Rio Grande do Sul

Eleições 2020

A Cidade que Queremos conversa com Fernanda Melchionna e Márcio Chagas

Candidatura do PSOL à Prefeitura de Porto Alegre conta com o PCB e a Unidade Popular (UP)

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Confira os principais temas debatidos e assista à entrevista completa - Reprodução

A cidade de Porto Alegre é a capital do estado do Rio Grande do Sul. É o polo de uma grande quantidade de municípios, sendo referência de serviços públicos, trabalho e lazer para algumas milhões de pessoas que convivem diariamente na região Metropolitana. Afetada severamente pelos efeitos das diversas crises que atingem todo o Brasil, é cada vez mais evidente a acentuação das desigualdades sociais e o agravamento de problemas estruturais já existentes. Nesse sentido, a eleição municipal na Capital ganha importância, não somente pelo momento vivido no país, mas também porque o que acontece na Capital influencia diretamente não só a região Metropolitana, como indiretamente o Interior.

Praticamente todo o espectro político atuante no Brasil se encontra representado na cidade, não só em termos de partidos políticos, mas também de associações, coletivos, movimentos populares, sociais, de bairro, estudantis e de diversas outras características, sendo muito diverso também o leque de posicionamentos políticos à esquerda e à direita.

Por isso, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania têm se empenhado em dialogar com as candidaturas do campo democrático e popular no estado, para trazer à tona os debates pertinentes do momento e abrir espaço para as candidatas e candidatos expressarem suas intenções e ideias. Os convidados da quinta-feira (24) foram os candidatos da coligação “Porto Alegre pede Coragem”, Fernanda Melchionna e Márcio Chagas, ambos do PSOL.

Fernanda Melchionna

Fernanda Melchionna foi vereadora em Porto Alegre por 10 anos, antes de ser eleita deputada federal. Foi líder da oposição ao governo Marchezan e considera que todo esse período de lutas junto aos movimentos sociais e populares lhe deram uma grande experiência sobre a realidade da cidade de Porto Alegre, principalmente neste momento em que “é preciso ter escolhas, ter lado”.

“Acho que vale a pena resgatar alguns momentos das nossas lutas, eu que conheço a equipe do Brasil de Fato RS há muito tempo, acho que essa será a eleição mais difícil da nossa história. Estamos enfrentando ainda a pandemia que já vitimou mais de 130 mil pessoas no país, em um verdadeiro genocídio do nosso povo, sobretudo o povo mais pobre. Ao mesmo tempo, enfrentando um governo da extrema-direita como é o Bolsonaro, que tenta suprimir as liberdades democráticas. É nesse cenário que acontece a eleição de 2020.”

Considera também que o atual cenário da nação é muito difícil, pois em momento de pandemia temos somada a crise econômica que se prolonga e que foi ainda piorada pela agenda econômica de Paulo Guedes. Fernanda lembra que na Capital a situação é a mesma, com mais de 25 mil pessoas que perderam seus postos de trabalho, sucateamento dos serviços públicos e aproximadamente 300 mil pessoas morando em áreas irregulares. Em resumo, duas Porto Alegres que convivem.

Nesse sentido, a candidata afirma que nunca será totalmente verdade o discurso de “governar para todos”, pois quem diz isso está mentindo para alguém, e, no geral, é o povo quem é enganado. “Não vamos governar para a especulação imobiliária, nem para os barões do transporte, nem para o balcão sujo de negócios da base alugada. Queremos um governo de novo tipo, que radicalize os espaços de participação e organização popular.”

Afirma também que pretende se apoiar no Estatuto das Cidades, para que a função social da propriedade seja garantida, da mesma forma que pretende garantir políticas de regularização fundiária para as muitas famílias que moram em áreas irregulares. Nesse sentido, afirma que seria um objetivo do governo o combate à sonegação fiscal dos grandes devedores para poder utilizar esses recursos no combate aos efeitos do coronavírus no município.

Sobre a questão financeira do município Fernanda afirma: “Queremos fazer um governo que não fique com o pirezinho na mão, pedindo dinheirinho para o Bolsonarinho. O presidente tem a obrigação de mandar dinheiro para a cidade. O Fundo de Participação dos Municípios obriga isso”. Critica também as reformas previdenciárias feitas em estados e municípios por gestões de PT e PCdoB, da mesma forma que também pretende revogar as reformas realizadas pelo prefeito Marchezan, chamadas de “Pacotes de Maldades”, contra os trabalhadores municipários.

Fernanda reafirma que o objetivo é fazer uma campanha que mostre de onde sairão os recursos e que não venda ilusões: “Quem diz que vai resolver todos os problemas da segurança, saúde, educação e governar para todos, está mentindo pra alguém”. Lembra também da unidade de partidos que apoiam esta candidatura: a Unidade Popular pelo Socialismo (UP), partido homologado ainda em 2019, que abriu mão da candidatura de Priscila Voigt para apoiar a candidata do PSOL. Além da UP, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) também faz parte da coligação. “Porto Alegre pode enfrentar a extrema direita e a velha direita e ainda construir um novo ciclo de participação.”

Márcio Chagas

Natural de Porto Alegre, Márcio Chagas é professor de educação física e comentarista esportivo, tendo sido árbitro da Federação Gaúcha de Futebol. É, até então, o último árbitro negro a desempenhar essa função no estado. Após a aposentadoria dos gramados dedicou-se, entre outras atividades, a levantar o debate sobre o racismo, principalmente dentro do esporte. Este engajamento aproximou Márcio da política, sendo a primeira vez que atua como candidato a um cargo eletivo.

“A maioria das pessoas me conhece através da farda de árbitro, e não sabem que eu sou professor de educação física, trabalhei na rede municipal de Esteio por 10 anos e conciliava com o trabalho de árbitro. Quando tive que escolher, acabei ficando com a arbitragem, pois ela me dava uma rentabilidade maior. Infelizmente a educação não é atrativa em termos financeiros, o nosso país não reconhece os professores como deveria.” Afirma, inclusive, que a educação e o reconhecimento dos professores da rede municipal de Porto Alegre é um dos compromissos da campanha. “Queremos resgatar o diálogo franco e aberto com os professores. Os professores têm motivação para o trabalho, mas queremos que eles tenham esperança na carreira que exercem.”

Sobre suas motivações do por que encarar esse desafio, ele diz: “Porto Alegre pede coragem pra modificar, a cidade necessita acabar com privilégios de uma minoria, as comunidades da periferia necessitam ser mais atendidas, fazer com que as pessoas tenham mais dignidade e se sintam pertencentes à cidade”. Márcio relembrou um pouco da sua trajetória pela cidade e afirma ser um cidadão porto-alegrense e ter orgulho de ser daqui, mesmo sabendo da forte segregação racial que faz parte da realidade da cidade: “Podemos perceber que nos bairros considerados de elite, a circulação da população negra ela quase inexiste, como por exemplo no Parcão, na Encol ou no Parque Germânia. Diferentemente de outros parques considerados mais populares, como a Redenção, o Parque Marinha ou Chico Mendes”. Ele lembra também que essa desigualdade se reflete em índices de desenvolvimento humano desiguais, onde os bairros ricos são comparáveis a países como Suíça, e nos bairros periféricos e pobres como Restinga e Rubem Berta são comparáveis ao Iraque.

Confira a seguir o conteúdo dessa live, com os temas separados nos tópicos:

Educação

Fernanda – Acredito que o Marchezan conseguiu piorar algo que já vinha sendo sucateado. Porto Alegre foi pioneira quando instituiu o sistema de ciclos e com uma metodologia e rede municipal muito qualificados. Nos governos do Fortunatti e do Fogaça já começou a ser muito sucateado, vimos a perda das monitorias e a dificuldade da rede em ter acompanhamento por falta de recursos humanos. Mas ainda havia gestão democrática das escolas. Com o Marchezan tudo piorou, ele conseguiu atacar muito a rotina e acabar com o planejamento das escolas. Tirou horário das crianças em sala de aula, embora minta que tenha ampliado. Tirou educação física, tirou projetos de contraturno. O Neusa Goulart, na Cai Cai, por exemplo, teve a educação integral desmontada. Marchezan diminuiu as proteínas da merenda escolar das crianças, é um governo inimigo da educação.

Precisamos revogar o conjunto de maldades que ele fez na educação, retomar a gestão democrática e fazer uma constituinte escolar com toda a comunidade para resgatar as metas do Plano Municipal de Educação. Ele acabou com o planejamento coletivo e obrigou os professores a fazer o planejamento individual dentro da escola, sendo que tem escolas sem internet e computadores para todos os professores, como o caso da EMEF do Morro da Cruz.

Nós temos que reconhecer que houve um apagão educacional em 2020, a pandemia piorou tudo. O governo fez um sistema com uma empresa que não funciona, há uma enorme evasão. Uma coisa boa é que nós derrotamos (na Câmara Federal) o novo Fundeb, foi uma derrota do Bolsonaro e do Marchezan, e garantimos o incremento de mais recursos pra educação.

Concluo essa parte dizendo que eu, o Márcio e nossos secretários, queremos ganhar o mesmo salário do professor municipal. Além disso, nós temos um compromisso, quem for o secretário ou secretária de Educação ou será da rede municipal ou virá da escola pública, não pra um neoliberal cair de paraquedas e achar que sabe de educação pública, como é o caso do Naves Brito.

Márcio – Fazendo uma referência à internet da transmissão que falha o tempo todo, é possível imaginar como é a internet nas comunidades, das pessoas que dependem de uma plataforma que ia ser disponibilizada pelo Marchezan e acabou não sendo.

Esse é o grande problema da educação no Brasil, todo mundo se atreve a falar sobre. E o que aconteceu foi exatamente esse desmonte: a perda dos períodos de educação física, perda do planejamento e do turno inverso. É um desmerecimento com as comunidades, onde normalmente estão as escolas municipais. Não podemos tirar o sonho das pessoas delas se desenvolverem através da educação. É uma estratégia antiga dos governantes, atacar três pastas: esporte, cultura e educação. Pois são três áreas que permitem que as pessoas que moram nas periferias consigam se desenvolver. Por isso queremos revogar essas maldades que o governo Marchezan aprovou.

Saúde

Fernanda – Primeiro dizer que nós pretendemos revogar todas as terceirizações que o Marchezan tá fazendo. Eu sei que no caso do HPV, a contratualização que eles fizeram com a PUC custou aos cofres públicos e a PUC não cumpre os serviços que deveria, quem faz isso são os servidores de carreira. Nós vamos revogar essa contratualização. Nós queremos uma empresa pública de estratégia de saúde da família pra garantir o emprego dos 1200 trabalhadores (do IMESF) que hoje (24) foram surpreendidos com aviso prévio, descumprindo a liminar expedida pelo TRT. Isso em meio à pandemia, quando mais precisamos da saúde, uma atitude irresponsável.

Também nos postos de saúde, que o Marchezan contratualizou uma empresa, no Bom Jesus e na Lomba, que é inidônea em vários estados e municípios. Nós queremos governar com o Conselho Municipal de Saúde, pois o controle social é aliado dos bons administradores.

Mobilidade Urbana e Transporte

Márcio – No trabalho que fizemos descobrimos que existem em Porto Alegre aproximadamente 400 mil pessoas com alguma necessidade especial, praticamente um terço da população, temos que contemplar essas pessoas. O transporte tem que ser de qualidade, temos que combater a precarização da CARRIS. Temos que ter também uma tarifa adequada e segurança para motoristas e entregadores dos apps. São várias questões que estão no nosso plano que estamos construindo em conjunto.

Fernanda – Nós achamos inadmissível que Porto Alegre tenha a maior tarifa entre capitais. É inadmissível que as empresas devam 60 milhões pro município e não tenham sido cobradas. É inadmissível que o Fundo do Transporte não tenha sido criado e que todo dinheiro da venda de vale-transporte fique na mão da ATP, é a raposa cuidando do galinheiro. Nós queremos auditoria no sistema, encontrar as fraudes pra ampliar a frota e reduzir a tarifa. Com esse fundo, com os recursos das multas das empresas e dos carros nós queremos implementar o projeto de tarifa zero, garantindo o direito que está na Constituição que é o transporte público.

Além disso, nós estamos propondo a construção de um aplicativo, para os trabalhadores de entrega. Um aplicativo público, construído com a Procempa, garantindo uma taxa de manutenção e que o lucro que não fique com as empresas transnacionais, que é o que acontece hoje. Queremos fazer o Baita App, onde só 5% do valor vai ficar pra manutenção e gestão da Procempa, e o resto vai ser do motorista e do entregador.

Trabalho e geração de renda

Fernanda – É muito grave a situação que a pandemia piorou. Agora o Marchezan e o Bolsonaro falam que o problema é a pandemia, mas o problema é a agenda econômica que eles tinham antes. Nós temos 25 mil postos de trabalho fechados, a categoria dos trabalhadores municipais que soma hoje cerca de 16 mil pessoas que estão com o salário congelado, inclusive com perdas na carreira. Nós temos os ataques do Marchezan aos camelôs e trabalhadores ambulantes. Queremos ampliar a regularização, estimular a economia solidária e aumentar o número de feiras na cidade.

Nós temos uma proposta econômica radicalmente diferente, nós queremos que os grandes devedores do município, que são grandes empresas, inclusive bancos, paguem suas dívidas para proporcionar geração de emprego e renda para os pequenos negócios. A mesma coisa acontece com os devedores de IPTU, nós temos 4 mil imóveis de luxo que devem 100 milhões de reais. Queremos usar os mecanismos efetivos de execução dessas dívidas. O Itaú, por exemplo, que deve 13 milhões de reais pagaria suas dívidas com o desendividamento popular, perdoando as dívidas da população de baixa renda. É uma forma de transação tributária, seria necessário criar uma lei de transação tributária. As empreiteiras que devem milhões, pagarão suas dívidas com construção de moradia popular.

Por fim, com medidas de combate à sonegação fiscal, nós estamos prevendo um auxílio emergencial municipal, caso o Bolsonaro consiga retirar o auxílio federal.

Cultura, lazer e esporte

Márcio – A cultura está esgoelada, vai ser uma das últimas atividades a retomar, por causa da aglomeração. Temos dado bastante atenção para uma parte da cultura que é o carnaval, tivemos reuniões o pessoal. Conosco o carnaval vai ser oficialmente colocado no calendário da cidade, é uma cultura popular principalmente da negritude, que no início dos anos 2000 foram jogados para o Porto Seco para fazer uma higienização racial e social. Na reunião que tivemos vimos que aquele local está abandonado.

Outra manifestação cultural que vamos fortalecer é a do hip-hop, que inclusive deve ser inserida nas escolas através de oficinas. É uma forma muito eficaz de trabalhar a auto-estima das comunidades, de trazer elementos que muitas vezes não estão nos livros.

O teatro de rua também está sofrendo por não ter o reconhecimento e agora na pandemia estão sofrendo por não terem auxílio. Nós temos compromisso de tentar resgatar o Gasômetro como um palco para o teatro popular.

Com relação ao lazer, é muito triste pra mim falar sobre isso, como professor de educação física. Quando eu vou circular pela cidade, eu vejo os parques completamente abandonados, com matagal alto. Não temos mais as competições esportivas: municipais, escolares e da terceira idade.

Segurança pública e a cidade que queremos

Márcio – Sinceramente eu acho uma temeridade a introdução do armamento na segurança municipal. Eu acredito que a Guarda Municipal tem o dever de fazer um trabalho pedagógico e educativo, além de manter o patrimônio do município. Pensamos que temos de fazer um trabalho com algumas unidades dentro das comunidades, em diálogo constante com as lideranças, para que tenhamos um ambiente harmônico, ao invés de uma situação de tensão constante. As pessoas atualmente têm medo da Polícia e da Guarda, pois elas fazem um trabalho violento. Com violência, geramos mais violência e receio.

Cesta básica e alimentos

Fernanda – Porto Alegre tem a cesta básica mais cara do Brasil. O aumento da cesta de alimentos é diretamente ligado à politica econômica desenvolvida por Guedes e Bolsonaro, voltada para a agro exportação, por causa da alta do dólar. A crise não é pra todos, o Brasil hoje tem mais bilionários do que no início da pandemia! É obvio que tem uma luta nacional que precisa ser feita, contra essa política e contra o Teto de Gastos. Mas em nível local, se formos ver, os únicos alimentos que não tiveram aumento foram os oriundos da reforma agrária, do MST. Precisamos investir na agricultura familiar, nessa outra lógica de produção. Porto Alegre tem uma grande zona agroecológica e uma zona rururbana com potencial.

Temos que ter incentivos e isenções para criar mais feiras, para gerar emprego e renda e entregar alimentos saudáveis para a população. Fortalecer a compra de alimentos dos agricultores familiares, para entregar merenda saudável nas escolas.

Confira a íntegra da live

 
A CIDADE QUE QUEREMOS

🗳️ #AOVIVO | ELEIÇÕES 2020 - A Cidade que Queremos desta quinta-feira, às 20h, recebe os pré-candidatos do PSOL à Prefeitura de Porto Alegre, Fernanda Melchionna e Márcio Chagas.

Posted by Brasil de Fato RS on Thursday, September 24, 2020

 

Edição: Katia Marko