Rio de Janeiro

Coluna

Não, o futebol não é um ambiente seguro

Imagem de perfil do Colunistaesd
Na madrugada do último domingo (14), o atacante do Flamengo, Gabigol, foi flagrado num cassino clandestino na Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo. Cerca de 200 pessoas estavam no local - Divulgação / Polícia Civil
O futebol se transformou numa verdadeira festa para o novo coronavírus

Deixa eu ser bem claro logo de cara, meu amigo. O futebol não é e nunca foi um ambiente seguro. Esquece esse papo de protocolo sanitário, de cuidados preventivos, de relatórios cheios de números e de controle da pandemia de covid-19. O que se vê na prática é um completo desrespeito e descompromisso com a vida alheia por parte de jogadores, comissões técnicas e dirigentes. Vamos aos fatos:

No último dia 10 de março, a Confederação Brasileira de Futebol (a CBF) divulgou um relatório da “efetividade do protocolo de segurança e combate ao coronavírus”. A entidade também defendeu a continuidade dos campeonatos em meio ao auge da pandemia aqui no Brasil. O secretário-geral da CBF, Walter Feldman, inclusive, afirmou que “o futebol é seguro, controlado, responsável e tem todas as condições de continuar”.

Na madrugada do último domingo (14), o atacante do Flamengo, Gabigol, foi flagrado num cassino clandestino na Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo. Cerca de 200 pessoas estavam no local e todas elas foram levadas para a Delegacia de Crime contra a Saúde Pública, no Centro da cidade, onde assinaram termo circunstanciado, comprometendo-se a prestar esclarecimentos à polícia posteriormente.

Nesse mesmo dia, o médico Ivan Grava pediu demissão do Corinthians depois de um surto de covid-19 dentro do clube paulista. Os dirigentes do Timão acusam o profissional de “excesso de zelo” ao exigir o prolongamento da quarentena de alguns jogadores que já estariam recuperados. Ivan Grava, por sua vez, alega que tentou seguir os protocolos.

Esses são os casos mais recentes. Mas basta fazer uma pequena busca na internet para encontrar notícias sobre festinhas, aglomerações e afins envolvendo jogadores e até mesmo treinadores. Tudo isso num dos piores momentos da pandemia de covid-19 aqui no Brasil. Por outro lado, esses (e vários outros) casos confirmam o óbvio:

CBF, clubes e jogadores vendem protocolos impossíveis de serem cumpridos. Tudo na ânsia de manter a “máquina” funcionando.

Vamos raciocinar juntos. A CBF teve a faca e o queijo na mão para finalmente colocar um pouco de organização nessa suruba que ela chama de calendário. Só que a entidade preferiu promover uma verdadeira maratona de jogos que vão “colar” duas temporadas inteiras em apenas 16 meses.

Agora, tente imaginar um jogador de futebol confinado e respeitando protocolos por um ano e quatro meses com viagens nacionais e internacionais se acumulando junto com as concentrações antes de cada partida.

Para defender a continuidade das suas atividades, o futebol nos apresenta números e mais números, protocolos e mais protocolos e uma infinidade de argumentos vazios. Não há como controlar a rotina de um jogador fora do seu ambiente de trabalho. Ainda mais quando a indisciplina e a falta de consciência social é a via de regra no pensamento de cada um deles.

:: Neymar é acusado de tentar subornar ativista LGBT em caso de homofobia ::

Sobre Gabigol, por incrível que pareça, tem muita gente passando pano. Não dá, pessoal. Não dá. A CBF e nossos clubes procuraram por isso, mas a atitude do camisa 9 do Flamengo é indesculpável.

Numa só tacada, ele chutou o toque de recolher pra longe, se envolveu numa aglomeração com 200 pessoas e ainda estava num cassino clandestino. É um verdadeiro “combo” de lambanças. E isso tudo tendo perfeita noção do que representa para o torcedor e para os mais jovens. Goste dele ou não, Gabigol é ídolo do Flamengo e conquistou esse posto por tudo que fez com a camisa do clube nessas duas últimas temporadas.

E qual foi a resposta dos dirigentes rubro-negros? Em entrevista concedida ao jornalista Mauro Cezar Pereira (do UOL), o vice-presidente Rodrigo Dunshee de Abranches afirmou que tudo se tratava de “assunto pessoal” de Gabigol.

É decepcionante. Mas essa postura não surpreende ninguém. Ainda mais quando se sabe que ela vem de dirigentes bem conhecidos por arrotar profissionalismo e entregar fanfarronice e também negacionismo. Ou será que vocês se esqueceram que o Flamengo (através do presidente Rodolfo Landim) foi um dos primeiros a forçar a barra para o retorno das atividades no mês de junho de 2020? Eu não esqueci.

Leia também: Acaba o “covidão” 2020 e começam os “covidões” estaduais

A sensibilidade dessa diretoria é comparável a de um hipopótamo dançando funk sob efeito de drogas pesadas no meio de uma loja de cristas. Com todo o respeito aos hipopótamos e ao funk.

Essa seria a oportunidade perfeita para que o clube se posicionasse contra a atitude do seu funcionário, reafirmasse seu compromisso com as medidas de prevenção e combate à pandemia, defendesse a vacinação em massa e repudiasse aglomerações e festas clandestinas.

Além de Gabigol, ainda há o caso de Ivan Grava no Corinthians. A saída do médico do clube revela muitas coisas. A principal delas é a possibilidade real de que, em vários cantos do país, jogadores infectados tenham entrado em campo. Tudo por conta da pressão por bons resultados.

Como seguir com o argumento de que o futebol é um ambiente seguro se ninguém respeita os protocolos?

Se nossos atletas não se protegem e não respeitam as medidas de prevenção, como exigir que torcedores façam o mesmo? Como pedir que estes não façam aglomerações na frente das sedes dos clubes?

Adianta realizar testagem em massa com os jogadores sabendo que eles vão marcar presença em baladinhas clandestinas no dia seguinte?

O futebol se transformou numa verdadeira festa para o novo coronavírus. E quem defende o funcionamento da “máquina” vende um protocolo que é impossível de ser cumprido. Seja por atletas, treinadores, dirigentes ou torcedores.

O futebol é tudo. Menos um ambiente seguro.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas