Sétima arte

Maratona: oito filmes sobre trabalhadores e o capital para ver na quarentena

Uma dica para aproveitar o tempo em casa é atualizar o repertório de filmes com o tema do momento: capital e trabalho

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O longa-metragem "Arábia", dos diretores Affonso Uchoa e João Dumans, pode ser considerado a retomada da figura do operário no cinema brasileiro - Divulgação

A pandemia do coronavírus, sem precedentes na história mundial recente, coloca em evidência a desigualdade social criada através do conflito clássico entre trabalho e capital. Além disso, situa os Estados nacionais como únicas instituições responsáveis por apresentar amparo e soluções possíveis para esta crise. 

No mundo todo, diversos países se ocuparam em gerir os impactos causados pela covid-19 com o fornecimento de assistência médica e a aplicação de medidas de seguridade social para manter o poder de consumo e sobrevivência dos seus cidadãos.

No Brasil, no entanto, a realidade é outra. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem relutado em adotar políticas de distribuição de renda e assistência social. Com duro discurso liberal, Bolsonaro tem pressionado o trabalhador a cuidar individualmente de sua sobrevivência e desresponsabilizado seu papel como chefe de Estado. 

Grandes empresários, por sua vez, constrangem seus funcionários, promovendo demissões em massa, retirando benefícios trabalhistas e demonstrando que o lucro está acima das milhares de pessoas que podem ser vítimas do coronavírus no país.

Por tudo isso, uma dica para aproveitar o tempo em casa durante a quarentena é incrementar os conhecimentos sobre o assunto. Listamos oito filmes de longa-metragem, nacionais e estrangeiros, que abordam de diferentes maneiras as relações de trabalho em debate nas últimas semanas. Vale ressaltar que a lista é apenas uma amostragem, já que o tema sempre esteve presente – muitas vezes de forma marginal – na história do cinema.

E não se engane: as indicações não são constituídas de produções maçantes. A lista é formada por dramas, comédias e documentários, com narrativas diversas e originais.

Confira os títulos abaixo:

Arábia

[Brasil, 2018, 97 minutos]

O longa-metragem, dos diretores Affonso Uchoa e João Dumans, pode ser considerado a retomada da figura do operário no cinema brasileiro. Como definiu o próprio Uchoa, a obra é uma “odisseia mineira”, utilizando-se do gênero road movie de forma extremamente poética e original.

Na história, André (Murilo Caliari) encontra o diário de Cristiano (Sousa), metalúrgico que está hospitalizado em Ouro Petro (MG). A partir das suas memórias, o jovem conhece a saga de um operário que se aventura por todo o estado em busca de trabalho. No decorrer do caminho, conhece a paixão, sofre pela incapacidade em expressar seus sentimentos e se aproxima das ideias do sindicalismo.

A trama encanta pela dicotomia do movimento da estrada, das mudanças da personagem, em contraste com os planos estáticos que demonstram a paralisia social e subjetiva que o atual modelo socioeconômico relega o trabalhador.

O filme está disponível no Now.

Dois dias, uma noite

[França, 2014, 95 minutos]  

Os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne conseguiram transmitir de maneira cirúrgica e original a estratégia, já bastante conhecida, que os patrões se utilizam para dividir seus empregados. Na trama, a personagem Sandra, interpretada de forma brilhante pela atriz francesa Marion Cotillard, depara-se com uma situação desesperadora logo após voltar de meses de afastamento para tratar de uma depressão.

Seu patrão abre uma votação entre seus 16 colegas de trabalho para escolherem pela demissão da operária ou por um bônus de mil euros. A partir disso, Sandra inicia uma saga para tentar convencê-los a votarem pela sua permanência. O filme é um retrato cruel, mas também esperançoso, da competição a todo custo sobre os trabalhadores.

O filme está disponível no Now.

Eu, Daniel Blake

[Grã Bretanha, 2016, 100 minutos]

Uma obra-prima de Ken Loach, também diretor do recém-lançado Você não estava aqui, que aborda os conflitos das relações de trabalho que surgiram a partir do fenômeno denominado de uberização. Em Daniel Blake, Loach conta a história de um operário (Dave Johns) da construção civil que sofre um infarto nas vésperas de se aposentar.

A partir disso, vive um calvário para tentar conseguir outros empregos, apesar da sua longa experiência, e para acessar seus direitos previstos pela seguridade social. O filme é um retrato do abandono do Estado de bem-estar social que vigorou na Europa nas últimas décadas. Coincidentemente, o longa-metragem foi lançado justamente quando havia se iniciado o debate sobre a reforma da Previdência no Brasil, aprovada apenas no ano passado.

O filme está disponível no YouTube e Now.

Estou me guardando para quando o carnaval chegar

[Brasil, 2019, 85 minutos]

No ano passado, muito se comentou sobre Democracia em Vertigem, da diretora Petra Costa. Mas o documentário brasileiro também foi agraciado com essa não menos genial obra do cineasta Marcelo Gomes.

O filme, que faz referência no título à música de Chico Buarque, é um mergulho pessoal do diretor na cidade Toritama, de 44 mil habitantes, intitulada “capital do jeans”. Diferentemente dos motivos que levaram seu pai à migrar para o município há décadas atrás, Gomes parte em busca de entender as relações de trabalho incrustadas no meio do agreste pernambucano.

A beleza do filme é o choque entre o que parece ser a avaliação do diretor sobre o trabalho e diversas opiniões coletadas nas pequenas fábricas feitas nos quintais das casas. Por isso, Gomes afirma que gosta de “fazer filmes sobre coisas que eu não conheço”.

O filme está disponível no Netflix.

Indústria americana 

[Estados Unidos, 2019, 110 minutos]

Primeiro filme produzido pela Higher Ground, companhia criado por Michelle e Barack Obama, Indústria Americana é uma inversão de valores no sonho americano. Por três anos [entre 2015 e 2017], os diretores Julia Reichert e Steven Bognar filmaram a reabertura da planta de uma fábrica em Ohio que havia sido fechada, em 2008, com a falência da General Motors (GM) – símbolo da cultura norte-americana.

Uma empresa chinesa compra as antigas instalações da GM e inaugura uma filial da Fuyao, indústria de vidros automotivos. Nesse processo, traz centenas de funcionários chineses para “acompanhar” os trabalhadores norte-americanos, que veem seus direitos trabalhistas totalmente negados. Um deles, obviamente, é o de associação sindical. O documentário foi vencedor do Oscar deste ano.

O filme está disponível no Netflix.

Doméstica

[Brasil, 2012, 75 minutos]

A primeira morte por coronavírus registrada no estado do Rio de Janeiro foi de uma doméstica, contaminada pela sua patroa, sem ter sido informada dos riscos. Este documentário de Gabriel Mascaro é um retrato fidedigno, e por isso cruel, do racismo estrutural – traço formador da sociedade brasileira.

A partir de um dispositivo muito criativo, Mascaro distribui câmeras para sete adolescentes registrarem o dia a dia e a relação de suas famílias com as empregadas domésticas. O resultado é uma atualização aflitiva das relações de poder estabelecidas entre a casa grande e senzala.

O filme está disponível no Vimeo.

O corte

[França, 2005, 122 minutos]

Com certeza, o mais filme mais sui generis da lista. O aclamado diretor grego Costa-Gavras cria um serial killer para fazer uma crítica extraordinária à competição sem limites que os trabalhadores são obrigados a participar na sociedade contemporânea.

Após ser “realocado” de seu emprego, a partir de uma espécie de plano de demissão voluntária, Bruno (José Garcia) já está há cerca de dois anos desempregado. Apesar do ótimo currículo, não consegue se reinserir no mercado. Com isso, parte para uma caçada aos poucos candidatos desempregados que podem tirar-lhe a próxima oportunidade no ramo do papel. Apesar da morbidade, a obra traz uma pitada de humor em diversos momentos.

O filme está disponível no Looke e no Now.

O que você faria

[Espanha, Itália e Argentina, 2005, 115 minutos]

Intitulado no original como El método, o filme de Marcelo Piñeyro retrata como ninguém a ideologia do neoliberalismo. Apesar da crítica ácida ao atual modelo socioeconômico, como também ao machismo, a obra é permeada por um humor fino, elegante.

A narrativa mostra sete executivos que estão participando da última etapa de um processo seletivo. Entretanto, entre eles, encontra-se um Relações Públicas infiltrado, responsável pela escolha. Com isso, as provas a que são submetidos apenas potencialização a competição e barbárie coletiva. Como pano de fundo, os nostálgicos protestos contra o Fundo Monetário Internacional.

O filme está disponível aqui.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse