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“Você só vai mudar (o Brasil), infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, fazendo um trabalho que o regime militar não fez”, disse naquela entrevista esclarecedora sobre seus desígnios facilmente encontrável no Youtube, assim como outros excertos do seu pensamento imortal. E como o país mudaria? “Matando 30 mil, e começando por FHC”, você receitou. Lembra-se bem, não?

Porém, reconheça, por favor, que havia muita insegurança nesse corpo aí. Sua plataforma de governo projetava míseros 30 mil óbitos, meta muitíssimo abaixo de seus reais predicados de gestor. E ainda ficou preocupado com o Fernando Henrique Cardoso que, afinal das contas, sem querer querendo, ajudou-o a chegar onde chegou e está aí, vivinho da silva.

O que importa, no fundo, é que você humilhou todos aqueles que o humilharam na caserna. Aqueles mesmos que tolheram seu desejo de explodir bombas nos quartéis. E que – fica entre a gente aqui – o enxotaram com o rabo entre as pernas. Você nunca esqueceu aquela vergonha. Mas o tempo é o senhor da razão e sua hora certamente chegaria.

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Foram necessários cinco generais para matar algumas centenas de opositores. Certo, eles tiveram o prazer de – por mãos delegadas – prender, estuprar e torturar milhares e de perseguir milhões, delícias de que foi privado. Você era muito jovem em 1964. Mas eles eram cinco e demoraram 21 anos para concluir sua obra. Tanto que até a Folha de São Paulo os escrachou dizendo que tudo não passara de uma ´ditabranda´.

E você? 300 mil cadáveres. Nem Videla, nem Lanusse, nem Galtieri chegaram perto disso. Pobres ditadores hermanos. O Brasil não só derrotou, mas goleou a Argentina, o que é sempre motivo de júbilo para o nosso povo tão sofrido que pode hoje, graças a você, envergar a camiseta canarinho e sair para a rua com suas vuvuzelas para festejar.

Espezinhou ainda o paraguaio Stroessner e o chileno Pinochet, antigo empregador do seu ministro Guedes. Deixe de lado a modéstia: não tem pra ninguém no continente.

Seu trabalho tem sido estupendo. É admirável como batalhou para desacreditar a vacina, criticando-a e negando-se a comprá-la. Agora, após aquele recuo estratégico, é espetacular a lerdeza que consegue imprimir à vacinação. Por falar nisso, e o general Pazuello, hein? Que lance de gênio nomeá-lo ministro da saúde! E as confusões armadas com os governadores, os prefeitos, os cientistas, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)? Que maravilha!

Também formidável sua afeição ao coronavírus, encorajando sua circulação e evolução, o que o acaba dotando de novos e mais letais recursos para infectar e matar. Graças a essa aliança implícita, o Brasil é hoje admirado no planeta como o epicentro mundial da pandemia e o mais fecundo berçário de novas e mais famintas variantes desse assassino invisível.

Não se empolgue com os elogios, nem com as louvações dos interesseiros que querem desviá-lo do seu caminho. Nunca esqueça que sempre existem os traidores, aqueles que conspiram contra a grandeza da Pátria, sugerindo o uso de máscaras, o distanciamento social, condenando as aglomerações e o pior de tudo, bradando pelo maldito lockdown.

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Mire-se no exemplo daquele antigo cabo austríaco – que, como você, ele veio da soldadesca. Ele trabalhou duro antes de se consagrar e colher mais de 50 milhões de cadáveres. Diante dele, sua façanha torna-se mirrada. É verdade. Mas não se envergonhe. Em dois anos de governo você ajudou a promover centenas de milhares de funerais. Lembre-se que aquele impressionante personagem da Segunda Grande Guerra obteve seus números em 12 longos anos de poder.

Não esmoreça. Continue com a cloroquina, a ivermectina, a azitromicina, o alho, o ozônio retal, os feijões mágicos. Não deixe que o sucesso lhe suba à cabeça.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
 

Edição: Rebeca Cavalcante