Rio Grande do Sul

Decisão precipitada

Após queda de braço no final semana, volta a cogestão no Rio Grande do Sul

Especialistas criticam flexibilização do governo estadual no pior momento desde o início da pandemia

Brasil de Fato | Porto Alegre |
No decreto publicado neste domingo (21), cidades em bandeira preta poderão adotar regras de bandeira vermelha - Silvio Avila/HCPA

Nesta segunda-feira (22), após três semanas de restrições, as cidades gaúchas podem voltar a exercer a cogestão no modelo de distanciamento controlado. Na prática, municípios em bandeira preta podem adotar medidas como se estivessem em bandeira vermelha, como é o caso de Porto Alegre, trazendo uma maior flexibilização nas medidas de enfrentamento da pandemia.

Entre os argumentos para tal liberação, o governo do estado aponta a queda do ritmo de infecções. Contudo a realidade se mostra diferente, com a continuidade do colapso do sistema de saúde, que pode ser vista em hospitais, pronto atendimentos e unidades básicas de saúde lotados. 

O novo decreto estadual foi publicado neste domingo (21), após o desembargador Marco Aurélio Heinz, plantonista jurisdicional do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), derrubar a liminar concedida a entidades sindicais na noite de sexta-feira (19), pelo Juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre. A liminar suspendia o retorno da cogestão com os municípios no sistema de distanciamento controlado e as flexibilizações anunciadas pelo governador Eduardo Leite (PSDB). 

Ainda durante a semana passada, o governo do estado se viu sob forte pressão quando manifestantes vestidos de verde e amarelo saíram pelas ruas em carreatas e protestaram em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual, em Porto Alegre, exigindo a retomada das atividades. Até mesmo um pedido de impeachment foi protocolado na Assembleia Legislativa contra o governador.

Em sua decisão, o desembargador Heinz argumentou ser indiscutível a competência dos estados para a implementação de medidas de contenção à disseminação do vírus, entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, assim como “não é possível obrigar o Sr. Governador a não flexibilizar o sistema de Distanciamento Controlado, muito menos compelir o Chefe do Executivo a aumentar as restrições do regime de Bandeira Preta como quer a respeitável decisão liminar".

Com o novo decreto, o governo do estado, além de permitir aos prefeitos adaptarem protocolos à realidade de cada município, prorroga a suspensão de atividades não essenciais entre 20h e 5h nos dias úteis e durante os finais de semana e feriados. As novas medidas já estão valendo e seguem até às 23h59 do dia 4 de abril.

“A volta da cogestão é um tremendo retrocesso”

O RS completa três semanas seguidas com o sistema de saúde em colapso, com ocupações dos leitos de unidade de tratamento intensivo superando a sua capacidade máxima. Nesta segunda, por exemplo, o estado registra ocupação de 107,2%, sendo de 3.496 pacientes em 3.261 leitos de UTI. Dos internados, 2.577 têm covid-19 confirmada. Só na capital gaúcha, a ocupação está em 113,54%, com nove hospitais operando com superlotação. Além disso, Porto Alegre tem 844 pacientes internados em UTI com covid-19. O RS é o quarto estado em número de infecções e mortes no país, com 791.219 casos e 16.869 mortes por covid-19 confirmadas até domingo.

Lockdown Lockdown poderia salvar 900 vidas em Porto Alegre - Flávio Dutra/JU

Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato RS na última sexta-feira (19), a flexibilização neste momento é perigosa e inoportuna. O alerta também foi feito pelo médico e professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavaski, que destaca que "enquanto o vírus circular a economia não vai crescer".

Assim como os especialistas ouvidos, o professor adjunto no Departamento de Matemática Pura e Aplicada da UFRGS, Álvaro Krüger Ramos, considera a cogestão, neste momento, como um "tremendo retrocesso", tendo em vista que o sistema hospitalar gaúcho continua sem capacidade de proporcionar o atendimento adequado aos seus pacientes, em especial a situação da capital gaúcha.

“O cenário atual da covid-19 em Porto Alegre é de caos. Nos últimos sete dias registramos 10% de todos os óbitos da pandemia na cidade. Isso é resultado do grande avanço que a doença apresentou nas últimas semanas, agravado pela falta de atendimento adequado aos pacientes mais graves, devido ao colapso no sistema de saúde. Estamos em um período extremo da pandemia, que exige medidas drásticas”, aponta. 

Segundo o professor, baseado no sucesso de países que conseguiram arrefecer o crescimento da covid-19 em momentos críticos, só uma saída se mostrou eficiente: o lockdown. Contudo Álvaro salienta que não basta apenas o fechamento do comércio, e sim uma medida mais drástica que é o estado estabelecer a obrigatoriedade do isolamento domiciliar, a não ser para o desenvolvimento de atividade essencial.

“Temos que pontuar que um lockdown curto não terá eficácia. É necessário reduzir drasticamente a transmissão viral por um período de tamanho igual ou superior ao ciclo de incubação do vírus, que é por volta de 14 dias. Assim, quando as atividades forem retomadas ao final deste período, haverá uma quantidade significativamente menor de pessoas em estágio infeccioso da doença, ou seja, transmitindo a covid-19. É como se fosse possível voltar no tempo da pandemia, porém mais próximos da vacina e de tecnologias/infraestrutura que nos permitam combater o vírus com melhores condições”, expõe. 

Na semana passada, o professor apresentou, indiretamente, uma proposta à prefeitura de Porto Alegre. Segundoele, mais de 45 mil novas contaminações podem ser evitadas até final de julho se a cidade fizer lockdown por um período de 14 dias. “Supondo uma taxa de letalidade de apenas 2% (quando hoje a taxa média de Porto Alegre é de 2,4% e a da última semana tenha chegado a 5%), isso significa pelo menos 900 vidas salvas”, pontua. 

Lockdown com garantia de renda

Assim como apontado pelos especialistas ouvidos na semana passada, Álvaro frisa que a viabilização de um período de lockdown deve ser também garantida pelo Estado. Tanto através de linhas de crédito e isenções fiscais para o empresário que tiver suas atividades paralisadas, quanto através de um auxílio emergencial que seja suficiente para o trabalhador autônomo se manter pelo período que estiver impossibilitado de trabalhar. 

“Até hoje, todas as medidas de restrição foram brandas, intermediárias, e, sem a confluência de discurso entre as esferas dos gestores municipais, estaduais e federais, não tiveram o apoio popular necessário para que implicassem em isolamento voluntário. Fica então claro que está na hora de endurecer essas medidas”, reforça. 

Por fim pondera que houveram erros e acertos nas decisões tomadas até então. Contudo sublinha que os erros foram acumulando nos últimos meses e, em conjunto com a nova mutação que aparentemente vem se tornando predominante no estado, a situação ficou insustentável. “Se faz necessário mais do que nunca que os gestores voltem atrás nos seus erros e tentem, pela primeira vez, combater a transmissão viral de uma maneira mais enfática. Errar é humano, reconhecer o erro é virtude”, finaliza.

Principais mudanças no Distanciamento Controlado

Suspensão de atividades

Supermercados
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes, com restrições, das 5h às 22h. Das 22h às 5h, apenas delivery.
• Sábado, domingo e feriado: pode receber clientes, com restrições, das 5h às 22h. Das 22h às 5h, apenas delivery.

Farmácias
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes presencialmente sem restrições de horário, desde que com restrições de distanciamento.
• Sábado, domingo e feriado: pode receber clientes presencialmente sem restrições de horário, desde que com restrições de distanciamento.

Comércio e serviços essenciais*
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes, com restrições de distanciamento.
• Sábado, domingo e feriado: pode funcionar, com restrições de distanciamento.
*Os atuais decretos 55.764 e 55.789 especificam quais são os estabelecimentos e serviços essenciais.

Comércio não essencial
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes presencialmente, com restrições, das 5h às 20h. • Das 20h às 5h, somente delivery.
• Sábado, domingo e feriado: fechado, somente delivery.

Restaurantes, bares, lanchonetes etc.
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes presencialmente, com restrições, das 5h às 18h. • Das 18h às 20h, somente pague e leve e delivery. Das 20h às 5h, somente delivery
• Sábado, domingo e feriado: ficam fechados para clientes presenciais.

Serviços de higiene
• De segunda a sexta-feira: pode receber clientes presencialmente, com restrições, das 5h às 20h. • Das 20h às 5h, deve permanecer fechado.
• Sábado, domingo e feriado: fica fechado.

Reforço nos protocolos em todas as bandeiras

• Uso de máscara: uso obrigatório e correto de máscara, cobrindo boca e nariz sempre. Recomenda-se o uso de máscara dupla (máscara cirúrgica + máscara de pano, que garantem proteção de 95%).
• Distanciamento social: distanciamento físico e não aglomeração, inclusive no ambiente de trabalho.
• Ventilação: manutenção de janelas e portas abertas e/ou sistema de renovação de ar.
• Higienização: limpeza constante das mãos com água e sabão ou álcool 70%.

Novos protocolos específicos de bandeira vermelha
(limite da cogestão na bandeira preta)

• Administração pública:
Reforço teletrabalho/teleatendimento.
Lotação máxima de 25% dos trabalhadores presencialmente.

• Praias, praças e parques
A permanência em praças, parques e faixas de areia de água doce ou de água salgada segue vedada. O banho de mar também continua proibido.
Fica permitida a prática de esporte aquático individual.

• Comércio (essencial e não essencial)
Presença máxima de uma pessoa para 8m² de área.
Exigência de cartaz com número máximo de pessoas.
Horário preferencial para quem pertence a grupo de risco.

• Feiras ao ar livre
Deixa clara a inclusão e a autorização de comércio de produtos alimentícios em feiras livres de produtos alimentícios agrícolas.
Distanciamento de três metros entre as barracas.

• Restaurantes, bares, lanchonetes e sorveterias
Lotação máxima de 25%.
Distanciamento de dois metros entre as mesas.
Máximo de quatro pessoas por mesa.
Proibido música ao vivo.

• Hotéis e alojamentos
Lotação máxima de 50% nos estabelecimentos que tenham o Selo Turismo Responsável.
Lotação máxima de 30% nos estabelecimentos sem Selo Turismo Responsável.
Áreas comuns fechadas em todos os estabelecimentos.

• Indústria e construção civil
Lotação máxima de 75% lotação de trabalhadores.
Distanciamento interpessoal nos postos de trabalho e nos refeitórios.

• Parques temáticos, de aventura, jardins botânicos e zoológicos etc.
Lotação máxima de 25% de trabalhadores, exclusivo para manutenção.
Sem atendimento ao público.

• Teatros, auditórios e casas de espetáculos
Inclusão de autorização de lotação máxima de 50% de trabalhadores, limitado a 30 pessoas, exclusivo para captação de produção audiovisual (lives).
Sem atendimento ao público.

• Museus e bibliotecas
Lotação máxima de 25% de trabalhadores, exclusivo para manutenção.
Sem atendimento ao público.

• Cinemas, drive-in, feiras, congressos, eventos sociais e corporativos, festas, festejos e procissões
Não autorizado.

• Serviços de educação física (academias, piscinas etc., inclusive em clubes e condomínios)
Exclusivo para atividade individual com fins de manutenção da saúde.
Lotação de uma pessoa para cada 32m² de área útil de circulação.
Obrigatoriedade de cartaz com número máximo de pessoas.
Grupo de no máximo duas pessoas para cada profissional habilitado.

• Clubes sociais e esportivos
Fechamento de áreas comuns para lazer.
Academias e piscinas conforme protocolo “Serviços de Educação Física” (veja protocolo acima).
Permitida a prática de esportes coletivos (duas ou mais pessoas) exclusivo para atletas profissionais.

• Competições esportivas
Somente mediante autorização do Gabinete de Crise.
Jogos de campeonato de futebol (FGF, CBF, Conmebol) somente após as 20h.

• Serviços de higiene pessoal (cabeleireiro, barbeiro e estéticas)
Máximo de uma pessoa para 8m² de área.
Obrigatoriedade de cartaz com número máximo de pessoas.
Distanciamento de dois metros entre clientes.
Horário preferencial para grupo de risco.

• Serviços de higiene e alojamento de animais (pet shops)
Lotação máxima de 25% de trabalhadores.
Atendimento individual, sob agendamento, tipo pegue e leve.

• Missas e serviços religiosos
Lotação máxima de 10%, limitada a 30 pessoas.
Distanciamento entre grupos não coabitantes.

• Bancos, lotéricas e serviços financeiros
Lotação máxima de 50% trabalhadores.
Controle de acesso clientes (senha, agendamento ou sistema similar).
Horário preferencial para pessoas pertencentes ao grupo de risco.

• Serviços (sindicatos, conselhos, imobiliárias e consultorias etc.)
Reforço teletrabalho/teleatendimento.
Lotação máxima de 25% dos trabalhadores.
Atendimento individual, sob agendamento.

• Serviços domésticos (faxineiros, cozinheiros, motoristas, babás e jardineiros etc.)
Obrigatório uso correto da máscara por empregados e empregadores.

• Condomínios
Fechamento de áreas comuns.
Academias e piscinas conforme protocolo “Serviços de Educação Física”– (veja protocolo acima).

• Transporte rodoviário fretado, metropolitano, executivo/seletivo, intermunicipal e interestadual
Lotação máxima de 50% dos assentos (janela).
Uso contínuo e correto de máscara.
Janelas ou alçapão abertos e/ou sistema de renovação e ar.

• Transporte coletivo urbano ou metropolitano
Lotação máxima de 50% da capacidade do veículo.
Uso contínuo e correto de máscara.
Janelas ou alçapão abertos e/ou sistema de renovação e ar.


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Edição: Marcelo Ferreira