Paraná

GOVERNO AUTORITÁRIO

O dossiê contra antifascistas e a estrutura do aparelho repressivo do Estado

O resultado dessa estrutura dentro do Estado resultou em vigilância, perseguição, processos, prisão, tortura e mortes

Ponta Grossa (PR) |
"Passados algumas décadas, os flertes com o autoritarismo e a ditadura se intensificaram" - Marcos Corrêa / Fotos Públicas

O sociólogo Octávio Iani, em “O Colapso do populismo no Brasil” (1968), ao abordar o golpe militar de 1964, destaca que a classe média, naquele contexto, tinha se revelado dócil às soluções autoritárias e vinha sendo preparada para isso com seguidas campanhas de opinião pública que visavam combater os comunistas e a corrupção.

Passados algumas décadas, os flertes com o autoritarismo e a ditadura se intensificaram e tem pautado os acontecimentos políticos no Brasil desde a chegada de Bolsonaro ao poder. O caso mais recente são os dossiês contra defensores da democracia e antifascistas, revelados no mês de julho de 2020.

Diante desses acontecimentos, no dia 20 de agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a produção do dossiê contra policiais e professores defensores da democracia e antifascistas. O dossiê foi organizado pelo Ministério da Justiça por meio da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) e envolve o nome de aproximadamente 600 pessoas.

Conforme revelou Rubens Valente no portal Uol, em 24 de julho de 2020, esse dossiê poderia ficar sob sigilo por até 100 anos, por ter sido carimbado pela SEOPI como de “acesso restrito”.

Além da existência do dossiê contra antifascistas organizado pelo Ministério da Justiça, a imprensa brasileira noticiou a existência de outro dossiê, também contra defensores da democracia e antifascistas. Segundo um dos deputados envolvidos na organização do dossiê, ele foi entregue à embaixada dos EUA e reunia o nome de aproximadamente 1000 pessoas. Importante destacar que, ambos os dossiês envolvem o nome de opositores ao governo do presidente da república Jair Bolsonaro.

Somam-se a esses dossiês a criação de um grupo de trabalho por parte do Ministério da Justiça para elaborar a Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública, a Estratégia Nacional de Inteligência de Segurança Pública e o Plano Nacional de Inteligência e Segurança Pública, conforme noticiado pela Agência Brasil, órgão de comunicação do governo federal.

Esses fatos, dentre tantos outros ocorridos nos quase dois anos do governo Bolsonaro chamam a atenção, principalmente porque é possível notar uma escalada de ataques aos princípios da democracia liberal. Diariamente, se presenciam ataques à jornalistas, a professores, aos movimentos sociais, às universidades, à ciência, aos sindicatos, aos partidos de oposição, assim como às prerrogativas legais que garantem ao cidadão o direito de se posicionar política e ideologicamente.

Nesse sentido, é importante rememorar um passado recente em que, na ditadura militar (1964-1985) se organizou um aparato repressivo judicial-militar sob o argumento de combate ao inimigo interno, ou seja, contra todos aqueles que se opunham à ditadura militar e às suas ações. O resultado dessa estrutura dentro do Estado resultou em vigilância, perseguição, processos, prisão, tortura e mortes de muitos cidadãos brasileiros.

As informações e documentos sobre o aparelho repressivo que funcionou na ditadura militar estão presentes em livros, arquivos públicos, estudos acadêmicos nas universidades, livros de história. Um dos importantes arquivos desse período é o Projeto Brasil: Nunca Mais, disponível para pesquisas online. Num desses arquivos referentes à estrutura do aparelho repressivo organizado na ditadura militar (1964-1985), é possível observar que, à medida que avançava a resistência popular, outros organismos de repressão foram criados e a estrutura repressiva foi remodelada, principalmente a partir do Ato Institucional n.º5.

Toda essa organização estava de acordo a Lei 4.341, que criou o Serviço Nacional de Informação (SNI), em 1964. Essa Lei previa, entre outras questões reunir informações de interesse da segurança nacional. Havia uma grande estrutura repressiva organizada e atuante, ligados à Presidência da Republica, ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e ao Conselho de Segurança Nacional.

Historicamente alguns órgãos repressivos ficaram mais conhecidos, tais como a Departamento da Ordem Política e Social (Dops) criado nas primeiras décadas do século vinte, Centro de Operações e Defesa Interna (CODI), Destacamento de Operações de Informações (DOI), entre outros. Essa estrutura compunha a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), imposta como filosofia oficial a partir de 1964. A DSN foi gestada na Escola Superior de Guerra, fundada em 1949.

No caso específico do dossiê, o STF deu uma resposta condizente com as prerrogativas do Estado Democrático de Direito. Considerando-se as últimas decisões da suprema corte é possível observar que há o interesse em frear as pautas antidemocráticas que ferem os princípios do estado burguês, bem como, aquelas que flertam com atitudes fascistas e ditatoriais. Não obstante, não há o interesse em enfrentá-las a fim de ir às raízes dessas ações e aos seus respectivos responsáveis, como por exemplo, quando foram desferidos vários ataques aos integrantes do STF e até mesmo ameaça de intervenção na corte, considerando-se os mesmos princípios do estado burguês. Vale destacar, ainda, a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170), criada na ditadura militar, que passou a ser invocada pelo Ministério da Justiça para ameaçar opositores e críticos do presidente da república.

Muitas dessas posições da justiça brasileiras são compreendidas quando observamos que está em curso um grande pacto nacional em nome de uma suposta harmonia entre os poderes, a fim de não impactar nas questões econômicas, garantindo a manutenção dos lucros das grandes empresas e dos bancos. A justiça apenas apara algumas arestas, enquanto a campanha ideológica da extrema direita segue seu curso, garantindo, inclusive, o aumento de popularidade ao presidente que mantinha a pior avaliação entre todos os que ocuparam esse cargo após a redemocratização do país.

No bojo das ações desferidas por órgãos estatais contra opositores ao governo espera-se que as vítimas dos respectivos dossiês não se intimidem e que todos os espaços possíveis de denúncia sejam ocupados, para além do aparato judicial. Espera-se, também, que aqueles que acreditam na democracia e lutam contra o fascismo continuem empenhados nessa importante tarefa, afinal um governo que persegue defensores da democracia e antifascistas já confirmou de que lado está.


 

Edição: Pedro Carrano