Rio de Janeiro

VULNERABILIDADE

Opinião | Mulheres negras e pobres compõem o grupo mais vulnerável à pandemia

Negras, indígenas, brancas, do campo ou cidade, temos pontos de partida distintos, mas deveríamos ter garantias iguais

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
É hora de encaramos como política a busca por modos mais seguros de existir para as mulheres - Mauro Pimentel/ AFP

O confinamento a que estamos submetidos por conta da pandemia do coronavírus escancarou desigualdades e mazelas pelo país afora. A principal delas, de que trato aqui, é a ineficiência do Estado em proteger mulheres em situação de vulnerabilidade. O distanciamento social necessário e absoluto para que superemos a crise que devasta o mundo, em especial países que insistem em não garantir o bem estar social às suas populações mais vulneráveis, caso gritante do Brasil, deixa fatia expressiva de nós à mercê da sorte. 

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Ainda que o governo ignore, e mesmo à distância, a realidade salta aos olhos e exibe faces e tons de pele: as mulheres mais pobres, especialmente as mulheres negras, compõem o vasto grupo mais exposto ao risco de contaminação e às vulnerabilidades sociais decorrentes da ameaça da covid-19: como desemprego, falta de moradia digna, insegurança alimentar, exposição à violência e dificuldade extrema de acesso aos serviços de assistência social e saúde. 

É preciso, portanto, tratar as infinitas demandas por cuidado e amparo como obrigações do Estado, já que não teríamos chegado ao ponto em que chegamos não fossem sua ineficiência e sua indiferença históricas. Todos, no entanto, temos nossa cota nesse processo, seja, inclusive, por omissão. 

É urgente, que, independentemente do lugar que ocupemos e do gênero que declaremos, assumamos nossa responsabilidade. É hora de denunciar e exigir medidas protetivas. É hora de querermos uma sociedade menos desigual e menos esfacelada. É hora de encaramos como política a busca por modos mais seguros de existir para as mulheres. É hora de atuarmos para frear discursos e ações que ferem e violam direitos básicos. É hora de compreendermos que o ciclo da pobreza entre as mulheres precisa ter fim.

Mais da metade da população brasileira é composta por mulheres. Negras, indígenas, brancas, nas zonas rurais ou nas cidades, temos pontos de partida distintos, mas deveríamos ter garantias iguais em nossas trajetórias, algo que não nos determinasse e nos condenasse por nossa cor de pele, por nossa raça, pelo lugar onde nascemos. A equidade de direitos e a justiça social nos dariam alguma chance contra o achaque vida afora.

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A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em balanço publicado em 2018, retrata bem os estragos que a redução de garantias trabalhistas ocorridas nos últimos cinco anos têm provocado, como o cristalino agravamento da situação das mulheres pretas e pardas. Exatamente elas, as que mais se ocupam em atividades econômicas de baixos rendimentos médios. Exatamente elas, as mais abatidas pelo desemprego, as que estão mais sujeitas ao martírio da informalidade, as que recebem bem menos quando são remuneradas. É o próprio governo que aponta as assimetrias que deveria combater e não permitir. 

Ironicamente, temos um Ministério da Mulher (da Família e dos Direitos Humanos) que pouco ou nada nos diz, que pouco ou nada faz, que muito ignora a sua obrigação e lava as mãos para se proteger enquanto o governo enfraquece programas sociais que poderiam estar salvando muitas vidas. A covid-19 não nos dará trégua. Não tão cedo. O Estado precisa dar respostas efetivas às meninas e mulheres enclausuradas. A sociedade precisa cobrar e ir além das ajudas emergenciais de solidariedade. Ou não teremos hora.

*Dani Monteiro (Psol) é deputada estadual do Rio de Janeiro. 

Edição: Mariana Pitasse