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Nuestra America | Crise política no Peru: o papel da juventude nas manifestações

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A juventude peruana além de protagonizar as manifestações sociais que eclodiram em todo o território, também tem conseguido sustentar as mobilizações - Ernesto Benavides / AFP
É a primeira vez que o Perú vive uma onda de mobilizações tão massiva e descentralizada

Desde o começo de novembro, quando o Congresso peruano destituiu arbitrariamente através de um golpe parlamentar o então presidente Martín Vizcarra por improbabilidade moral devido a denúncias de corrupção, milhões de cidadãos e cidadãs peruanos/as estão ocupando as ruas de todo o país contra o novo governo. Não em defesa de Vizcarra mas da democracia peruana.

Embora existisse um mal estar social com relação aos equívocos da gestão de Vizcarra sobre o controle da crise sanitária ocasionada pela pandemia, com mais de 500 protestos acumulados durante o período da quarentena, o então presidente ainda possuía 54% de aprovação da população quando foi deposto.

Essa destituição foi questionada pela sociedade peruana, como uma tomada de poder de um setor que para grande parte simbolizava uma ameaça a estabilidade do regime político, gerando indignação por parte da cidadania que incitou manifestações que se multiplicaram em praticamente todo o território.

É a primeira vez que o Perú vive uma onda de mobilizações tão massiva e descentralizada, o que não significa que não tem havido protestos no país, mas são raras as vezes que as manifestações sociais ganham articulação e projeção nacional como tem ocorrido no presente momento. 

A repressão com a qual o governo respondeu as manifestações se equipare à violência praticada pelo Estado no período autoritário, já que o número de violação aos direitos humanos tem aumentado significativamente, já são dois assassinatos pelas mãos de agentes do Estado, 41 desaparecidos, 210 feridos, 27 detidos, a participação da população nos protestos continuam crescendo.

Merino eleito presidente interino da já agonizante democracia peruana que renunciou após seis dias devido à pressão popular, parece não ter levado em consideração as experiencias dos países vizinhos Chile e Colômbia e apostou em uma política de repressão policial brutal, que ao invés de frear as mobilizações as incentivou a continuar ganhando força.

Cabe ressaltar que o povo peruano tem motivo de sobra para se mobilizar, já que o Peru é um dos países da América do Sul com maiores índices de desigualdade e concentração de renda.

Sua população sofre as consequências de um modelo extrativista que frequentemente ocasiona desapropriação de terras e fontes de água em favor do grande capital agravando a situação de pobreza e miséria, e como se isso não bastasse, 72% dos peruanos estão na informalidade no mercado de trabalho e metade da população idosa do país não recebe aposentadoria.

Mas não foram esses os motivos que mobilizaram milhões de peruanos a saírem a protestar. Foi a crise política relacionada a ineficiência dos canais institucionais para processar as demandas cidadãs, e a crise de representatividade que foi aprofundada devido a debilidade do sistema partidário e aos escândalos de corrupção que envolvem os três poderes políticos do país (legislativo, executivo e judiciário) que fizeram transbordar a profunda insatisfação cidadã acumulada.

A juventude peruana além de protagonizar as manifestações sociais que eclodiram em todo o território, também tem conseguido sustentar as mobilizações, trazendo uma série de inovações de repertório de ação coletiva e organização que ajudam a explicar por que os protestos continuam se massificando.

Nesse sentido, observa-se uma forte referência dos protestos ocorridos no Chile no Peru.

Além de abraçar a canção da banda Los Prisioneiros “El Baile de los que sobran”, convertida no hino da resistência chilena, os peruanos também adotaram a chamada “primeira linha” (linha de frente de manifestantes que se enfrentam com as forças policiais garantindo que as mobilizações ocorram), brigada de desativadores de bombas de gás lacrimogêneo, brigadas de saúde e de advogados populares, e os “panelaços” organizados diariamente nos bairros de todo o país.

Foi essa mesma juventude que garantiu a organização das convocações para as mobilizações via rede sociais e que denunciou todos os abusos das forças policiais do Estado no contexto das manifestações através de vídeos que foram difundidos massivamente, incitando a participação da cidadania nos protestos assim como ocorreu no país vizinho.

É importante ressaltar que esse nível de politização da juventude e de solidariedade social que o Peru experimenta na atualidade já é uma grande vitória do povo peruano, já que conseguiu-se romper com a lógica individual imperante no capitalismo neoliberal, de apatia política, individualismo e indiferença que muito dificulta as articulações político-sociais e a construção de sujeitos coletivos não só no Peru, mas em muitos outros países da região.

A partir da empatia, da solidariedade, do apoio mútuo e da organização coletiva, a juventude peruana tem conseguido coordenar campanhas para amparar às famílias de jovens que foram vítimas da violência do Estado e mobilizar outros jovens, demonstrando que outro tipo de sociedade é possível.

Desta forma, em meio a conjuntura crítica que enfrenta o país, o processo de politização da juventude avança, mesmo em um contexto tão repressivo, e com ele novas formas de fazer política se desenvolvem, dando às novas gerações o protagonismo que elas merecem e devem ter na luta política e na construção de uma nova sociedade mais comprometida e mais solidária. 

Edição: Mariana Pitasse