Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Merenda escolar é uma alternativa para violência da fome

Municípios encontram desafios para cumprir o acesso universal dos estudantes à alimentação adequada

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Frente à pandemia, recursos da alimentação escolar são convertidos em kits entregues para alunos - Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

Hoje gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o embrião do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) surge em 1950 com o objetivo de amenizar a fome e a desnutrição que atingia consideravelmente uma parcela da população brasileira. Após longas modificações em busca da qualificação da merenda escolar, o Brasil sanciona, em 2009, a lei que viria a regulamentar o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Embasado na garantia do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA), o Programa visa a transferência, em caráter suplementar, de recursos financeiros aos estados, Distrito Federal e municípios, destinado a suprir, parcialmente, as necessidades nutricionais dos alunos. Sendo considerado um dos maiores programas de alimentação do mundo e o maior da América Latina, pode ser demarcado como uma política pública de segurança alimentar estratégica na busca pelo desenvolvimento econômico e social.

Entre as diretrizes, estabelece que ao menos 30% dos recursos repassados pelo FNDE devem ser utilizados na aquisição de produtos de gênero alimentícios oriundos da agricultura familiar. Ao fortalecer esta relação entre merenda escolar e agricultura familiar, o Programa contribui com a garantia da qualidade da alimentação da população brasileira, considerando sua universalidade. Além disso, incentiva o aumento e a diversificação da produção dos pequenos produtores, melhorando a renda e a condição de vida daqueles que trabalham para ofertar alimentos saudáveis a população.

Importante observarmos que, quando consideramos que 30% dos recursos repassados pelo FNDE aos estados, municípios e DF devem ser destinados a compra de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar, temos, em média, que R$ 1,2 bilhões são destinados, anualmente, aos agricultores familiares. O PNAE é um dos principais canais de comercialização para o escoamento da produção familiar.

O Programa, segundo o Ministério da Educação, atende cerca de 41 milhões de alunos e configura um dos principais acessos à alimentação em âmbito nacional. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das mais de 54 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no Brasil hoje, 14 milhões têm menos de 14 anos. Ou seja, para muitos desses estudantes, a única refeição do dia é realizada na escola.

Em meio ao contexto de crise sanitária decorrente do mundo pandêmico, que acabou por agravar consideravelmente a crise econômica e social que o Brasil já vinha enfrentando e contribuir para uma eminente crise política, a defesa de políticas públicas de caráter alimentar se faz de extrema necessidade, uma vez que o agravar da violência da fome soa de alarme ao mundo todo.

No Brasil, uma vez reconhecido o estado de calamidade pública por meio de decreto legislativo, em decorrência da crise da covid-19, o país passou a adotar medidas de distanciamento e isolamento social. Com isso, visando o urgente emprego de medidas de prevenção, as atividades letivas tiveram de ser suspensas e, consequentemente, milhares de estudantes brasileiros ficaram sem acesso à merenda escolar.

Nesse sentido, no dia 7 de abril foi sancionada a lei 13.987/20 que alterou, em caráter excepcional, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Tal alteração busca repassar aos pais ou responsáveis dos alunos das escolas públicas de educação básica alimentos, em forma de “kits”, que antes eram ofertados em ambiente escolar.

Entre os desafios enfrentados pelos municípios para o pronto cumprimento da medida, está o de cumprir com a diretriz da “universalidade”, que assegura a todos estudantes, sem nenhuma distinção ou critério, o direito ao acesso à alimentação adequada. Isso ocorre pois a verba repassada pelo FNDE possui caráter suplementar, ou seja, os municípios precisam completar a verba para o perfeito repasse às instituições de ensino. A dificuldade está em muitos municípios que enfrentam possíveis aumento de gastos e quedas de arrecadação devido ao mundo pandêmico, inviabilizando a complementação necessária para garantir a entrega dos alimentos a todos os alunos.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) calcula que o investimento federal do PNAE não chega a 10% do custo médio que efetivamente as prefeituras assumem. Nesse sentido, a CNM encaminhou, recentemente, ofício ao ministro da educação, solicitando apoio financeiro extraordinário do governo federal para que se consiga atender de forma universal a distribuição da alimentação escolar durante a pandemia.

A manutenção plena do PNAE em tempos de pandemia da covid-19 garante não somente a alimentação digna de milhões de brasileiros como a garantia de renda aos agricultores familiares. A questão vigente é: o que fazer quando políticas como o PNAE não atingem todos estudantes ou encontram dificuldades para plena efetivação?

Enquanto ainda não avançamos na garantia plena de direitos sociais é preciso dar vez as ações de solidariedade que dialoguem com a agricultura familiar, apontando alternativas aos brasileiros para enfrentar a pandemia tão subestimada pelo governo Bolsonaro e garantir o sustendo daqueles que trabalham diariamente pela saúde e segurança alimentar da população. Afinal, quando falamos sobre o PNAE, é preciso compreender que estamos dialogando sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada, Segurança Alimentar e Nutricional e Soberania Alimentar (Popular).

Por fim, como restou demonstrado, os impactos protagonizados pelo PNAE são enormes e de extrema necessidade no combate à violência da fome e a garantia da dignidade humana. Sendo assim, a defesa de políticas públicas de caráter alimentar é o grande desafio imposto aos movimentos sociais e deve ser o horizonte de todo brasileiro que não admite ter o seu país no mapa da fome.

OBS.: Para elaboração desse artigo, diversas fontes foram consultadas e utilizadas. Em especial “GUIA COVID-19 – Alimentação Escolar”, uma parceria do MST e do FBSSAN. Iniciativa da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.


* Gabriela da Silva Martins é Estudante de Direito da Universidade Católica de Pelotas e militante do Levante Popular da Juventude

 

FONTES:

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Planalto

Confederação Nacional de Municípios

Cartilha: Orientações para execução do PNAE durante a pandemia de corona vírus COVID-19

Cartilha: “GUIA COVID-19 – Alimentação Escolar”

Edição: Marcelo Ferreira