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Nuestra America | Nunca más sin nosotras: vitória das chilenas na nova Constituição

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Pela primeira vez mulheres chilenas terão participação garantida e poderão incidir neste processo político que instituirá um novo pacto social no país - Martin Bernetti/AFP
A elaboração de uma Constituição paritária nunca foi vista no mundo até agora

Depois de um ano de mobilizações no Chile, um plebiscito histórico expressou nas urnas o que as ruas já tinham manifestado. A opção “Aprovo” nova Constituição ganhou com 78% dos votos, enterrando a Constituição de 1980, herança da ditadura de Augusto Pinochet.

No caso do órgão encarregado de redigir a nova Carta Magna, a opção “Convenção Constitucional” também saiu vitoriosa com 79% dos votos. A opção Convenção Constitucional prevê a eleição de 100% dos/as delegados/as constituintes através do voto popular, e garante paridade de gênero entre os/as eleitos/as para redigir a nova carta magna do país. 

Esse órgão será, portanto, composto por 155 membros que serão eleitos pela cidadania em abril do próximo ano, e contará com o mesmo número de homens e mulheres, não apenas nas campanhas dos/as delegados/as, mas também na composição final do órgão constituinte. Algo nunca antes visto no mundo, já que nenhuma Carta Magna foi produzida com paridade de gênero até agora.

Mas essa vitória só foi possível graças ao movimento feminista chileno que também impulsionou os protestos que abriram caminho para essa mudança no Chile.

Organizações feministas, politólogas, advogadas e acadêmicas de diversas áreas reuniram esforços para promover debates públicos sobre o papel das mulheres na nova Constituição e elaborar materiais de apoio como o documento “Nova Constituição com Perspectiva de Gênero”, que reúne propostas de garantias constitucionais com um enfoque feminista nas mais diversas áreas.

Deputadas e Senadoras da oposição também tiveram um papel importante para empurrar a aprovação da lei de paridade de gênero no processo constituinte. 

Portanto, as eleições do próximo ano terão um significado diferente para as chilenas, já que pela primeira vez elas terão participação garantida e poderão incidir neste processo político que instituirá um novo pacto social no país, que majoritariamente sempre foi conduzido por homens.

Nesse sentido, as feministas chilenas têm no atual processo constituinte uma oportunidade histórica de poder garantir a igualdade de gênero na nova Constituição e possibilitar a participação de setores sociais que historicamente ficaram excluídos das garantias constitucionais, como no caso das mulheres e das dissidências sexuais e dos povos originários que também terão 24 assentos reservados no novo órgão constituinte.

Com a presença desses setores nas tomadas de decisões políticas, há mais probabilidade de que políticas públicas traduzam e representem as demandas sensíveis não só de um grupo da população, mas de seu conjunto.

Assim, a paridade de gênero no processo constituinte traz a possibilidade de transformar as relações de poder no país e reduzir as desigualdades sociais e políticas.

Através da distribuição mais equilibrada do poder, se poderia estabelecer um compromisso com o reconhecimento, a promoção e a garantia do exercício dos direitos das mulheres, atendendo as reivindicações históricas como viver livre de violência de gênero, igualdade salarial, autonomia sexual e reprodutiva e socialização do trabalho doméstico e do cuidado, o que significaria um salto enorme no que se refere a justiça social e igualdade de gênero no país.

É importante ressaltar que o voto feminino completa apenas 68 anos no Chile, direito que também foi garantido devido a luta das mulheres.

Desde que este foi instituído as mulheres são maioria do eleitorado no Chile e participam mais das eleições dos que os homens nas votações, já que o voto não é obrigatório no país. No entanto, o Chile ainda é um dos países com menos representação feminina no parlamento. 

Mas as mulheres não estão presentes apenas nos processos eleitorais, elas também são a linha de frente das manifestações sociais em todo o território. Desde 2015 com o Movimento “Ni Una Menos” que denunciava a violência de gênero as mulheres têm feito história no Chile.

Em 2018, no “maio feminista” diversas universidades chilenas foram ocupadas por suas estudantes, que denunciavam práticas machistas de assédio, abuso sexual acobertadas pelas universidades e pelas escolas, impulsionando mobilizações que se espalharam pelo país e se transformou em uma verdadeira onda feminista.

Em 2019, a “Coordinadora Feminista 8M” convocou uma greve geral feminista aderida por 190 mil mulheres. Ainda naquele ano, foram as estudantes secundaristas as primeiras a evadirem o metrô em razão do aumento da tarifa, dando início as manifestações de outubro do ano passado. E foi também em 2019 que a intervenção do coletivo feminista LasTesis marcou um antes e um depois nos protestos feministas não só no Chile, mas em todo o mundo, denunciando a violência que o Estado exerce contra as mulheres.

No último 8 de março o movimento feminista voltou a demonstrar a sua força reunindo mais de 2 milhões de mulheres de todas as idades nas ruas de todo o país, reivindicando igualdade de gênero sob a consigna de “Somos históricas”.

Portanto, foi a luta dessas mulheres que a tornaram históricas, possibilitando que o Chile tivesse a primeira Constituição paritária do mundo, na qual as mulheres poderão também ser protagonistas. As nossas hermanas chilenas reafirmaram que de agora em diante “nunca más sin nosotras” e provaram que o futuro será feminista, ou não será. 

Edição: Mariana Pitasse