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Volta às aulas no meio da pandemia? Nem pensar!

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Escola não é laboratório para ver quem vive ou quem morre - Ione Moreno / Fotos Públicas
Escola não é laboratório para ver quem vive ou quem morre

O decreto do governador Eduardo Leite que autoriza a volta às aulas não divide opiniões como acreditam alguns. Está muito claro que professoras e mães e pais não querem a volta às aulas, muito menos pela Educação Infantil que deveria ser a última a voltar, conforme todas as pesquisas. Inclusive na feita pelo governador com mais de 2.000 entidades, bem como para 94% dos prefeitos, segundo a FAMURS, e para mais de 90% dos educadores, segundo a pesquisa do CPERS. Embora, reconheço, as mães e as famílias das crianças mais vulneráveis necessitem de uma política mais ampla, integrada e integral de educação, assistência e proteção para garantir isolamento e manutenção de emprego e renda.

No ápice do número de contágios – já são mais 125 mil infectados no RS e mais de 3 mil óbitos – o governador decreta a volta às aulas na contramão de todas as pesquisas porque diz que as escolas estão prontas para receber os estudantes. E para receber os professores também? Não! Não estão prontas. Além do mais, fecha escolas, como fez com o vexatório despejo com arrombamento da emblemática Escola Estadual de Ensino Fundamental Rio Grande do Sul no centro de Porto Alegre, hoje ocupada por ex-estudantes e mães do Conselho Escolar que reivindicam pela reversão da decisão do governador com enorme respaldo público.

Para se pensar em retorno as aulas é preciso superar a insuficiência dos protocolos, adquirir mais EPI´s. Vale lembrar que o CAGE, órgão de controle da Receita estadual, recusou uma compra de 1 bilhão em EPI´s do governo do estado. Evidencia-se também as enormes fragilidades dos protocolos e curso que já não funcionam nem mesmo para os atendimentos emergenciais, e trago aqui a pesquisa do CPERS e DIEESE, divulgada na semana passada: pelo menos 142 escolas do estado já tiveram professores contaminados em plantões durante a pandemia. Em uma só escola seis profissionais foram contaminados. E sabem por que se contaminam? Segundo essa pesquisa, 75% das escolas sequer tiveram higienização após contaminação e 8% dos profissionais não foram nem afastados do trabalho depois de se contaminarem, sem contar que as pessoas que tiveram contato com os contaminados sequer são testadas ou afastadas, via de regra.

Além disso, 67% dos professores se sentem ameaçados ou em ambiente de risco na escola, e não é para menos - a maioria afirma que não há material de limpeza suficiente nas escolas agora na pandemia e 71% dizem que faltam inclusive máscaras para os plantões escolares. Como se não bastasse, o governador talvez não saiba, mas 44% dos educadores e 55% dos funcionários são do grupo de risco.

Há um diagnóstico mais amplo e concurso planejado para a volta às aulas para suprir o RH que já era insuficiente e reforma nas escolas para garantir pelo menos torneiras e estrutura melhoradas? Pelo que nos consta não! Então, esse é o dramático quadro vivenciado pelos gaúchos e gaúchas. E as escolas e professoras na linha de frente dando conta da falta de políticas públicas de educação, assistência e prevenção à violência.

Na nossa pesquisa “Educação na pandemia da covid19”, realizada entre 23 e 28 de julho com 2.200 mães, pais e educadoras de Porto Alegre, nas três redes, através da Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD) e do Comitê de Acompanhamento da Crise Educacional do RS, através de questionário online, percebemos muitas nuances do apagão educacional e das desigualdades agudizadas pelo momento e por escolha política, pela elitização da educação, pelas tecnologias que excluem a maioria dos alunos, sem soluções para os problemas reais. Está escancarada a negligência com os estudantes, com os professores, invisibilizados, e com o descompromisso com a qualidade de ensino e com as medidas sanitárias necessárias para salvar vidas.

Muita gente foi excluída do direito à educação nesse processo de aulas emergenciais – só 14% dos alunos das escolas municipais de Porto Alegre têm computador com banda larga (e não 95% como o secretário de Educação acredita). O abismo com os alunos de escolas privadas ficou deflagrado – mais de 60% dos estudantes de colégios particulares aqui da Capital têm esse recurso.

E a merenda revertida em cesta básica só está chegando agora, depois de seis meses de pandemia. Vem dividida ao meio para contemplar a necessidade colocada, já que só metade das cestas chegaram, para contemplar 43 mil alunos, e não para 71 mil alunos da rede municipal, considerando o Ensino Fundamental. Sabem o resultado disso? 67% dos pais percebem que seus filhos perderam o interesse pela escola e 76% relatam algum adoecimento emocional dos filhos aqui em Porto Alegre. Conforme a nossa pesquisa, mesmo aqueles das escolas privadas com todos os recursos – já que é impossível transplantar a sala de aula para sala de casa como tem sido a metodologia nas aulas emergenciais adotadas. Nas aulas online, tipo live, onde os alunos participam de forma protocolar, os professores, sem essa interface com eles, como seria no presencial, também não tem o combustível necessário para potencializar a construção do conhecimento que precisa circular e necessita de envolvimento.

Há vários relatos de alunos que estudam de madrugada porque só conseguem acesso ao celular de um irmão mais velho ou de uma mãe nesse horário e de mães que vendem o celular para comprar comida porque a escola não está entregando o alimento. Muitos menores ficando sozinhos em casa porque não se garante proteção social às mães trabalhadoras para que elas cumpram o isolamento e fiquem com seus filhos. Na minha opinião, para não enfrentar esses problemas concretos dos estudantes, das famílias e dos professores, o governador apresenta este calendário de volta às aulas a partir desta terça-feira (8) como uma cortina de fumaça para entregar nas mãos dos professores as maiores vulnerabilidades e problemas sociais das crianças e adolescentes. Também por lobby, é o que parece, das escolas privadas que não recebem apoio do governo. É lamentável ver escolas e turmas sumindo, “quebradeira” geral, e que essas escolas veem na abertura uma forma de existir, mesmo sabendo de todos os riscos reais de surtos como vimos em vários países e na experiência recente de Manaus, com mais de 300 surtos.

A proposta de retorno escalonado e rodízio não é a saída para a educação e na nossa pesquisa 76% das mães e pais reprovam esse modelo apresentado. Escola ou é para todos ou não é para ninguém!

Agora, e neste ano, sem vacina, sem redução da curva de contágio e mortalidade, sem testes em massa (para mim o que seria condição sine qua non) e segurança nos protocolos, sem EPIs, sem suficiência comprovada da rede de atendimento de saúde, que é o que quer a esmagadora maioria das mães, pais e educadoras na nossa pesquisa, não há volta às aulas, porque vidas em primeiro lugar!

O secretário de Educação de Porto Alegre deu uma entrevista ontem à Gaúcha ZH e disse que “por enquanto, estamos debatendo no abstrato. No momento em que as escolas reabrirem, teremos uma realidade concreta para discutir.” Para responder ao secretário que diz que não importa a opinião de mães e pais para a volta às aulas, eu digo: escola não é laboratório para ver quem vive ou quem morre – nossos filhos não servirão como ratos de laboratórios. Quem tem competência para decidir o momento de retornar às aulas são as autoridades de saúde pública. Hoje, todos os indicativos desaconselham essa volta. As taxas de contágio e mortes continuam altíssimas no Brasil e no RS, basta abrir o jornal e dialogar com as pessoas.

Além disso, tenho que registrar que aqui em Porto Alegre 21% dos professores precisam de auxílio emergencial, como mostrou a nossa pesquisa. Quero denunciar isso aqui. E seria necessário que as pessoas e os governantes não compreendessem a educação como caridade. Professores e funcionários de escolas são profissionais e devem ser respeitados e considerados e não uberizados como tem acontecido. Renato Janine nos fala que precisamos aumentar o afeto na educação, tratar os traumas do período da pandemia, escutar, escutar alunos e professores, planejar uma busca ativa qualificada de alunos, porque o abandono e evasão escolar já estão postos, ao mesmo tempo que teremos o aumento exponencial de alunos nas escolas públicas, por conta da migração dos alunos do privado, com matrículas trancadas no governo do RS, pasmem!

Volta às aulas só a partir de 2021, considerando 2020 e 2021 - porque é necessário consenso, planejamento, protocolos sanitários, pedagógicos e jurídicos e, especialmente, redução drástica de contaminação e mortalidade pela covid-19. E nós, mães e pais pela democracia não levaremos nossos filhos e filhas porque “vidas em primeiro lugar”! Portanto, escolas Fechadas, vidas preservadas!

Despeço-me do Brasil de Fato RS, pois novas lutas se apresentam e sou pré-candidata a vereadora de Porto Alegre. Que a esperança esteja sempre no nosso horizonte! Um abraço carinhoso para todos e todas de uma mãe pela democracia!

Edição: Marcelo Ferreira