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“Maioria dos que estão em UTI morre”, conta trabalhadora de hospital municipal do Rio

Profissional de saúde fala sobre rotina de trabalho em hospital referência para tratamento de covid-19 na capital

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Além do grande número de pacientes, os profissionais também enfrentam antigos problemas estruturais que se tornaram ainda piores durante a pandemia - AFP

“Os pacientes de covid entram em estado grave. Cerca 99% dos que estão no CTI [Centro de Terapia Intensiva] e UTI [Unidade de Terapia Intensiva] estão sedados e entubados. Estou há dois meses lá e conto nos dedos os que vi tendo alta. Infelizmente, a maioria vai a óbito, essa doença tem uma evolução muito rápida no organismo", afirma Maria*, técnica em enfermagem do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, localizado em Acari, zona norte do Rio de Janeiro. A unidade se tornou o hospital de referência no tratamento de pacientes com covid-19 na capital. Ela conta como está sendo a rotina de trabalho dos profissionais de saúde na rede pública durante a pandemia.

“No meu último plantão, assumi com 20 pacientes. Infelizmente tivemos quatro óbitos e uma parada [cardíaca], mas essa foi revertida, então passamos o plantão com 16 pacientes”, conta a técnica. As quatro mortes ocorreram em um intervalo de 12 horas, entre a noite do último dia 28 e a madrugada do dia 29. O número de óbitos, apenas em uma das cinco alas de CTI, tem sido comum, segundo a profissional da saúde.

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“O paciente de covid-19 fica com a parte respiratória, a parte de pressão, glicemia e a função renal bem debilitadas. A pressão fica instável devido aos medicamentos que estão sendo administrados e a maioria dos pacientes fica hiperglicêmica [alto índice de glicose no sangue]”, relata a técnica.

No início da pandemia, o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla passou por uma reestruturação dos setores para atender aos casos de covid-19. A maternidade e a UTI Neonatal deixaram de existir e todos os pacientes que estavam na unidade receberam alta ou foram transferidos. Atualmente, apenas pacientes com coronavírus estão internados. São dois andares de clínica médica para covid-19 e sete alas de CTI, porém, até o momento, duas estão fechadas por falta de equipamento: “dizem que estão esperando os respiradores chegarem”, conta a técnica em enfermagem.

Dados oficiais do município do Rio mostram que a abertura de leitos para pacientes de covid-19 é urgente, especialmente nas alas de tratamento intensivo. Segundo o último balanço da Secretaria de Saúde do Rio, no último domingo (31), 97 pessoas aguardavam por leitos destinados aos pacientes com coronavírus. Dessas, 73 precisavam de uma vaga na UTI. Segundo Maria*, no momento, “os CTIs do Ronaldo Gazolla estão todos cheios”.

Além do grande número de pacientes, os profissionais também enfrentam antigos problemas estruturais que se tornaram ainda piores durante a pandemia. No mês passado, a falta de medicamentos básicos, como antibióticos, remédios para náuseas e para proteção de estômago, acabaram. Foram cerca de duas semanas sem os medicamentos. “Os médicos substituíram por outras medicações, que precisam ser usadas em maior quantidade”, conta a funcionária.

Cotidiano no hospital

Administrar a medicação no paciente é uma das várias atividades realizadas durante o plantão de 12 horas. “Depois que recebo o plantão, preciso checar as bombas que contêm as medicações de sedação e os monitores para saber como estão os sinais vitais daquele paciente. Então, depois eu peço todas as medicações que terei que usar naquele período. Peço fraldas, luvas e todos os materiais. Enquanto a farmácia separa as medicações, eu e minha dupla começamos os cuidados de higiene, troca de fralda e roupa de cama”, explica Maria*.

Após a parada para o lanche, que dura cerca de 30 minutos, a medicação começa a ser administrada conforme o horário de cada uma. O monitoramento dos pacientes de CTI é feito de hora em hora e a vigilância precisa ser constante: “o período de descanso dura três horas, mas nem dá para aproveitar o tempo, porque os pacientes de CTI são instáveis. Se já tiver dando complicação tem que ficar sobre alta vigilância. Essa doença ainda é uma incógnita, o paciente piora muito rápido”, relata a técnica.

O lanche e o descanso são o único período em que os profissionais podem retirar o equipamento de proteção individual (EPI). As marcas, depois de 12 horas de plantão, ficam na pele. Porém, o uso desses materiais – luvas, máscara, capote, óculos, entre outros – são fundamentais para a segurança dos profissionais de saúde.

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“Quando termino o meu plantão, retiro meu pijama, coloco dentro de um saco e desprezo no container de roupa infectante no hospital. Troco minha máscara e vou para casa. Antes de entrar em casa, ainda na varanda, retiro a roupa toda e coloco na máquina de lavar. Não toco em nada e em ninguém, vou direto para o banho. Só depois falo com a minha família. Mudou tudo!” avalia a técnica em enfermagem.

Dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) relevam que o Brasil é o país com o maior número de mortes entre profissionais de saúde no mundo. O relatório, publicado há uma semana, releva que são mais de 17 mil casos confirmados e 157 mortes apenas entre enfermeiros, técnicos e auxiliares.

*O nome da entrevistada foi alterado para garantir o sigilo da fonte.

Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)

Edição: Mariana Pitasse