Pernambuco

Aniversário

Armazém do Campo completa um ano de atividades dando exemplo de solidariedade

Na pandemia, mercado de produtos orgânicos abriu mão de ganhos para cuidar das pessoas em situação de rua nas redondezas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
No Armazém do Campo, diversas ações de solidariedade têm atendido à população que vive nas proximidades do mercado - Mãos Solidárias

Em maio de 2019 o centro do Recife ganhou um ponto de comercialização de produtos orgânicos e agroecológicos produzidos por acampados e assentados na luta por reforma agrária. O Armazém do Campo, idealizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em pouco tempo se tornou também um polo cultural, onde artistas pernambucanos se apresentam semanalmente sem que a casa cobre ingresso. E, naturalmente, se firmou como um ponto de encontro de militantes populares e defensores de uma sociedade mais democrática e igualitária. Mas, desde março, quando a pandemia do novo coronavírus chegou a Pernambuco, o comércio se tornou também um ponto de encontro das ações de solidariedade.

O MST se uniu a movimentos com atuação voltada para a população em situação de rua e transformou o Armazém num ponto de distribuição gratuita de marmitas, com a campanha Marmitas Solidárias. Desde o fim de março, os grupos distribuem diariamente entre 500 e 600 marmitas (metade no café da manhã, metade no jantar) para pessoas que estão vivendo nas ruas e para moradores de comunidades da redondeza que se dirigem ao local por estarem passando dificuldades em casa. Além de receberem doações por uma conta bancária disponibilizada pela campanha, a Marmitas Solidárias recebeu doação direta de 1,5 tonelada de alimentos dos acampamentos e assentamentos do MST na região metropolitana. Recentemente, o estabelecimento passou a ser também um ponto de atendimento para pessoas com dificuldades para acessar o Auxílio Emergencial.

O gestor do Armazém do Campo, Severino Ramos, afirma que do ponto de vista econômico “é complicado” manter as ações, mas o desafio foi abraçado por todos. “Quando partimos para a rua fazer a distribuição, tivemos que parar com as vendas presenciais no Armazém. Porque é mais importante é distribuir o pão com quem está na rua do que vender o produto para manter o Armazém”, afirma Severino. “O que nos diferencia de outros estabelecimentos é que, para nós, o valor que fala mais alto é a solidariedade de classe entre nós trabalhadores. Ser um instrumento não só para nós do movimento, mas para toda essa população que está em situação de rua”, diz ele.

Ele destaca ainda a participação de funcionários da casa e de voluntários na distribuição de alimentos. “Somos pessoas ligadas a igrejas, a ONGs, a movimentos sociais comprometidos com a população. Estamos nos misturando com a população de rua, não ‘passando em carros’ e dando marmitas pela janela. Agregamos uma nova função ao Armazém: a solidariedade”, diz Ramos. “Não partilhamos o que sobra, mas aquilo que temos e somos. Tudo o que servimos tem o trabalho dos sujeitos que muitas vezes dando uma cota de trabalho superior ao que é esperado de trabalhadores, mas conscientes de que estão fazendo aquilo para colocar um ‘tijolinho’ a mais na construção de uma nova humanidade”, completa o gestor.

Para Ramos, não assumir um papel ativo nesse momento de pandemia seria uma contradição para o estabelecimento. “Se não exercitássemos a solidariedade neste momento de dificuldades, diminuiríamos a nossa função. O que vendemos no Armazém é contra o agronegócio e o grande capital”, pontua. “Então essa é a nossa resposta de que um outro mundo é possível, com outra dinâmica social e econômica, menos destruidora do meio ambiente e em que a riqueza não seja acumulada por poucos”, conclui Severino.

Hoje, a unidade Recife do Armazém do Campo comercializa uma variedade de 380 produtos agroecológicos, 400 títulos de livros na estante da Editora Expressão Popular, além de dispor de um auditório e salas de estudo que foram batizadas de Escola Popular Gregório Bezerra. Ao longo dos 12 meses o Armazém vendeu 233 toneladas de alimentos e 2 mil livros em 190 mil atendimentos (clientes). O estabelecimento sediou ainda 53 lançamentos de livros, média superior a um lançamento por semana; além de 60 sessões do Cineclube Armazém; mais de 150 eventos culturais e artísticos; e 1.720 cursos e encontros no auditório da Escola Popular Gregório Bezerra, com a presença de mais de 200 organizações e movimentos populares. A casa também foi ponto de encontros frequentes e confecção de material da campanha pela liberdade do ex-presidente Lula. E desde o início da pandemia o estabelecimento já serviu mais de 100 mil refeições solidárias.

Jaime Amorim, dirigente nacional do MST, afirma que o Armazém do Campo reflete várias iniciativas do movimento. “Ao mesmo tempo em que comercializa a alimentação saudável da agroecologia, também promove a ideia de que a alimentação é uma parte de uma grande mudança, por isso somos um espaço de atividades culturais, de articulação e formação política”, diz Amorim.

Ele coloca como desafios mais imediatos fazer do estabelecimento um ponto de comercialização também da arte e cultura produzidos no campo pernambucano. “Queremos criar espaços para comercializar plantas medicinais e o artesanato que se produz nas áreas de assentamento e acampamento, tanto os nossos do MST como os das terras indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros territórios camponeses”, completa, mencionando ainda o desafio de ter uma gestão autossustentável, mas sem abrir mão de avançar. “Queremos aos poucos ter uma rede de armazéns em Pernambuco”, disse Amorim, lembrando ainda da unidade do Armazém do Campo Caruaru e mencionando o desejo de novas unidades em Petrolina, Serra Talhada e Garanhuns.

Edição: Marcos Barbosa