Pernambuco

1º de maio

Falta de proteção, doença e mortes: o trabalho dos telefonistas na pandemia

Nas últimas semanas pelo menos dois trabalhadores de telefônicas do Recife morreram de covid-19

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Essa é a situação dos cerca de 15 mil trabalhadores de call-centers em Pernambuco - EBC

O trabalho nas empresas de telemarketing é conhecido por ser um dos mais estressantes. O quadro piora quando você precisa ir trabalhar em meio a uma pandemia e sendo o seu ambiente de trabalho propício ao contágio pelo vírus. Essa é a situação dos cerca de 15 mil trabalhadores de call-centers em Pernambuco. Além de queixas sobre poucas medidas das empresas para evitar novas contaminações, há funcionários trabalhando com sintomas de covid-19 e até mortes recentes de colegas de trabalho.

No fim de março, com os decretos estaduais suspendendo o funcionamento de escolas e de grande parte do comércio, a população começou a entender a gravidade do momento. Mas a empresa Liq (antiga Contax), no bairro de Santo Amaro, Recife, demorou a tomar providências. "Não houve qualquer comunicado aos funcionários. Mas teve um protesto na frente da empresa (no dia 19 de março), a imprensa foi ao local e a partir daquele momento a empresa passou a adotar algumas medidas", diz uma funcionária L. M., que prefere não ter seu nome revelado para não sofrer punições.

Uedja Barbosa, da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Pernambuco (Sinttel-PE) conta que a mobilização dos trabalhadores levou a empresa a instalar pias e sabão na área externa, além de disponibilizar álcool em gel para os trabalhadores, além de medição de temperatura em alguns dias. "O sindicato também conseguiu que o grupo de risco fosse dispensado do trabalho presencial, ficando ou como home office ou que ganhasse férias. Mas também houve algumas suspensões de contrato", diz Barbosa. "Estamos em contato com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), além das empresas", afirma.

Mas parte das mudanças prometidas pela Liq só duraram duas semanas. É o que conta a funcionária L. M., que ouviu da empresa compromissos sobre álcool em gel e um rodízio de funcionários. "O álcool em gel só dá para as mãos. Uma pessoa dos serviços gerais até limpa os computadores diariamente, mas os computadores que são de uso compartilhado, então a limpeza deveria ocorrer entre um turno e outro, entre a saída de um funcionário e a chegada de outro", reclama. Sobre o rodízio de funcionários, após duas semanas "tudo voltou a ser como antes". "Transformaram o rodízio em 'folga', apenas para quem atingir certas metas", lamenta a funcionária.

Para completar, o prédio da Liq fica a um quarteirão de distância de um dos hospitais de campanha montados pela Prefeitura do Recife para atender aos pacientes de covid-19, na rua da Aurora. No Recife a primeira confirmação de morte por covid-19 de um trabalhador de call center foi a de David Reis, na última semana. O homem de 52 anos trabalhava na empresa Prime, no bairro da Tamarineira. O companhia presta serviço à Secretaria de Defesa Social (SDS), recebendo ligações da população para a Polícia (190) e Corpo de Bombeiros (193). Há pelo menos mais um caso diagnosticado, de um atendente da empresa CSU, que conta com 1.500 funcionários em seu escritório em Caruaru. O trabalhador foi afastado e está se recuperando em casa.

Mas o caso mais recente, com vítima fatal, é de Denize de Oliveira Silva, de 35 anos. Faleceu esta semana. Ela já havia passado por outras empresas de teleatendimento na cidade e estava em fase de treinamento, ainda não efetivada, justamente na empresa Liq, a maior do ramo de call-center em Pernambuco, com mais de 4 mil trabalhadores. "Até há pouco não havia casos confirmados e nem óbito por covid-19 na nossa categoria. Mas já havia muitas suspeitas de funcionários trabalhando contaminados, o que é grave", afirma Uedja Barbosa, do Sinttel. "E nas últimas semanas tivemos essas duas baixas", lamenta.

L. M. afirma que essa não foi a única vítima do vírus na Liq. "Foram duas as que faleceram. Uma estava em treinamento, mas a outra trabalhava no atendimento da Oi. Todos ficamos em choque, preocupados", diz a trabalhadora. "E mesmo assim a empresa não fez nada, nenhuma precaução a mais. Fico sentindo que somos descartáveis. Se morrermos, seremos substituídos por outro funcionário", diz L. M. Uedja endossa. "A empresa tem tomado algumas medidas, mas realmente está longe do ideal. Aliás, o ideal mesmo seria fechar aquele ambiente, que é muito propício para a proliferação do vírus", avalia a sindicalista.

No Decreto Federal nº 10.282, de 21 de março deste ano, os serviços de call centers foram incluídos na lista de serviços essenciais que devem seguir em funcionamento durante a pandemia. A Região Metropolitana do Recife concentra pelo menos 11 mil trabalhadores de call-centers do estado (ou 75% do mercado). Além da Liq, há a Neobpo (com 4 mil funcionários, em Jaboatão), a Datamétrica (1.500 em Olinda e Recife), a SpeedMais (800, no Recife) e a já citada Prime (300). A diretora do Sinttel-PE conta que também há muitas queixas de funcionários da SpeedMais e da Datamétrica.

Uedja Barbosa avalia que os centros de telefonia são ambientes que demandam das empresas cuidado redobrado para tentar reduzir o contágio pelo vírus. "É muito difícil controlar a disseminação dentro de um call center. O problema começa já no deslocamento, porque as pessoas vão para o trabalho de transporte público, então se expõem", comenta. E a funcionária L. M. admite estar sofrendo com um nível de estresse acima do comum para a profissão. "Não tenho como me sentir segura. As pessoas adoecem, morrem e a empresa não faz nada, segue como se nada tivesse acontecido", lamenta. "Estou tendo crise de ansiedade. Outras pessoas também. Está difícil, triste. É um sentimento de ser descartável, de que posso pegar a doença e morrer".

Edição: Marcos Barbosa