Coluna

O que resta aos jovens?

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Não há resposta ao querido Mario. Há saídas que vem sendo construídas aos poucos. O que temos a dizer do futuro? Que ele se faz do presente. - Flickr Levante Popular da Juventude
Por hora, combinamos de não morrer, então precisamos continuar cuidando uns dos outros

O que resta por provar aos jovens

neste mundo de paciência e asco?

somente grafitti? rock? cepticismo?

também lhes resta não dizer amém

não deixar que lhes matem o amor

recuperar a fala e a utopia

serem jovens sem prisão e com memória

situarem-se numa história que é a sua

não se converterem em velhos prematuros

O que resta por provar aos jovens

neste mundo de rotina e ruína?

cocaína? cerveja? claques?

resta-lhes respirar / abrir os olhos

descobrir as raízes do horror

inventar paz se os desordeiros

se entenderem com a natureza

e com a chuva e os relâmpagos

e com o sentimento e com a morte

essa louca de atar e desatar

(Mario Benedetti)

É comum encontrarmos o camarada Che por aí, entre jovens militantes: um quadro, um pôster ou cartaz na parede, às vezes um bóton enfeitando a mochila surrada de tantas lutas, de tantas viagens. Não é à toa.

Ernesto nos ensina o valor da solidariedade de classes para a juventude e tem sua própria vida como exemplo deste princípio. No texto de hoje da coluna Periferia Viva, vamos falar de solidariedade, de juventude e do sonho que precisa desobedecer para continuar vivo, de um outro mundo que é preciso e urgente!

Um mundo mais solidário passa por um processo de formação que se dá no centro da questão e no entorno

São tempos sombrios estes, de grandes retrocessos nas mais diversas áreas, de um conservadorismo falso e cegante. Tempos de um governo de fome e miséria que se alia à pandemia num projeto genocida que anda de mãos dadas aos fuzis apontados para a classe trabalhadora.

Mas, e diríamos por isso, também é tempo de solidariedade, de extinguir fronteiras, de construir pontes revolucionárias que necessariamente e historicamente convoca a juventude que ousa lutar a construir uma sociedade mais justa, igual e emancipadora.

Essas mãos jovens não puderam ver o Che, a Rosa, Dandara e Zumbi ao vivo, mas carregam consigo o peso de legado com responsabilidade em cada sacola organizada, em cada caixa cheia de alimentos da reforma agrária, da doação amiga e compromisso com a transformação.

Elas também carregam consigo as mudas para a mudança, no plantio de cada árvore com a simbologia de Dom Pedro Casaldáliga, homenageado em bosques representando a vida. São ações pontuais, limitadas pelo que a pandemia nos impõe, mas conectadas entre vários movimentos, entre várias gerações.

Mas é preciso consciência de que essa luta não está dada, assim como se enquadrar em determinada faixa etária não garante a juventude o espírito revolucionário necessário para a transformação. Um mundo mais solidário passa por um processo de formação que se dá no centro da questão e no entorno.

No estudar e no fazer, não separado, nunca separado, mas na própria práxis. No aprender para fazer, no fazer que nos ensina. Che, além de guerrilheiro revolucionário, também foi grande intelectual de fome constante pela leitura.

De ensaios sobre a teoria Marxista a estudos no campo da filosofia, economia e história, incluindo em suas leituras clássicos dos países que passou em suas viagens pela América Latina. Não basta o ímpeto, é preciso o rumo.

A formação dos jovens militantes é fundamental para manter acesa a chama de nossa luta, o combustível necessário que nos move com o ímpeto e o rumo necessário, se dá na leitura e na vivência

Mario Benedetti provoca-nos: o que resta aos jovens? Estamos vivendo uma pandemia sem precedentes, mas também uma crise capitalista generalizada, que passa pela dimensão econômica, ambiental, política, social, enfim, é muita crise!

Entender todas elas e como afetam nossa vida, a vida da classe trabalhadora, tem sido um desafio e tanto, que passa pela nossa formação política e ao mesmo tempo pela nossa prática e capacidade de incidir sobre tudo isso.

Não tem sido fácil, é preciso admitir. Nos apropriar das ferramentas certas exige estudo e dedicação, especialmente a partir dos clássicos da luta de classes, que permitem o acesso ao acúmulo de reflexões produzidos em cada período histórico. Este é um passo importante para fazermos nossa própria análise da realidade, ler este mundo com nossas lentes, como dizia a personagem em Suzana e Mundo do Dinheiro.

Assim, a formação dos jovens militantes é fundamental para manter acesa a chama de nossa luta, o combustível necessário que nos move com o ímpeto e o rumo necessário, se dá na leitura e na vivência. Assim, o acesso à leitura é ponto de foco.

O MST junto a aliados históricos como a editora Expressão Popular movem esforços nesse sentido com diversas iniciativas com objetivo de potencializar a formação de nossos militantes assim como toda a nossa Base Social.

Desde os primeiros meses da pandemia a Expressão Popular junto a militantes intelectuais tem construído uma Plataforma de Formação em Tempos de Corona com diversos cursos online como: Feminismo, Antirracismo e Luta de Classes, Literatura e Questão Agrária, Florestan Fernandes, Método de Marx dentre muitos outros.

Ao mesmo tempo, buscando alcançar a formação e a batalha das ideias em nossos territórios com maiores dificuldades de acesso a internet, a juventude do MST vem construindo os Círculos de Literatura com o objetivo de fomentar círculos de leitura em nossas áreas, com leitura coletiva e debates.

Nós entendemos todas essas ações como de solidariedade, e seguindo nessa linha, a Expressão Popular também vem construindo formas de integrar a formação como ato solidário com ações como as Bibliotecas Populares, que busca viabilizar 100 bibliotecas populares até o final de 2020.

Também a Mochila Militante que disponibilizará 500 kits de livros para militantes envolvidos em ações de solidariedade, além dos Livros nas Cestas Básicas que inclui livros nas cestas básicas doadas pelos movimentos populares.

Mas não se trata somente de estudar. Ler o mundo é tarefa exigente e precisa de exercício também, da prática. Associar as duas é o caminho mais sábio, mas também é o treinamento necessário para os e as jovens que buscam ser revolucionários. Não se trata somente de palavras. É preciso o fôlego, o suor, “pôr a mão na massa” literalmente, não foi isso que Che e tantos outros nos ensinaram?

E isso é o que temos aprendido com nossas organizações em um momento que a conjuntura tem sido dura: somente a solidariedade pode apresentar saídas para o povo brasileiro. Essa palavrinha grande, que sempre esteve em nossas ornamentações, místicas e na ação política dos movimentos populares tem sido uma das mais convocadas para enfrentar os desafios.

Assim, voltamos ao Che e sua importante presença na forma dos militantes principalmente jovens, na defesa do trabalho voluntário como o caminho das pedras para a construção de um projeto Socialista.

Seguindo seu exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra organizam Jornadas de Trabalho Voluntário como limpeza e embelezamento de área públicas, doações de alimentos, doação de sangue dentre tantas outras ações em todo o país.

Por mais que a solidariedade ganhe centralidade nas lutas populares neste momento de pandemia, para nós do MST, a solidariedade é permanente e parte indissociável do que constitui nossas ações.

Nosso compromisso se faz pela solidariedade na perspectiva do vínculo, do trabalho de base, da transformação social

Com a campanha Periferia Viva, temos compreendido o quanto nosso papel é fundamental. Na capital ou nas cidades do interior, seja no MST, Levante, MTD, ou ainda nos vários coletivos que vão se somando a campanha, a juventude não tem só ouvido o chamado, mas convocado junto.

A ação vai desde organizar a produção a partir dos assentamentos, o mapeamento e distribuição para as famílias em situação vulnerável, a articulação para a doação em si, até as formas de diálogo possíveis, pois divergimos dessa lógica assistencialista: é claro que queremos que todos e todas tenham possibilidade de comer, mas isso só será possível se derrotarmos esse governo, este sistema!

E para isso as coisas precisam estar integradas. Os fósforos que acendem as chamas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal pertencem às mesmas mãos que buscam expulsar nossas famílias assentadas, que pulverizam agrotóxico sobre os nossos territórios, que tem como preocupação central a produção de commodities para o mercado externo e nunca se preocupou de fato em produzir alimentos para o povo.

Não há resposta ao querido Mario. Há saídas que vem sendo construídas aos poucos. O que temos a dizer do futuro? Que ele se faz do presente. Nosso compromisso se faz pela solidariedade na perspectiva do vínculo, do trabalho de base, da transformação social.

Essa tem sido nossa escola de formação política, seja nas doações de alimento, na produção de alimentos saudáveis, agroecológicos, no plantio de árvores, nos cursinhos populares, na comunicação. Em cada tarefa colocada pela luta de classes, pelas nossas organizações, haverá um jovem fincando uma bandeira, carregando Che, Rosa, Olga, Dandara, Zumbi, Roseli.

Haverá o tempo ousarmos mais, carregarmos a mão na denúncia. Por hora, combinamos de não morrer, então precisamos continuar cuidando uns dos outros.

Edição: Leandro Melito