Coluna

Os efeitos sociais da pandemia no trabalho e na renda dos mais pobres

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É provável que em curto espaço de tempo tenhamos uma explosão dessas contradições. - Pedro Stropasolas
O "CoronaChoque" acelerou a destruição dos direitos trabalhistas e do mercado de trabalho brasileiro

Por Lauro Carvalho e Stella Paterniani*

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Seguimos com nossa série de textos que abordam experiências, questões e análises sobre os impactos da pandemia do novo coronavírus nas periferias. Clique aqui para ter acesso ao primeiro texto da série, Territorializar e racializar a pandemia.

O CoronaChoque intensificou a crise que já estava instalada no Brasil. Segundo o Boletim da Rede Pesquisa Solidária realizada entre os dias 5 a 11 de maio, com mais de 70 lideranças comunitárias em seis regiões metropolitanas do país, a fome aparece como o principal problema nas periferias em decorrência da pandemia. A mesma pesquisa aponta o desemprego, a redução do salário e a ausência de renda como o segundo efeito da pandemia nas periferias, com destaque para os casos dos trabalhadores informais e autônomos, dispensados sem garantia de remuneração nem previsão de retomada das atividades. É o caso das faxineiras, das cuidadoras, dos profissionais de manutenção e construção civil.

Segundo levantamento publicado pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), “a queda na ocupação foi significativa: 3,1 milhões na comparação com o mesmo período do ano anterior ou 4,9 milhões no comparativo com o trimestre anterior. Com isso, a população fora da força de trabalho salta de 64,9 milhões entre fev-abril de 2019 para 70,9 milhões”. Parte desse problema se explica pela combinação entre a dificuldade de buscar emprego e a diminuição das contratações.

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Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNADC) mostram que o desemprego entre jovens de 18 a 24 anos aumentou no primeiro trimestre de 2020, atingindo uma média nacional de 27,1% de jovens desempregados (no mesmo período de 2019, foi de 23,8%).  Entre esse público, a maior taxa é de mulheres (14,5% contra 10,4% de homens), autodeclaradas pretas ou pardas (15,2% e 14% respectivamente, contra 9,8% de brancas) e com ensino médio incompleto (20,4%, contra 6,3% com ensino superior completo). Na última quinzena de março, 7 milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho, 2 milhões a mais do que o número de homens. 

Outro elemento para ser levado em consideração é em relação aos afazeres domésticos. O levantamento de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já apontava que as mulheres dedicavam em média 18,5 horas semanais às atividades domésticas e cuidados de pessoas, contra 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens. Na pandemia, essa diferença tende a se intensificar.

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Não bastasse a maior vulnerabilidade em que as mulheres estão submetidas, elas ainda são a maioria na linha de frente do combate ao coronavírus. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem, 84,6% das equipes de enfermagem no Brasil (enfermeiros, auxiliares e técnicos) são predominantemente formadas por mulheres.  

Na quarentena, a violência doméstica também aumentou, principalmente nas regiões periféricas. Neste período, foi registrado um aumento de 9% nas denuncias via ligação no 180. Só em São Paulo, o aumento de denúncias chegou a 44,9%, e de registros de feminicídio a 46,2%. No Rio de Janeiro, esse aumento chegou a 50% nos casos de violência doméstica.

Outro elemento que gerou impacto nas periferias foi o Auxílio Emergencial (MP 937). Até o final de maio, foram registrados cerca de 107 milhões de pedidos e realizados quase 57 milhões de pagamentos. Mas esses números, além de insuficientes, revelam contradições. São muitos os problemas com o auxílio emergencial, como o atraso no recebimento, filas para receber, dificuldade para cadastro e desconsideração das pessoas em situação de rua. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva também demonstra a má distribuição dos recursos: um terço das famílias de renda A e B burlaram o cadastro e pediram o auxílio; destes, 69% foi aprovado.  

Neste cenário caótico, tem se destacado os entregadores e entregadoras de aplicativos e suas recentes mobilizações contra a precariedade do trabalho. Em sua maioria são jovens e negros das periferias, que, na falta de emprego formal, buscam saídas nas plataformas no chamado “empreendedorismo”. Maria Augusta Tavares considera que, no período de crise, os entregadores estão “presos do lado de fora”. Em entrevista, o professor Marco Aurélio Santana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que essa categoria somava cerca de 5,5 milhões de trabalhadores em 2019, e hoje representa cerca de um quarto dos trabalhadores por conta própria no país.

Um relatório técnico da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir), que entrevistou 252 entregadores de 26 estados sobre as condições de trabalho em empresas de plataforma digital durante a pandemia, aponta que os entregadores estão trabalhando mais e ganhando menos nesse período: 77,4% dos entrevistados estão realizando trabalho “ininterrupto”; 52% trabalham sete dias na semana e 25,4% trabalham seis dias semanais; 89,7% tiveram uma redução salarial ou mantiveram a mesma durante a pandemia, e apenas 10,3% obtiveram aumento. Quase metade deles (48,7%) recebiam até R$ 520,00 semanais antes da pandemia, percentual que subiu para 72,8% depois do início do novo coronavírus.

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É provável que em curto espaço de tempo tenhamos uma explosão dessas contradições. A destruição dos direitos trabalhistas e do mercado de trabalho brasileiro, a insuficiência das medidas de manutenção de empregos, o baixo valor e o pouco tempo de vigência do auxílio emergencial, os problemas relacionados as situações que o confinamento gera e o estado de calamidade está conduzindo o povo brasileiro a situações-limite. Para boa parte da população, ficar em casa não tem sido uma possibilidade.

Edição: Rodrigo Chagas