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O ataque contra as mulheres

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Machismo e misoginia sempre existiram mas adquiriram uma envergadura e uma audácia renovada após o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff - Reprodução Manuela D'Avila
Foi atacada de todas as maneiras, inclusive questionando sua inteligência e discernimento

É notável o temor que homens, sobretudo os de direita, têm das mulheres de esquerda. As eleições de 2020 estão escancarando como este pavor se consubstancia em mentiras, ataques baixos e, até mesmo, ameaças de morte. Ameaças que podem ir além da candidata. “Comunista, já comprou caixão da Verônica e da Helena?” Esta foi a terrível mensagem que a deputada estadual e ex-candidata à prefeita de Goiânia pelo PT, Adriana Accorsi, recebeu através do Instagram. Verônica e Helena são as suas filhas.

A primeira vereadora negra eleita na história de Joinville – cidade branca de um dos estados mais brancos do país, Santa Catarina -- também foi ameaçada. O aviso chegou por uma rede social para Ana Lúcia Martins, do PT. O autor sugeriu matá-la para favorecer a ascensão do suplente branco. Outro internauta chamou-a de “aberração” e de “macaca fedorenta”. Com o que se pode concluir que as mulheres de esquerda sendo negras assustam ainda mais.

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No Rio, machismo e ódio racial também se misturaram nos ataques contra a deputada federal e candidata Benedita da Silva (PT), chamada na internet de “preta ridícula, beiçuda, nariz de tomada” e “negra idiota”. Em Porto Alegre, o candidato derrotado do PSD na disputa pela prefeitura, Valter Nagelstein, chamou de desqualificadas quatro mulheres, todas negras e da periferia, eleitas vereadoras pelo campo da esquerda.

Ainda na capital gaúcha, Manuela D´Ávila obteve uma decisão judicial para remover do Facebook mais de meio milhão de compartilhamentos de notícias falsas a seu respeito. Na sua oitava eleição, a candidata do PCdoB à prefeitura local sempre foi vítima de brutais e maciços bombardeios de fake news, ainda mais após a campanha de 2018 quando se tornou o alvo predileto da militância virtual fascista. No mais recente ataque -- através de um áudio, supostamente da campanha de seu adversário, Sebastião Melo, do MDB -- é chamada de “vadia”.

Em Recife, Marília Arraes, do PT, desde que avançou ao segundo turno, passou a ser fustigada por mentiras. Cabos eleitorais de seu adversário, João Campos, do PSB, foram flagrados distribuindo panfletos apócrifos, com conteúdo de causar inveja ao pior do bolsonarismo. Entre as mensagens, uma garante que o PT “persegue os cristãos”, afirmação que ignora propositalmente o papel dos católicos e das comunidades eclesiais de base na fundação do partido.

Nada disso, porém, começou agora. Machismo e misoginia sempre existiram mas adquiriram uma envergadura e uma audácia renovada após o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff.

Ao ocupar um espaço de poder tido como exclusividade masculina, a ex-presidenta provocou furor à direita do espectro, fundindo seu viés político/ideológico ao comportamental. Mulher da linha de frente, que vencera a prisão, a tortura e o câncer, acostumada ao debate, a tomar decisões e a mandar, trincou a representação modelar do feminino. Custou-lhe caro.

Foi atacada de todas as maneiras, inclusive questionando sua inteligência e discernimento, de resto provadas e comprovadas nos cargos de mando que assumiu. Uma das mais repulsivas peças de propaganda jamais elaboradas contra qualquer governo foi o adesivo aplicado sobre o tanque dos automóveis. Nele, a figura de Dilma aparecia de pernas abertas tendo ao centro o acesso ao tanque, onde a mangueira injetava o combustível. Uma simulação de estupro.

O governo Michel Temer assumiu com um ministério exclusivamente de homens. Todos brancos e todos ricos. A esposa de Temer, a bela, recatada e do lar Marcela, prudentemente evitou o mundo da política. O país engatou a marcha a ré em seus usos e costumes.

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A ascensão de Bolsonaro exacerbaria o quadro. A violência contra Dilma escorreu para as jornalistas mulheres, das quais o caso mais notável é o de Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Outras jornalistas, entre elas Míriam Leitão, entusiasta do golpe, também foram atingidas. Um levantamento apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, indica que, por 54 vezes – algo inédito na história do país -- Bolsonaro e seus ministros atacaram verbalmente mulheres jornalistas.

Há muitas respostas possíveis para esse descalabro mas, hoje, talvez a melhor delas seja eleger Manuela, Marília e outras mulheres de esquerda que também estão na luta para jogar a estupidez, o ódio e a misoginia na lata de lixo da história.

Edição: Rogério Jordão