As mais de 2 mil mortes causadas pela covid-19 em todo o estado do Rio de Janeiro não foram suficientes para que o governador Wilson Witzel (PSC) decretasse o “lockdown”, em português isolamento total, nos 92 municípios. A decisão vai contra a recomendação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que alertou para o descontrole com as novas infecções e o tratamento da doença em hospitais.
Na última segunda-feira (11), Witzel delegou aos municípios a autoridade para que cada um estabelecesse suas próprias regras de isolamento. Em entrevista coletiva na terça-feira (12), o secretário estadual de saúde, Edmar Santos, foi questionado por jornalistas sobre o fato de que o governo já havia enviado ao Ministério Público do estado informações que iam no sentido de decretar isolamento total.
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“Eu não sei te responder, o que eu posso falar com clareza é que não gosto do termo ‘lockdown’ sem que se defina os critérios. Nunca houve essa colocação de desgaste político, não existe esse medo. O que fizemos foi um encaminhamento técnico”, disse o secretário, ao tentar explicar a mudança de postura do governo estadual, negando que tenha havido pressão política.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o médico sanitarista e diretor do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio José Leal Costa, defendeu que o chamado “lockdown” poderia ter sido decretado ao menos na região metropolitana do estado. A área em questão, que compreende cidades como Niterói, São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Itaguaí e a capital, entre outras, tem o maior número de casos e de mortes pelo novo coronavírus.
“É difícil prever se essas medidas terão algum impacto. Eu diria que poderíamos prever algum efeito com um pouco mais de segurança se essa medida fosse mais ampla, a cargo do governo do estado e em decisão conjunta com os municípios pelo menos da região metropolitana. A população, as nossas vidas, transcendem os limites de um território. É difícil perceber a região metropolitana do estado fragmentada”, avalia o sanitarista.
Governo federal
Para o pesquisador, está clara que a decisão pelo "lockdown" é uma medida radical que acarreta efeitos colaterais, como o impacto gerado na vida econômica das pessoas com menos recursos. Para isso, afirma Leal Costa, em função de historicamente concentrar a maior parte dos recursos financeiros, o governo federal deveria ter um papel de peso na decisão.
“Do ponto de vista sanitário, todos os dados sustentam essa orientação ao ‘lockdown’, mas é uma decisão que mesmo pautada em termos técnicos ela tem implicações políticas muito amplas que requerem a articulação das diferentes esferas de governo. Como está acontecendo é difícil afirmar a expectativa em torno de um impacto e resultados expressivos”, avalia o pesquisador.
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Cidade partida
A percepção de que as cidades não são fragmentadas e que o fluxo de pessoas é intenso na região metropolitana do estado também se reflete entre os bairros da capital fluminense. Ainda assim, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), decidiu criar isolamentos pontuais apenas em alguns bairros, como Santa Cruz, Madureira, Freguesia, Taquara, Realengo, Guaratiba, Tijuca, Grajaú, Méier, Pavuna e Cascadura.
Para o doutor em urbanismo e pesquisador da Rede Observatório das Metrópoles, Juciano Rodrigues, em qualquer lugar do mundo a cidade é uma só. Mas ele argumenta que no caso do Rio há ainda mais equívocos. Segundo o pesquisador, a prefeitura parece tomar decisões pressionadas pelo contexto político e pela posição política alinhada à do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Medidas que visam combater a disseminação de um vírus que ataca a cidade inteira, mas que focam em pedaços dessa cidade integrada têm grandes chances de não dar certo. O prefeito está preocupado com sua imagem e a pressão da população e da imprensa o faz reagir rápido e de maneira equivocada. Ele não age apenas atacando o problema, mas também conforme o contexto político”, afirma Juciano.
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Em bairros como São Cristóvão, o fluxo de pessoas nas ruas aumentou nos últimos dias depois de a Tijuca, bairro vizinho e que atraía moradores de outros bairros por conta do comércio, entrar no isolamento determinado pela prefeitura. “Se a OMS [Organização Mundial de Saúde] defende o isolamento, é porque o vírus circula na mesma proporção das pessoas. Veremos aumento de casos em São Cristóvão”, completa o urbanista.
O pesquisador do Observatório das Metrópoles chama a atenção para o peso que o poder econômico de cada bairro tem na decisão de Crivella. Os primeiros casos da covid-19 apareceram na Barra da Tijuca e na zona sul carioca. Bairro até agora com o maior número de mortes em toda a cidade, Copacabana não tem isolamento e ainda está em estudo que apenas o calçadão sofra interdição.
“Mais uma vez, a prefeitura não quer tocar em pontos sensíveis para enfrentar a pandemia, partindo do pressuposto de que a pressão de bairros com maior renda tem poder maior de pressionar o estado. É a desigualdade com tratamento desorganizado e desarticulado porque a prefeitura está maleável não apenas a pressões políticas do governo federal, mas também horizontal na própria cidade”, critica Juciano.
Edição: Mariana Pitasse