Pernambuco

FLEXIBILIZAÇÃO

Após semana com 6 mil novos casos, Pernambuco freia reabertura por uma semana

Estado decidiu não dar início à 5ª etapa de reabertura econômica; semana teve crescimento no número de mortes

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Os números fazem da semana em questão a 5ª pior semana de contágios de todo o período pandêmico no estado, além de ser a 4ª semana com mais registro de mortes - Reprodução

No último domingo (28) o estado de Pernambuco fechou sua 16ª semana (25ª no Brasil) de disseminação interna do novo coronavírus (Sars-CoV-2). O estado alcançou os 58.107 casos, dos quais 4.751 (8,2%) resultaram em morte; ainda 13.400 (23%) seguem em tratamento hospitalar ou em casa; e outros 39.956 (68,8%) já estão recuperados. 

Na última semana, de 22 a 28 de junho, Pernambuco registrou 5.994 novos casos de covid-19, queda de 858 casos (- 12,5%) em comparação à semana anterior; foram registradas 517 mortes, um aumento de 138 óbitos (+ 36,4%) em relação à semana anterior; e 6.004 pessoas se recuperaram da doença ao longo da semana. Os números fazem da semana em questão a 5ª pior semana de contágios de todo o período pandêmico no estado, além de ser a 4ª semana com mais registro de mortes.


Na última semana, de 22 a 28 de junho, Pernambuco registrou 5.994 novos casos de covid-19 / Vinícius Sobreira

A médica sanitarista Tereza Lyra, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professora da Universidade de Pernambuco (UPE), considera que foram importantes as medidas tomadas pelo Governo de Pernambuco na tentativa de manter o isolamento, mas avalia que reabertura da economia “se deu precocemente” e num ritmo inadequado “Na minha avaliação foi também muito acelerada. O plano era de 11 etapas em 11 semanas, mas várias etapas foram rapidamente antecipadas e isso é bastante problemático”, criticou Lyra. Ela pondera que a tentativa de isolamento social à brasileira trouxe peculiaridades.  “Outros países fizeram dois meses de isolamento social rigoroso e reabriram. Já nós estamos há mais de três meses em isolamento social, mas sem rigidez, comprometendo a saúde mental das pessoas”, diz a pesquisadora, que não isenta a responsabilidade da elite econômica local. “Mas sobretudo houve uma pressão muito grande dos setores econômicos pela reabertura”, lamenta.

Seria iniciada nesta segunda-feira (29) a 5ª etapa de retomada das atividades econômicas, que previa poucas as mudanças: seriam reabertas as feiras e polos de confecção; os estabelecimentos de venda, aluguel e vistoria de veículos, abertos desde o dia 15 com 50% dos trabalhadores, passariam a funcionar com 100%; seria permitida a prática de esportes coletivos de contato, assim como a realização de eventos esportivos, desde que sem presença de torcida. Tudo isso foi postergado, podendo ter início na próxima segunda (6 de julho) ou ser novamente adiado, a depender da avaliação do Governo do Estado.

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Na semana seguinte, caso o estado decida avançar à 6ª etapa, pode haver a reabertura de bares e restaurantes; a retomada dos serviços de escritório tanto do setor privado (com 50% dos funcionários) como público (com um terço dos funcionários); e a reabertura das academias de ginástica com acesso controlado e garantia do cumprimento de normas de higiene. Desde a última semana já estão reabertas igrejas e demais centros religiosos, com permissão de cultos de acordo com o tamanho do local; shoppings centers, inclusive com atendimento presencial em lojas; e praias e parques, com uso exclusivo para a prática de exercícios físicos que de movimento, sendo proibida a permanência no local e o consumo de bebidas e alimentos.

Na avaliação da médica sanitarista, o momento em Pernambuco exige uma estratégia de monitoramento da pandemia, com realização massiva de testes e para perceber a circulação do vírus. “Sem a realização de testes de forma ampla, não sabemos como a epidemia se comporta e se distribui. Precisamos conseguir identificar também os casos com sintomas leves ou assintomáticos, pois eles também disseminam a epidemia”, alerta Tereza. A pesquisadora também chama atenção para a taxa de ocupação de leitos no estado. Segundo ela, outros países têm reaberto a economia após alcançar uma taxa de ocupação de 70%, enquanto Pernambuco fez isso com mais de 90% dos leitos ocupados. “O critério dos leitos é importante para avaliar a reabertura. Mas em nenhum momento essa ociosidade foi dentro dos parâmetros internacionais de 30% ociosos para uma possível subida no número de casos”, diz a pesquisadora. A taxa atual de ocupação de leitos no estado segue próxima dos 80%.

Tereza Lyra também chama atenção para o que considera um dos problemas mais graves e urgentes para ser resolvido na tentativa de conter a pandemia: o transporte público. “É uma questão muito grave na Região Metropolitana, com aglomeração e exposição de motoristas, cobradores e passageiros. Deveria haver um isolamento do condutor, que é possível; e que os veículos nunca ficassem totalmente ocupados”, reforça a sanitarista. Lyra também sugere controle para manter 1,5 metro de distância nas filas nos terminais e reforça a obrigatoriedade do uso de máscaras. “Mas o que temos visto são ônibus superlotados, expondo as pessoas ao risco. Podem se cuidar em casa e no espaço de trabalho, mas na ida e volta do trabalho se expõem profundamente dentro de transportes”, lamenta a pesquisadora da Fiocruz.

Ainda sobre o momento atual de disseminação do novo coronavírus nas periferias das grandes cidades, a médica lamenta que nem o Brasil – e nem os estados ou municípios – tenham pensado estratégias que levassem em consideração as desigualdades sociais. “Há estudos do geógrafo Jan Bitoun [francês, professor da UFPE] e sua equipe, que mostram que a distribuição de casos na cidade do Recife é diferente de acordo com as condições sociais de cada aglomerado urbano”, diz Tereza, mencionando que nas periferias o número de mortes é mais alto e a identificação de casos é mais difícil. “Essa desigualdade não foi levada em conta, que seria fundamental para compreender o comportamento da pandemia e para montar estratégias específicas nessas localidades”, pontua.

Lyra menciona ainda uma experiência no bairro de Paraisópolis, periferia de São Paulo (SP) e que, segundo ela, poderia ter sido adotada pelos municípios. “A estratégia consiste em disponibilizar equipamentos públicos – como escolas – para as pessoas que não têm condições para fazer o isolamento em seus domicílios. E estas pessoas passam seus dias de quarentena nesses locais, sendo acompanhadas por equipes de saúde da família”, sugeriu. No entanto, segundo a médica e professora, sequer houve um fortalecimento da estrutura de atenção básica para o acompanhar a epidemia nos territórios.


O estado alcançou os 58.107 casos, dos quais 4.751 (8,2%) resultaram em morte / Vinícius Sobreira

Os gráficos do Brasil de Fato Pernambuco são atualizados semanalmente, fechando a semana a cada domingo e levando em consideração o período a partir de 16 de março, a primeira segunda-feira após início do isolamento social. Os primeiros casos em Pernambuco foram diagnosticados quatro dias antes, na quinta-feira (12 de março), um casal de pernambucanos que chegara da Itália. Até o momento se tem confirmação de que, dos 9 milhões e 500 mil pernambucanos, apenas 0,61% foram contaminados, entre os quais 69% (ou apenas 0,42% dos pernambucanos) estão recuperados e provavelmente imunes ao vírus.

A Prefeitura do Recife anunciou que fará diariamente a sanitização das ruas do centro da cidade e nas orlas. O Executivo municipal também anunciou a distribuição gratuita de 100 mil máscaras de tecido produzidas nas últimas semanas por mais de 100 costureiras e microempresas selecionadas em edital público.

A médica Tereza Lyra também critica a quase ausência do Governo Federal e do Ministério da Saúde durante a pandemia. “O Brasil perdeu várias oportunidades, que faz com que o país tenha hoje um quadro muito preocupante. Não houve um comando único, muito pelo contrário, houve disseminação de contrainformação”, diz a pesquisadora da Fiocruz. “O país não fez uma vigilância epidemiológica antecipada e não monitorou viajantes, mesmo sabendo o que estava acontecendo noutros países do mundo”, reclama.

A professora da UPE também destaca como falha do Governo Federal, estados e municípios a ausência de barreiras que impeçam a circulação entre municípios. “Temos percebido de maneira mais clara agora as consequências. Houve uma circulação constante entre a capital e o interior e hoje todos os estados estão vivendo o fenômeno de interiorização da epidemia”, avalia. “E a interiorização traz outros problemas, já que os serviços de alta complexidade estão concentrados na capital”, completa Lyra.

Retomada “congelada”

85 municípios da Zona da Mata e do Agreste seguem estacionados na 2ª etapa da retomada das atividades econômicas, em que só estão permitidos os serviços essenciais; o comércio atacadista; o funcionamento de lojas de shoppings e outros centros de compras exclusivamente no sistema delivery ou de coletas presenciais; o atendimento médico, odontológico, fisioterápico, psicológico e veterinário; e a construção civil (com 50% dos trabalhadores).

Caruaru e Bezerros

Desde a última sexta-feira (26) os municípios de Caruaru e Bezerros iniciaram uma quarentena exclusiva nos dos municípios, com duração de apenas 10 dias, até o próximo domingo (5). Os dois municípios ainda apresentam taxas crescentes de novos contágios e são responsáveis, juntos, por 71% dos novos casos na região Agreste. As regras nos dois municípios são as mesmas que valeram para todo o estado na quinzena de 18 a 31 de maio: isolamento social, com atendimento presencial apenas em supermercados, padarias, farmácias, postos de gasolina; restaurantes e lanchonetes funcionarão apenas com serviços de entrega em domicílio (delivery). As exceções são para exceções para as indústrias e a construção civil (esta, com 50% de seus funcionários), que seguem em funcionamento, obedecendo medidas sanitárias. 

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Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (26), o secretário estadual de Saúde, André Longo, avaliou que o momento é de “reflexão” para Bezerros e Caruaru, considerando que o nível de compromisso da população com as medidas de isolamento é o que vai definir quando os municípios poderão retomar suas atividades. E fez um alerta aos sertanejos. “A doença chega neste momento com mais força no Agreste, mas prevemos que nas próximas semanas ela deve chegar com mais força também no Sertão, o que vai exigir de nós medidas similares”, pontuou.

Edição: Vanessa Gonzaga