Rio Grande do Sul

Denúncia

RS já registra cerca de 285 denúncias de fura-filas na vacinação contra a covid-19 

Entre os profissionais denunciados estão dentistas, enfermeiros que não estão na linha de frente, e farmacêuticos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
As cidades com maior número de possíveis fraudes são Porto Alegre, Santa Maria, Caxias do Sul, Agudo, Alvorada, Gravataí e Torres - DoroT Schenk/Pixabay

Com pouco mais de uma semana do início da vacinação contra a covid-19 no Rio Grande do Sul, o estado já registra 285 denúncias pelo SIAC - sistema de denúncias do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Os casos são reportados de diversas cidades do estado, envolvendo dentistas, enfermeiros - que não atendem a covid - assim como farmacêuticos. As cidades com maior número de possíveis fraudes são Porto Alegre, Santa Maria, Caxias do Sul, Agudo, Alvorada, Gravataí e Torres. Até o momento o RS vacinou 145.168 pessoas. 

A vacinação no estado teve início na segunda-feira (18), quando em ato simbólico cinco pessoas representantes do grupo prioritário foram imunizadas. De lá para cá 122.890 pessoas foram vacinadas, sendo 109.475 aplicadas em profissionais da saúde. Contudo, alguns profissionais têm conseguido burlar e ser vacinados, em detrimento do grupo prioritário, estipulado no Plano Estadual de Vacinação.  

Sindicatos e conselhos têm identificado através de redes sociais e de denúncias recebidas nas próprias entidades, situações de privilégio de alguns profissionais e priorização de setores não considerados neste momento nos grupos prioritários. Um dos casos é de uma jovem recém formada em Medicina, que não atua na linha de frente de combate ao coronavírus, e que foi imunizada. Outros casos foram noticiados pela imprensa. Diante disso a Secretaria Estadual de Saúde (SES), juntamente com o MP/RS criaram um canal para registro das denúncias

Para atender a demanda de denúncias o Ministério Público criou um grupo de trabalho para apurar sobre, em tese, pessoas indevidamente vacinadas contra a covid-19. O GT é composto pelos Centros de Apoio Operacionais dos Direitos Humanos (CAODH), Saúde e Proteção Social, Criminal e Cível e de Proteção do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa.

Vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES), e no momento presidente em exercício do conselho, a enfermeira da Atenção Básica de Saúde, Inara Ruas, pontua que o CES não foi chamado para participar da formulação deste canal de denúncia e que o colegiado tomou ciência do mesmo pela imprensa. Conforme frisa Inara, que também atua como diretora da Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Enfermeiros do RS, uma das prerrogativas legais do CES/RS, é a participação na formulação, bem como proceder na fiscalização e controle da execução das políticas públicas relacionadas ao Sistema Único de Saúde. 

“Se tivesse havido o chamamento do CES/RS desde a elaboração desse projeto, poderíamos desde o início auxiliar, no sentido de capilarizar a informação de forma muito efetiva junto aos Conselhos Municipais de Saúde, o que faremos, já cientes da criação desse canal de denúncias, mas com a perda de um precioso tempo. O CES/RS não atua somente na fiscalização, mas também está aberto a qualquer ente ou instituição que proponha a defesa do usuário e do fortalecimento do SUS”, ressalta Inara. 

Entre as instituições que vêm acompanhando as denúncias de situações como privilégio de alguns profissionais e priorização de setores não considerados neste momento nos grupos prioritários, está o Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS). Para a enfermeira e conselheira do Coren-RS, Sônia Regina Coradini, independente da categoria, o processo de vacinação deve seguir de acordo com os grupos prioritários já estabelecidos. “Não podemos permitir o 'furar a fila'. Importante salientar que a Enfermagem é uma das categorias da saúde mais expostas à contaminação do novo coronavírus. No Brasil, hoje temos 526 profissionais que foram a óbito. No Rio Grande do Sul, já foram 19 mortes”, expõe a conselheira. 

Na avaliação da presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (SindsepeRS), Diva Flores da Costa, a situação dos fura-filas é bastante preocupante. Diva destaca que a quantidade de vacina disponível é mínima frente ao crescimento exponencial da pandemia, sem que exista um mínimo de controle pelos autoridades. “Ao invés de propor medidas que ajudem a controlar a contaminação e evitar que o número de mortes aumente descontroladamente, elas atendem as reivindicações dos empresários afrouxando as medidas de isolamento social, que por hora é o mais eficaz para controlar o vírus”, frisa. 

Assim como o Coren, o Sindsepe também vem acompanhando as denúncias. Para a presidenta a abertura dos canais de denúncias são importantes, contudo ressalta que é preciso transparência dos órgãos responsáveis pelo recebimento das denúncias e pela investigação e que sejam divulgados os locais e municípios aonde ocorreram os casos e qual o andamento para que sirva também como fator inibidor para que outros não venham a pensar em fazer isso. “E também para que a população saiba e que tenha condições ao saber disso de ficar muito atenta aos fatos e cobrar uma solução. Caso contrário essas denúncias cairão no vazio como acontecem com a maioria delas”, salienta.

O processo de vacinação será longo, árduo, as violações éticas e jurídicas tornam esse caminho muito mais difícil

Para Diva Costa e Inara Ruas as divergências em critérios do estado e dos municípios para aplicação das vacinas, podem gerar confusão entre os grupos e facilitar que profissionais venham furando as filas. “Com certeza divergência no tocante à execução de políticas públicas entre esferas diferentes de gestão sempre são prejudiciais ao usuário e à melhor gestão do SUS, posto que informações desencontradas facilitam fraudes e fomentam a desarticulação entre todos os atores envolvidos. Lembrando que o SUS é um sistema único, nas três esferas de governo, devendo necessariamente haver convergência de ações na execução de quaisquer políticas públicas”, afirma Inara.

Na avaliação de Diva, os critérios que devem ser usados tem que levar em conta o grau de exposição do profissional ao risco da doença e não uma categoria específica que venha a ter poder político maior, independente da sua exposição ao risco que corre. “Tanto pode acontecer que ontem saiu uma nota técnica assinada pelo governo e o Conselho de secretários especificando caso a caso quem tem que ser vacinado e a ordem disso”, aponta.

Segundo informa a Secretaria Estadual de Saúde, a pasta está reforçando as orientações sobre os grupos prioritários para os gestores, para as coordenadorias de saúde e para os usuários. De acordo com a SES a vacinação é nominal e o cadastro completo constará no sistema do Ministério da Saúde, assim que estiver apto para uso. Os cadastros estão sendo feitos manualmente, em planilhas, que serão absorvidas pelo sistema. O Estado procura dar todo o respaldo para o MP com todas as informações necessárias.

Em relação às denúncias, o Ministério Público vai apurar caso a caso. “Algumas denúncias são devido à falta de compreensão e equívoco da população e usuários sobre os grupos prioritários. A maior parte das denúncias é sobre profissionais de saúde vacinados que não atuam na linha de frente. A investigação deve ser criteriosa e severa, tem que separar os casos que foram por equívoco, falta de compreensão ou por falta de lisura”, afirma a secretaria. 

De acordo com a procuradora de Justiça Angela Salton Rotunno, coordenadora do CAODH, essas informações estão sob análise e serão encaminhadas conforme o tipo de ocorrência. “As denúncias que não possuem informações suficientes para que se possa dar continuidade na investigação serão devolvidas; em outros casos haverá encaminhamento de questionamentos ao gestor municipal sobre a veracidade da informação, motivo, funcionário responsável e demais informações para eventual adoção de providências; algumas serão encaminhadas aos coordenadores dos CAOs Criminal ou Cível, que trata de improbidade administrativa. Os casos que não configurarem fura-fila, quando a situação se demonstrar de difícil comprovação de irregularidade ou for muito tênue, serão arquivados”, detalha.

Segundo a procuradora, até agora, são poucas as situações consideradas graves. “Do grande universo de notícias, em torno de 5% configuram, em tese, crime, improbidade administrativa ou crime de responsabilidade.” Angela ressalta que o MP vai fazer a sua parte no sentido de evitar o desvirtuamento das regras que já foram estabelecidas e que visam o bem comum. “O processo de vacinação será longo, árduo, as violações éticas e jurídicas tornam esse caminho muito mais difícil. A priorização dos grupos obedece a parâmetros científicos e tem como objetivos principais a proteção da integridade do sistema de saúde”, salienta. 

No caso das denúncias a atuação do MP pode se dar na área criminal, tendo em vista as múltiplas circunstâncias de cada caso, podendo incidir diferentes tipos penais, como por exemplo, da concussão, peculato, crimes contra a administração pública ou contra a saúde pública. Também a possibilidade de incidência de crimes de responsabilidade do prefeito municipal, assim como crimes de abuso de autoridade. E também na seara cível da área da saúde pública, em que é possível o ingresso de ações de indenizações por dano moral coletivo, ou seja, buscar indenização pecuniária contra pessoas que furaram a fila. “Evidentemente que o valor não diz respeito ao valor da vacina, mas ao valor do dano que é causado pela indignação que causa na sociedade esse tipo de conduta. E por fim a área da impropriedade administrativa”, exemplifica a procuradora. 

A Polícia Civil atuará na investigação das denúncias. A instituição também criou um canal para que relatos possam ser feitos. O encaminhamento das irregularidades pode ser realizado através do WhatsApp e do Telegram pelo número (51) 9 8444-0606. 

“A vacina é extremamente importante para que as pessoas mais vulneráveis sejam protegidas”


“A vacina é extremamente importante para que as pessoas mais vulneráveis sejam protegidas" / Divulgação

Para Diva Costa, desde o início, as negociações deveriam ter uma direção única, tanto na compra quando na distribuição. “Não tendo isso, e devido a inoperância do Ministério da Saúde, fez com que surgissem iniciativas independentes de alguns estados para adquirir as vacinas para vacinar os seus, causando uma disputa política e mais problemas na situação que já era caótica e só prejudica ainda mais a população”, afirma. Ela sublinhou que tal atitude tem a ver com o negacionismo do governo Bolsonaro, que abriu espaço para oferecer tratamentos comprovadamente ineficazes cientificamente, como é o caso do kit Covid (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina).

Outro fator observado por Inara Ruas é a demora do governo federal em negociar a compra das vacinas no mercado internacional. "Isso gerou um atraso injustificável na execução do Plano Nacional de Imunização, em face da importância da vacinação como único meio eficaz de conter o avanço do contágio." 

“O Brasil, cujo governo atual preconiza o negacionismo da ciência e da verdade, descreditando as evidências científicas, atrasou o processo da aquisição das vacinas. Isto é muito preocupante. Precisamos pressionar para que sejam garantidas a compra, a distribuição e a aplicação da vacina – dando prioridade às(aos) profissionais da Enfermagem e da saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia. É fundamental que a Enfermagem e demais colegas da saúde estejam devidamente protegidas(os) e saudáveis para prestar a plena assistência à população e não colapsar o sistema”, complementa Sônia Regina Coradini. 

“A vacina é extremamente importante para que as pessoas mais vulneráveis sejam protegidas; para manter o atendimento essencial à população; e para diminuir os riscos de desenvolvimento de formas graves da doença”, ressalta. 

Conforme destaca a enfermeira, a pandemia não acabou e a população deve seguir as medidas de controle: distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos, e que elas devem permanecer mesmo com o advento da vacina, pois 70% da população precisará ser imunizada para que as pessoas estejam protegidas da doença. 


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Edição: Katia Marko