Revanchismo

Fake News: Senado tenta votar texto apresentado minutos antes, mas adia votação

Pressa de Davi Alcolumbre gerou protestos mesmo entre favoráveis ao PL; parecer deve ser votado na terça-feira (30)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Quinta versão do relatório, com 97 páginas, foi protocolada a menos de 10 minutos do início da sessão plenária - Waldemir Barreto/Agência Senado

Após mais de duas horas de faíscas e protestos, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resolveu adiar a votação do Projeto de Lei (PL) 2630/2020, conhecido popularmente como “PL das Fake News”, que estava marcada para esta quinta-feira (25). Senadores de diferentes legendas criticaram a tentativa de votar o texto do relator, Ângelo Coronel (PSD-BA), que protocolou a quinta versão do parecer nove minutos antes do início da sessão do plenário.

O conteúdo do PL vinha dividindo os parlamentares, mas a apresentação do documento momentos antes da votação endossou as críticas dos opositores e fez com que mesmo parte dos senadores favoráveis à medida defendesse o adiamento da decisão sobre o texto. A tentativa de votação às pressas desgastou a relação entre algumas lideranças e o presidente da Casa, que acabou anunciando a votação do parecer para a próxima terça-feira (30) para “atender ao apelo de vários líderes partidários”. “O Senado iniciou hoje a primeira etapa para enfrentarmos o grave problema das notícias falsas”, disse Alcolumbre.

A proposta, no entanto, está cercada de controvérsias. Líder da oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse ser contrário ao que chamou de “quadrilhas digitais”, mas ponderou que os parlamentares não teriam condição de analisar, em tempo hábil para a votação, as 79 páginas do novo relatório e que o parecer não atende aos parâmetros democráticos.

“Sem ouvir a sociedade, sem ouvir ninguém, colocarmos a fórceps o texto – inclusive, no meu sentir, ferindo o regimento – para a apreciação não é de bom tom”, disse.

Novidades

A nova versão do relatório trouxe algumas mudanças em relação à anterior, mas manteve pontos que estão entre os mais controversos da proposta, como a possibilidade de se fazer uma identificação em massa de usuários de internet e a permissão para que plataformas digitais retirem determinados conteúdos do ar de forma imediata. Especialistas apontam, para esses casos, riscos à privacidade e chances de perseguição política e censura prévia.  

“É difícil avaliar, num curto espaço de tempo, um tema tão complexo como esse. É evidente que ninguém aqui defende fake news, mas a gente precisa garantir a liberdade de expressão e, evidentemente, evitar também que as pessoas se escondam atrás do anonimato, o que é muito ruim, mas não dá pra aprovar um texto desse”, criticou Izalci Lucas (PSDB-DF). “Só queremos a proteção da sociedade brasileira”, rebateu o relator, Ângelo Coronel.

Em tom de revanchismo político-eleitoral, a bancada do PT defendeu o conteúdo da proposta, que foi avalizada por membros como Paulo Paim (RS) e Humberto Costa (PE). Líder do grupo, Rogério Carvalho (SE) chegou a propor o adiamento, enquanto Costa, por exemplo, defendeu que o projeto fosse votado “o mais rápido possível” pelo fato de os disseminadores de fake news atacarem “reputações e instituições democráticas”.  

“Mais ainda, nós vamos ter eleições agora no segundo semestre. Se não houver um freio, uma lei que claramente seja capaz de identificar quem comete crimes e criar as condições de essas pessoas serem processadas, não vamos estar fazendo nada, e serão mais uma vez resultados eleitorais maculados por essa prática que, no Brasil, tornou-se uma ameaça direta à democracia”, acrescentou Costa.

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Durante o debate, não faltaram manifestações de que os defensores do texto estariam votando “com o fígado”. Constantemente atacados por adversários políticos e por grupos extremistas que pedem o fechamento do Congresso e disseminam fake news nas redes, os atores favoráveis ao PL estariam interessados em frear a máquina de propagação de conteúdos falsos movidos pelo interesse pessoal e político que circunda a questão. O tema tem incendiado os bastidores da política em Brasília.

Essa legislação não vai ser pra nós. Vai ser pra todos os brasileiros.

“Nós não podemos utilizar o Senado da República como instrumento de vingança particular. Essa legislação não vai ser pra nós. Vai ser pra todos os brasileiros. Se cometermos erros – porque há uma linha muito tênue entre liberdade de expressão, os princípios de neutralidade de rede que tem na internet e o uso criminoso das fake news –, isso pode até se voltar contra nós. No afã de tentar reagir às quadrilhas digitais, nós podemos estar ferindo princípios muito sensíveis”, sublinhou Randolfe Rodrigues, ao mencionar o Artigo V da Constituição Federal.

Também contrário ao conteúdo e à velocidade da tramitação da proposta, o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que a imagem da Casa tende a ser afetada pelo atropelo das discussões. “Este projeto vai fazer muito mal ao Senado. Um presidente que ontem demonstrou grandeza hoje está se deixando levar pelas vozes que provêm do fígado. O Senado sairá apequenado, amesquinhado se este texto for aprovado nesta corrida desenfreada”, protestou”.  

O Senado sairá apequenado, amesquinhado se este texto for aprovado nesta corrida desenfreada.

Edição: Rodrigo Chagas