Governo derrete

Tudo aponta para a saída de Guedes e fim de sua agenda, diz cientista político

Para Vitor Marchetti, Bolsonaro é cada vez mais refém do Centrão e governo precisa se livrar da agenda ultraliberal

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"A fatura já foi cobrada, a cabeça de Sergio Moro (ex-ministro da Justiça) e de Guedes" - World Economic Forum/Ciaran McCrickard

Mais do que sinais ou tendências, os fatos políticos das últimas horas confirmam o contexto de enfraquecimento político do presidente Jair Bolsonaro e sua tentativa de  sobreviver a um derretimento dramático.

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O desembarque dos agora ex-secretários especiais de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, mostra a eventual derrocada da agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes.

“Pensando no tripé com o qual Bolsonaro se elegeu, as agendas ultraliberal, lavajatista e comportamental-cultural, duas já foram rifadas: a lavajatista e a ultraliberal. Tudo aponta para a saída de Guedes, no curto ou médio prazo”, diz Vitor Marchetti, cientista político da Universidade Federal do ABC (UFABC).

“A equipe que sustentava a agenda se desfez”, acrescenta, lembrando que o economista Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional, vai ser sócio do banco BTG Pactual, do qual Paulo Guedes é cofundador.

O movimento de Mansueto mostra “a porta giratória funcionando”, ironiza Marchetti, e mostra que a ruptura do ex-secretário não é com Guedes, e sim com a agenda do governo, que tem cada vez mais que fazer concessões ao Centrão no Congresso Nacional.

E o que o centrão quer é incompatível com a agenda dos demissionários da equipe econômica: o bloco político informal do parlamento quer gasto do Estado. “Essa é a lógica do centrão, que se mantém politicamente com base no fisiologismo e nos investimentos do Estado, principalmente junto a prefeitos e com obras regionais.”

“Se já estava difícil manter a agenda ultraliberal num contexto de pandemia, a economia no mundo inteiro precisando de investimento do Estado, no contexto político atual, com Bolsonaro cada vez mais dependente do Centrão, a agenda ultraliberal do governo é rifada. A fatura já foi cobrada, a cabeça de Sergio Moro (ex-ministro da Justiça) e de Guedes. Esse é  o preço do Centrão, e o preço fica cada vez mais alto”, avalia o professor da UFABC.

Entre a cruz e a espada

Nesse contexto, não por acaso, Bolsonaro se rendeu, nesta quarta-feira (12), ao fato de que tornar-se refém do centrão pode ser sua salvação. Ele substituiu seu líder na Câmara Federal, o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), por Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro de Michel Temer e expoente do bloco no Congresso.

Mas, se Bolsonaro se escora no centrão e isso pode salvá-lo de um processo de impeachment, por exemplo, pode também ser a cruz do lado oposto da espada. “O preço do centrão não para de subir, e quanto mais escândalos surgirem do lado do governo, maior vai ser esse custo e mais Bolsonaro vai ter que pagar para ver”, aposta Marchetti.

O analista avalia que é de interesse dos líderes do centrão que o governo fique cada vez mais fraco, já que, com isso, eles podem subir o preço de acordo com a conveniência.

Derretimento

Para Marchetti, tudo aponta para o derretimento de Bolsonaro no médio prazo. As eleições municipais serão um “termômetro”: “O desempenho dos partidos de oposição e do próprio centrão, quais serão os sinais das urnas, e se haverá candidatos que vão se vincular ao bolsonarismo, que força isso ainda tem eleitoralmente.”

Outro termômetro, em sua opinião, serão as investigações em curso e que novos escândalos possam atingir Bolsonaro. O Supremo Tribunal Federal acabou “se blindando”, tendo em seu poder o inquérito das fake news, não só do processo em si como porque detém o tempo de julgamento. “É um tempo político, e o STF vai usar isso politicamente”, diz Marchetti. Ele observa que, no caso de Fabrício Queiroz, as expectativas da oposição se frustraram e o ex-assessor de Flavio Bolsonaro foi para prisão domiciliar por decisão do STJ.

Um novo escândalo pode derreter ainda mais a popularidade de Bolsonaro, que tem uma base popular “dura”, isto é, fiel, entre 10% a 15% do eleitorado, o que é insuficiente para se manter. O cálculo do governo é de que Bolsonaro só se sustenta se conseguir avançar para outros setores sociais, na opinião do analista, já que o presidente já não tem mais o apoio incondicional que tinha na classe média lavajatista e, em grande parte, defensora da agenda liberal.

Em busca do Nordeste

Bolsonaro, agora, vai tentar ir para regiões mais pobres do país. Ele tem crescido nessa parcela, principalmente no Nordeste. O auxílio emergencial, assim como a reconfiguração do Bolsa Família, que passará a ser “Renda Brasil”, fazem parte desse movimento, que o presidente já assume. Em 17 de agosto, ele visitará o Nordeste pela terceira vez desde junho.

Isso mostra que ele parece entender a necessidade de satisfazer os interesses políticos regionais e do centrão, em busca de sua própria sobrevivência política.

O que, por sua vez, implica no abandono da agenda ultraliberal, simbolizada pelo teto de gastos, por exemplo. “O governo sabe que depende disso, que vai precisar fazer muita distribuição de renda para manter uma base popular”, avalia o cientista político da UFABC.

Para ele, nesse contexto já bastante preocupante para Bolsonaro, é muito pouco provável que a privatização da Eletrobras ou a reforma administrativa passem no Congresso. “Essas agendas vão ter muito pouco fôlego para sobreviver. O Centrão tem bolsões muito fortes com o funcionalismo. As agendas de privatização e de reforma administrativa me parece que sobem no telhado”, conclui.