Paraná

Pandemia

Aldeia indígena tem explosão de casos de Covid-19, no Oeste do Paraná

Dos 35 casos na aldeia, 20 são de trabalhadores da empresa Lar Cooperativa Agroindustrial

Francisco Beltrão (PR) |
Em uma semana, Terra Indígena Tekoha Ocoy teve 35 casos confirmados de Covid-19 - Divulgação

Em menos de uma semana, a Terra Indígena Tekoha Ocoy, no município de São Miguel do Iguaçu, Oeste do Paraná, passou de quatro para 35 casos positivos de Covid-19. Com a explosão do número de infectados, a aldeia foi interditada e o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram à empresa Lar Cooperativa Agroindustrial que afastasse os trabalhadores indígenas – já que 20 dos 35 casos positivos são de trabalhadores que se infectaram nas unidades. De acordo com o cacique Celso Japoty Alves, a empresa ainda não se manifestou à comunidade.

As recomendações do MPT e MPF são para as unidades de Matelândia e Medianeira, também do Oeste do Paraná, onde trabalham cerca de 45 indígenas da aldeia. No documento, assinado na sexta-feira, dia 19, pelo procuradores Fabrício Gonçalves de Oliveira e Indira Bolsoni Pinheiro, é solicitado que os funcionários indígenas sejam afastados imediatamente, sem ônus ao salário. A Lar Cooperativa Agroindustrial também não deve realizar qualquer rescisão de contrato, de acordo com a recomendação. Caso os trabalhadores sejam demitidos, a empresa pode responder por “ato discriminatório”.

A recomendação foi feita após uma reunião por videoconferência entre Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), MPF, MPT, entidades de órgãos federais, estaduais e municipais mais o cacique da Terra Indígena, e considera o risco dos indígenas diante da escalada de casos após as contaminações na empresa.

Segundo o último boletim epidemiológico, de terça-feira, dia 23, a Terra Indígena Tekoha Ocoy tinha 35 casos confirmados da doença, 18 casos suspeitos (aguardando resultado), 15 casos suspeitos (aguardando coleta), 24 descartados e um profissional afastado. Segundo o cacique, não há nenhum indígena em estado grave. 

Escalada de casos, ações de segurança e violência

O primeiro caso na Terra Indígena foi confirmado na quarta-feira, dia 17. Tratava-se de um trabalhador da empresa Lar, de 31 anos. No dia seguinte, quinta-feira, mais três casos foram confirmados. Entre eles estava um bebê de pouco mais de um mês de vida, que precisou ser internado. A criança foi liberada no mesmo dia, mas acendeu a preocupação da disseminação da doença na aldeia.

Apesar disso, segundo o cacique, até então a empresa não havia dispensado os indígenas, embora o Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na Atenção Especializada, elaborado pelo Ministério da Saúde, considere como grupo de risco a “população indígena aldeada ou com dificuldade de acesso”, o que vai de acordo com uma portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai), que estabelece medidas temporárias de prevenção à infecção e propagação da Covid-19 em terras indígenas.

Desde os primeiros casos confirmados, trabalhadores indígenas da empresa se negaram a ir para evitar mais exposição ao vírus. Também como forma de evitar exposição, o cacique e outras lideranças fecharam as duas entradas da aldeia e começaram a encaminhar os indígenas à escola da comunidade, onde eram monitorados.

Na madrugada de sábado (20), no entanto, menos de 24 horas após o fechamento da entrada da Terra Indígena, um veículo driblou a barreira e entrou na comunidade. Segundo o cacique, o motorista estava embriagado e ameaçou as lideranças indígenas devido ao fechamento das entradas. Também foram ouvidos disparos de arma de fogo. O homem fugiu e deixou o carro na aldeia, que foi retirado na tarde de sábado, após o cacique denunciar a invasão. 


Segundo cacique, homem embriagado invadiu a aldeia com carro, na madrugada de sábado, e fez ameaças contra a comunidade / Divulgação

Setor verde e vermelho

A Defesa Civil e a Guarda Municipal de São Miguel do Iguaçu foram à comunidade no mesmo dia. Eles auxiliaram a interditar a comunidade e fechar as entradas desbloqueadas com a passagem do veículo, além de realizarem a desinfecção das casas, carros, bancos, escola e da Unidade Básica de Saúde (UBS) – o que atendia a pedidos da reunião com as autoridades. Também foram instaladas barracas e instituídos os setores “verde” e “vermelho” na Terra Indígena.

De acordo com este novo protocolo, no setor verde, onde há cinco barracas e oito salas de aula, devem permanecer indígenas com suspeita de Covid-19 e que estejam sintomáticos. A permanência deles na área verde deve se dar a partir da coleta do exame até o resultado. Caso estejam com a doença, eles serão encaminhados ao “setor vermelho”, onde haverá o isolamento coletivo, que deve durar 14 dias. 


Defesa Civil e Guarda Municipal de São Miguel do Iguaçu instalaram barracas e elaboraram protocolos de ação para setores “verde” e “vermelho” / Iélita Santos

Plano de contingência

As medidas fazem parte de um plano de contingência elaborado pelas autoridades e que contempla três áreas de ações: Assistência aos pacientes com Covid-19 que agravarem na Aldeia; Ação de Diagnóstico dos Suspeitos Sintomáticos e Isolamento Individual; e Isolamento/quarentena dos casos.

Apesar de contemplar todas as áreas, o plano apresenta 15 pendências, que não possuem prazos de cumprimentos, ou seja, deixam em aberto quando as medidas serão completamente efetivadas. Entre elas estão os aluguéis de banheiros químicos a serem distribuídos na Terra Indígena, contrato com empresa que distribua marmitas – café da manhã, almoço e janta –, disponibilização de uma técnica para realizar a coleta dos exames de Covid-19, instalação de computadores com câmera para acompanhamento de telemedicina para os setores verde e vermelho, providenciar a separação entre cozinha e banheiro no setor vermelho e conseguir colchões e material de higiene individual para o setor verde.

O documento também cita o hospital Padre Germano Lauck (HMPGL), de Foz do Iguaçu, como referência para atendimento aos indígenas em caso de agravamento. Mas segundo o último boletim divulgado pelo hospital, no dia 22 de junho, às 19h, a ocupação de leitos de UTI Covid na unidade era de 75%, com cinco leitos disponíveis para 15 ocupados. Já os leitos de isolamento transitório estavam com 67% de ocupação (8 ocupados e 4 disponíveis), e os leitos de enfermaria com 20% de ocupação (10 ocupados e 44 disponíveis).

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a Funai e a Lar Cooperativa Agroindustrial, mas não foi respondida até a publicação desta reportagem.

 

Edição: Lia Bianchini