Rio de Janeiro

Memória

"Brizola faz falta", destacam lideranças que conviveram com o ex-governador do Rio

No último domingo (21), completou-se 16 anos da morte do político gaúcho conhecido pela coragem e o discurso forte

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Aos 82 anos, Brizola partiu deixando como legado uma atuação política incansável em prol das classes menos favorecidas do País - Divulgação PDT

Sem poder visitar o túmulo de Leonel Brizola em São Borja, interior do Rio Grande do Sul, uma tradição do Partido Democrático Trabalhista (PDT) em todos os dias 21 de junho, desde a sua morte, líderes do partido fizeram uma homenagem online. A live contou com a participação de sua neta, a deputada estadual Juliana Brizola, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, e o seu vice-presidente Ciro Gomes.

Há 16 anos da morte do caudilho gaúcho Leonel de Moura Brizola, velhas lideranças gaúchas também recordam seus feitos e sentem falta de suas atitudes na atualidade. O jornalista Batista Filho, que trabalhou com Brizola na Rede da Legalidade e até hoje, aos 80 anos, continua militante do PDT, reverencia seu antigo chefe:

“Brizola, por sua história de luta, convicções, resistência, conquistas, sofrimento e relevância na política brasileira exige um tratado, uma conferência. A necessidade de síntese traz a definição em uma só palavra: patriota! Sonhou sempre com uma grande nação erigida por um povo maior. Educado, solidário, justo socialmente. No atual cenário sombrio de lideranças, faz falta!”. Já o também jornalista Carlos Bastos acrescenta: 

O Brasil está precisando do discurso forte de Brizola.

Os dois conviveram com Leonel de Moura Brizola quando ainda era governador do Rio Grande do Sul e o acompanharam até o final de seus dias, depois de uma carreira marcada por resistência a golpes militares (1961) e midiáticos (na sua eleição a governador do Rio de Janeiro na volta do exílio).

O advogado e ex-deputado estadual Pedro Ruas (Psol-RS) também tem saudades do antigo caudilho. “Nós completamos 16 anos sem o comandante. Aprendi com meu pai, desde criança, a tratar Brizola como o "canhão do povo", o homem que lutava abnegadamente pela melhoria das condições de vida do povo brasileiro. O chefe da legalidade, que conduziu a população a uma vitória extraordinária sobre os militares golpistas de 1961, enfrentando forças poderosas da direita nacional e mundial. Depois, perseguido e exilado pela Ditadura Militar, Brizola era sempre nossa referência de luta e coerência, porque ele, de fato, fez da política a ferramenta das transformações sociais. O guerreiro da educação, que acreditava que somente a educação ‘pública, integral e de qualidade’, poderia dar igualdade de oportunidade a todos", lembra.

Ruas destaca ainda, “o homem que dizia que ‘o dinheiro público era sagrado’, impedindo e combatendo a corrupção que tanto infelicitou - historicamente - nossa nação. O governador que fez mais de seis mil escolas no Rio Grande do Sul, além de criar inúmeras estruturas públicas - como a CEEE [Companhia Estadual de Energia Elétrica] e a CRT [Companhia Riograndense de Telecomunicações] - para atender a sociedade e viabilizar um desenvolvimento para todos. O mesmo homem que, por sinal, proibiu a polícia do Rio de Janeiro de subir os morros, porque ela só ia lá 'para se vender ou cometer violências'. Eu tive a honra de ser seu amigo pessoal e militante sob sua orientação. Brizola faz falta? Muita, é claro. Mas quem aprendeu com ele - e assumiu seus mesmos compromissos - tem a obrigação de levar adiante seu legado de coragem na defesa dos interesses reais do nosso querido povo brasileiro”.

Um menino pobre do interior

Conforme os arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonel Itagiba de Moura Brizola nasceu na localidade de Cruzinha de São Bento, distrito de Carazinho, na região Noroeste do Rio Grande do Sul, em 22 de janeiro de 1922. Era filho de José Oliveira dos Santos Brizola, cujos pais mudaram-se de São Paulo para o Rio Grande do Sul, e de Onívia de Moura, filha dos primeiros povoadores do município gaúcho de Nonoai.

Brizola era o caçula do casal, que também teve outros quatro filhos: Irani, Francisca, Paraguassú e Frutuoso. Seu pai, José Oliveira, era um pequeno fazendeiro que foi assassinado por soldados leais a Borges de Medeiros durante a "revolução gaúcha de 1923". Brizola foi alfabetizado por sua mãe antes de ingressar no ensino primário. Estudou, por pouco tempo, como bolsista em uma escola de Não-Me-Toque, no interior do Rio Grande. Quando tinha 10 anos de idade, foi morar sozinho em um sótão de um hotel em Carazinho, também no Rio Grande, onde lavava pratos para ganhar comida e carregava malas até uma estação férrea.

Ajudado pela família de um pastor metodista, recebeu uma bolsa de estudos que lhe permitiu concluir o primário no Colégio da Igreja Metodista. Em 1936, aos 12 anos de idade, Brizola mudou-se para a capital, Porto Alegre, onde trabalhou em diversas funções, como engraxate e ascensorista, e concluiu um curso de técnico rural no Ginásio Agrícola Senador Pinheiro Machado, em 1939.

Um estudante exemplar

Em 1942, Brizola concluiu o ensino fundamental como bolsista no Colégio Nossa Senhora do Rosário. Em seguida, licenciou-se de seu trabalho na prefeitura e alistou-se no 3º Batalhão de Aviação do Exército (atualmente a Base Aérea de Canoas). Com o fim de seu serviço militar, voltou a trabalhar como jardineiro, concluindo o curso científico (equivalente ao ensino médio), no Colégio Júlio de Castilhos, e um curso de piloto privado. No Júlio de Castilhos, foi um dos fundadores do Grêmio Estudantil, sendo seu vice-presidente. Em 1945, foi aprovado no vestibular da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, graduando-se como engenheiro civil, em 1949.

Em 1950, já militando no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), casou-se com Neusa Goulart Brizola, irmã do João Goulart, seguidor de Getúlio Vargas e um dos fundadores do PTB os dois eram deputados estaduais do partido. O casamento foi na Fazenda Iguaria, em São Borja, e um dos padrinhos foi o presidente Getúlio Vargas. Em 1952, foi eleito prefeito de Porto Alegre.

Em 1959, foi eleito governador do Estado do Rio Grande do Sul, durante o seu mandato construiu seis mil escolas, era um entusiasmado pela educação, e criou diversas empresas estatais, com a encampação da Força e Luz criou a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), criou a Companhia Riograndense de Telecomunicações, desapropriando a Companhia Telefônica (subsidiaria da ITT) e promoveu um processo de desenvolvimento no Estado, seguindo a linha de Júlio de Castilhos, presidente provincial durante a primeira República de linha positivista.


Brizola montou nos porões do Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho, a Rede da Legalidade, onde convocou os batalhões do exército e o povo às ruas para barrar o golpe / Reprodução

Em 1961, quando da renuncia do ex-presidente Jânio Quadros, organizou a Rede da Legalidade e garantiu a posse do vice-presidente João Goulart que estava em viagem na China e tinha a obstrução de vários comandantes militares. Resistiu bravamente ao golpe no Palácio Piratini, armado de metralhadora e sustentando sua posição contra a ameaça de bombardeio pela Força Aérea. Convenceu ao comando do Terceiro Exército a aderir a posse de João Goulart.

Reforma Agrária

Como governador realizou a primeira reforma agrária da história da República no país.

Para isso, criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária. Na época, 1,83% dos proprietários eram donos de 47,97% das terras, enquanto 85% ficavam com 24% das terras. O instituto, além de prestar assistência técnica, garantiu verbas para que os produtores comprassem máquinas, animais e sementes. 

Brizola ajudou a organizar acampamentos do Movimento dos Agricultores Sem Terra, conhecidos como Master. Em Sarandi, cerca de 10 mil pessoas participaram de um acampamento para reivindicar a divisão de 20 mil hectares de terras, que não mantinham produção, pertencentes a uma multinacional. Em junho de 1962, decretou a concessão dos títulos de propriedade de terras da região do Banhado do Colégio, beneficiando em torno de seiscentas famílias.

Entre 1961 e 1964, atuou na ala radical da esquerda independente, onde pressionou por uma agenda de reformas sociais e políticas radicais e por uma mudança na legislação eleitoral que permitisse sua candidatura na eleição presidencial de 1965. Brizola foi visto como autoritário e briguento, capaz de lidar com seus inimigos usando a agressão física; por exemplo, agrediu o jornalista de direita David Nasser no aeroporto do Rio de Janeiro.

Para não renunciar ao mandato de governador gaúcho, Brizola mudou seu domicilio eleitoral aceitando o convite do PTB do Rio de Janeiro, onde candidatou-se a deputado federal, elegendo-se com 269.384 votos, ou um quarto do eleitorado do Estado de Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro.

O exílio

Em abril de 1964, um golpe de Estado derrubou Goulart. Brizola acolheu-o em Porto Alegre, na esperança de incentivar o exército local a reagir e assim restaurar o governo deposto. Brizola se envolveu em planos para enfrentar os militares, inclusive proferindo um ardente discurso público na Câmara Municipal de Porto Alegre, exortando os suboficiais do exército a "ocupar quartéis e prender os generais", o que lhe valeu o ódio duradouro dos comandantes militares da ditadura.

Depois de um mês mal sucedido no estado, Brizola se exilou no início de maio de 1964 no Uruguai, onde Goulart já estava no exílio após demonstrar pouco interesse com as tentativas de resistência armada. Politicamente solitário no início de seu exílio, eventualmente preferiu a política insurrecional ao reformismo. No início de 1965, um grupo de simpatizantes seus tentou e não conseguiu articular uma guerrilha nas montanhas do leste brasileiro ao redor de Caparaó. Outro grupo de guerrilheiros brizolistas se dispersaram após um confronto com o Exército no Sul.


Imagem clássica de Leonel Brizola no exílio no Uruguai / Divulgação

Sempre acompanhado pelos serviços de inteligência, Brizola teve que abandonar seu exílio no Uruguai, onde tinha virado fazendeiro.

Os militares no poder temiam sua liderança popular. Foi para Nova Iorque, nos Estados Unidos, depois para Lisboa, em Portugal, de onde retornou ao Brasil, depois da anistia, em 1979, chegando por São Borja, considerada o berço do trabalhismo.

Em 1982, Brizola foi impedido de usar o nome histórico do Partido Trabalhista Brasileiro, anteriormente concedido a um grupo rival centrado em torno de uma figura amigável a ditadura militar, a deputada Ivete Vargas, a sobrinha-neta de Getúlio Vargas. Brizola, então, fundou um partido inteiramente novo, o Partido Democrático Trabalhista. O partido se juntou à Internacional Socialista em 1986, e desde então seu símbolo continua sendo uma mão com uma flor vermelha (o símbolo da SI).

Brizola rapidamente restaurou sua proeminência política no Rio Grande do Sul e também no estado do Rio de Janeiro, onde buscou uma nova base de apoio político. Em vez de se associar com a classe trabalhadora organizada - quer por meio do sindicalismo corporativista ou competindo com Lula pelo apoio do novo sindicalismo - Brizola buscou uma base de apoio entre os pobres de áreas urbanas não organizados por meio de um vínculo ideológico entre o nacionalismo radical tradicional e um populismo carismático e amigável. Para os seus adversários, Brizola e o seu Brizolismo representavam negociações sombrias com as subclasses "perigosas" e ressentidas. Em 1989, concorreu à presidência da República, perdeu para Lula e não chegou ao segundo turno.

Leonel Brizola morreu de infarto do miocárdio no Rio de Janeiro em 21 de junho de 2004, depois de velado no Palácio da Guanabara, foi levado para São Borja onde já estavam sepultados seu cunhado João Goulart e sua mulher, Neusa Goulart Brizola. Cerca de 20 mil pessoas acompanharam o seu enterro no cemitério municipal.

Três netos de Brizola entraram para a política defendendo suas ideias: Brizola Neto (PDT), foi deputado federal pelo Rio de Janeiro e ministro do Trabalho no governo Dilma; Leonel Brizola Neto (PSOL), é vereador do Rio de Janeiro; e Juliana Brizola (PDT) foi vereadora de Porto Alegre e é deputada estadual do Rio Grande do Sul.

Luta contra a Rede Globo

Ao longo da vida, Leonel Brizola conquistou diversas e importantes vitórias, mas a execução do direito de resposta no Jornal Nacional, em 15 de março de 1994, que foi conquistado na Justiça contra a Rede Globo, representa até hoje um marco épico do processo de defesa da honra de uma figura pública no jornalismo brasileiro.

Transcrição, na íntegra, do direito de resposta:

“Todos sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui citam o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo brasileiro.

Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar editorial de ‘O Globo’, fui acusado na minha honra e, pior, apontado como alguém de mente senil.

Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que o use para si.

Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso país.

Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou na quinta-feira, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípios. É apenas o temor de perder o negócio bilionário, que para ela representa a transmissão do Carnaval.

Dinheiro, acima de tudo.

Em 83, quando construí a passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar de todas as formas o ponto alto do Carnaval carioca. Também aí não tem autoridade moral para questionar. E mais, reagi contra a Globo em defesa do Estado do Rio de Janeiro que por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior.

E isso é que não perdoarão nunca.

Até mesmo a pesquisa mostrada na quinta-feira revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria antes um dever para qualquer órgão de imprensa, dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção.

Quando ela diz que denuncia os maus administradores deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder.

Se eu tivesse as pretensões eleitoreiras, de que tentam me acusar, não estaria aqui lutando contra um gigante como a Rede Globo.

Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado.

Quando me insulta por nossas relações de cooperação administrativa com o governo federal, a Globo remorde-se de inveja e rancor e só vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível: quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesma.

Que o povo brasileiro faça o seu julgamento e na sua consciência lúcida e honrada separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis, gananciosos e interesseiros.

Leonel Brizola”.

Edição: Mariana Pitasse e Kátia Marco