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Com denúncias trabalhistas disparando, advogados prestam consultoria online gratuita

Em abril, metade das denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho estavam relacionadas ao novo coronavírus

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Muitos são os casos da falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para pessoas que atuam nos serviços essenciais, como álcool gel e máscara - Nelson Almeida/AFP

A partir de um levantamento publicado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), no dia 20 de abril, metade das denúncias que o órgão recebeu estavam relacionadas a covid-19. Do total das 18.422 queixas, 9.077 diziam respeito à doença. Desde o início da pandemia, os casos de violações trabalhistas ligadas ao novo coronavírus dominam as atividades exercidas pela instituição. Já no último relatório do dia 28 de abril, o total das denúncias relacionadas a covid-19 chegou a 10.361, um aumento de 13,7% em comparação com o levantamento anterior.

Os números revelam um cenário de precarização que, mesmo em um momento dramático, avança, revelando a frágil situação em que os trabalhadores se encontram. Muitos são os casos da falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para pessoas que atuam nos serviços essenciais, como álcool gel e máscara. Há ainda lojas que mantêm o seu funcionamento normal, mesmo não se enquadrando no grupo de estabelecimentos que podem permanecer abertos.

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Joana Almeida faz parte do Grupo de Apoio aos Subúrbios RJ, movimento que tem se articulado para auxiliar as favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro. Ela conta sobre as demandas trabalhistas que o grupo tem abraçado. "Começaram a aparecer muitas questões sobre as medidas provisórias que vêm sendo tomadas, até mesmo sobre o auxílio emergencial”, comenta.

Na página que mantém no Facebook, o grupo divulga suas ações e se coloca à disposição das pessoas que necessitam de ajuda. Após este primeiro contato elas são encaminhadas para profissionais do Direito, que prestarão atendimento. O Grupo de Apoio aos Subúrbios RJ também conta com uma rede de orientação médica, caso as pessoas necessitem tirar dúvidas sobre saúde.

Participação de advogados 

Para apoiar as demandas dos trabalhadores, o Grupo de Apoio aos Subúrbios RJ conta com a ajuda de advogados trabalhistas que prestam consultorias gratuitas via whatsapp. Victor de Souza é um integrante desse time de advogados. Somente ele já atendeu cerca de 20 casos. Ao todo, especula-se que mais de 100 atendimentos foram realizados pelo grupo neste período. Para Victor, uma de suas maiores preocupações é a desinformação das pessoas.

“Quase todas as orientações que eu dou são justamente sobre o medo do trabalhador com relação à atitude da empresa. As pessoas perguntam: mas é possível a empresa fazer isso? Pode me colocar de férias? Pode reduzir o meu salário? Eu falo, gente, isso daí foi avisado desde o primeiro dia de abril”.

De acordo com Victor, o principal problema das medidas provisórias adotadas pelo governo é a insegurança jurídica para o trabalhador, pois as empresas não estão obrigadas a adotarem os pontos que protejam os empregados. “Se a empresa não quiser reduzir a jornada de trabalho, suspender o contrato ou colocar o trabalhador de férias, não terá nenhum problema, o que gera insegurança”, explica.

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Ao comparar as ações do governo brasileiro com as tomadas em outros países na parte econômica, Victor afirma: “Se for olhar para outros países, nossas medidas não significam nada. Nos Estados Unidos, por exemplo, o trabalhador já está recebendo seguro desemprego há dois ou três meses. Enquanto isso, nós aqui estamos lutando para as pessoas receberem a primeira parcela do auxílio emergencial”.

No momento em que as audiências do Tribunal de Justiça estão temporariamente suspensas, uma das principais estratégias que o Grupo de Apoio aos Subúrbios RJ têm feito é a exposição das empresas em suas próprias redes sociais, enquanto os advogados orientam os atendidos a fazer denúncias aos canais do Ministério Público do Trabalho (MPT), que aciona os agentes fiscalizadores. Isso possibilita que as demandas atendidas pelo grupo sejam resolvidas de forma rápida, sem uma ação judicial que postergaria a resolução das denúncias.

Como muitos casos são reclamações acerca da falta de EPIs para funcionários, a opção por ações mais imediatas fica mais fácil, pois basta checar o que as denúncias apontam nos estabelecimentos. Ao mesmo tempo, a pandemia revela a falta de fiscalização. “Qualquer medida que se torne uma lei ou um decreto tem que ser respeitada, a empresa tem que cumprir essa lei. Só que a gente hoje não tem um efetivo muito grande de fiscalizadores neste sentido”, destaca Victor.

Sindicalismo em baixa 

Outra situação que se revela no meio da crise da covid-19 é a falta de referência para os trabalhadores, a ausência de uma representatividade que oriente as categorias atingidas em suas necessidades. “Nós vemos uma demanda que seria papel fundamental dos sindicatos, que hoje não são referência para a organização dos trabalhadores. As pessoas estão completamente desorientadas, sem saberem a quem ou a quê recorrer. É urgente a necessidade de autogestão e levante dos trabalhadores”, comenta Joana. 

Entre os profissionais mais atingidos, os funcionários dos mercados são aqueles que mais buscam apoio do grupo. Muitos relatam casos de colegas de trabalho que vieram a falecer. Joana acrescenta que há muitas denúncias dos mercados. “É uma situação alarmante! Inclusive, a gente está recebendo denúncias de pessoas que já morreram, funcionárias de estabelecimentos como o Mundial (Rede de Supermercados)”.

Questão trabalhista

Para Victor há duas formas de lidar com a questão trabalhista. “Existe a forma em que você pensa como banqueiro e existe a forma que você age como uma pessoa que está pensando nos outros”. Ele critica a medida que propõe crédito auxiliar emergencial às empresas via bancos (MP 944/2020). Por menores que os juros sobre o empréstimo possam ser, ainda assim os lucros das instituições bancárias vão ser enormes. “Pega, por exemplo, um bilhão de reais que seriam emprestados para essas empresas. Você põe juros a 3%, olha quanto que o banco está ganhando! Isso sem contar o que já ganharam nos últimos anos, com um lucro de quase um trilhão. Isso é você pensar como banqueiro”, comenta o advogado.

Mais uma vez, os exemplos dos demais países aparecem na comparação com o que tem sido feito no Brasil. “Existe aquela situação em que a gente tem que olhar para as pessoas. Se a gente está em um momento que necessita de isolamento total, eu não posso manter a empresa aberta. A Itália se ferrou quando fez isso”, afirma Victor, que também acredita em uma participação mais ativa do Estado no socorro aos trabalhadores e postos de emprego. “Acho que está hora do governo chegar e falar: olha só, toma aqui! Eu assumo a responsabilidade de pagar o salário do seu trabalhador durante dois, três meses”, conclui.

Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)

Edição: Mariana Pitasse