Embate

Doria acusa Bolsonaro de tentar confiscar respiradores comprados para tratar covid-19

Reunião com governadores do Sudeste expõe isolamento do presidente e fim definitivo do “BolsoDoria”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Reunião tensa entre governadores do Sudeste e Jair Bolsonaro ocorreu na manhã desta quarta-feira (25) - Foto: Reprodução

O governador de São Paulo, João Doria Jr (PSDB), acusou o governo federal de tentar confiscar respiradores que os estados adquirem para tratar dos doentes infectados por coronavírus, durante a reunião entre os governadores do Sudeste, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

“Se essa decisão for mantida, informo que tomaremos as medidas necessárias no plano judicial para que isso não ocorra. Com todo o respeito que lhe cabe e que lhe devo e merece, não aceitaremos aqui o confisco de qualquer equipamento ou insumo que seja necessário em São Paulo, repito, o epicentro dessa gravíssima crise no país”.

Doria critica, assim, a tentativa do Ministério da Saúde de confiscar, na Justiça, respiradores comprados pela prefeitura de Recife para tratamento de pacientes infectados com coronavírus. A decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região impediu que os aparelhos fossem entregues à União. Em sua decisão, o desembargador Lázaro Guimarães determinou que o governo federal faça sua própria aquisição do produto.

"Peço ao ministro da Saúde que compreenda que o estado de São Paulo é o epicentro dessa grave crise de saúde. Já temos aqui 810 casos de pessoas infectadas, 40 mortes dos 46 mortos do Brasil foram aqui em São Paulo. Ministro Mandetta, não faz nenhum sentido confiscar equipamentos e insumos”, finalizou Doria.

Barraco

Insatisfeito, Jair Bolsonaro passou a atacar o governador paulista e o lembrou que, em 2018, Doria usou a campanha do militar para se eleger ao Palácio dos Bandeirantes. “Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal. Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”, afirmou o presidente.

Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal.

"Não aceito em hipótese nenhuma essas palavras levianas, como se vossa excelência fosse o responsável por tudo o que acontece de bom no Brasil", continuou Bolsonaro, gritando e visivelmente irritado. Doria pediu, então, que o presidente se acalmasse. “Peço que o senhor tenha serenidade e equilíbrio. Mais do que nunca, o senhor precisa comandar o país.”

Isolamento

Após o discurso de Jair Bolsonaro em rede nacional na noite da última terça-feira (24), os governadores mantiveram o tom crítico adotado por políticos em Brasília e confirmaram o isolamento do presidente, que vê sua popularidade derreter diante da crise provocado pela epidemia do coronavírus.

::As informações falsas e as inconsistências no pronunciamento de Jair Bolsonaro::

Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, afirmou que o isolamento social deve ser mantido e que não seguirá as orientações determinadas pelo Palácio do Planalto.

Para Renato Casagrande (PSB), mandatário do Espírito Santo, os estados “devem seguir a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS”, já que quando fala “o presidente tira o valor da pandemia”.

Romeu Zema (Novo), que governa Minas Gerais, cobrou uma reunião do ministro da Economia Paulo Guedes para que sejam alinhadas estratégias econômicas para o país.

No Twitter, Doria anunciou que no final da tarde desta quarta-feira, os 27 governadores farão uma reunião virtual, sem a presença de Jair Bolsonaro, confirmando o isolamento político do presidente.

Pós-reunião

Minutos após o fim da conturbada reunião, os filhos de Bolsonaro passaram a atacar Doria nas redes sociais. Com sua particular verborragia, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (PSL), foi ao Twitter comentar a reunião. “João Prudência e Sofisticação encara os problemas nacionais como se fosse um vídeo pornográfico vazado e, como todo ‘isentão’, se coloca de vítima diante do óbvio. Os governadores se alinham no enfentamento ao covid-19 e o Macron brasileiro sobe no palanque para rodar a baiana.”

Simultaneamente, e também no Twitter, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), outro filho do presidente, partiu para o ataque ao tucano. “Todos os governadores, exceto o oportunista do Doria, elogiaram o pacote do governo de Jair Bolsonaro de apoio aos Estados e Municípios, de R$ 88 bilhões, e deram outras sugestões que estão sendo consideradas pela equipe econômica do governo. Para a todos, menos Doria.”

Nas redes sociais, Doria respondeu aos filhos de Bolsonaro, sem citá-los. “Decepcionante a postura do presidente Jair Bolsonaro na reunião que tivemos há pouco com governadores do Sudeste para tratar sobre o combate ao coronavírus. Levamos as solicitações do governo de São Paulo e nosso posicionamento sobre a forma como a crise deve ser enfrentada. Recebi como resposta um ataque descontrolado do Presidente. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante.”

Decepcionante a postura do presidente Jair Bolsonaro na reunião que tivemos há pouco com governadores do Sudeste para tratar sobre o combate ao coronavírus.

"BolsoDoria" e o presidente da OAB

Acusado de “oportunista” por inimigos políticos, Doria não se preocupou com disfarces para apoiar Bolsonaro nas eleições de 2018, mesmo com um candidato de seu partido no páreo, Geraldo Alckmin, nem mesmo para romper com o militar, em abril de 2019.

No segundo turno das eleições de 2018, enquanto se esforçava para colar a imagem de comunista no então governador Márcio França (PSB), durante a corrida eleitoral para o Palácio dos Bandeirantes, João Doria forçava sua proximidade ideológica Bolsonaro, então concorendo à Presidência. No meio da campanha, ele chegou a alcunhar a expressão “Bolsodoria”, como se ambos fossem a mesma ideia.

Em 10 de janeiro de 2019, Bolsonaro realizou a primeira reunião de seu mandato com um governador. O eleito foi justamente Doria, que foi acompanhado da deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), aliada do paulista, agora também inimiga pública do presidente.

Sete meses depois, em 29 de julho, o governador paulista começou a ensaiar o rompimento com o presidente, após criticar Bolsonaro publicamente por suas declarações a respeito de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que foi morto pelo golpe de 64, que havia sido ataco pelo ex-militar.

“Eu sou filho de um deputado cassado pelo golpe de 64 e eu vivi o exílio com o meu pai, que perdeu quase tudo na vida em dez anos de exílio pela ditadura militar. Inaceitável que o presidente da República se manifeste da forma como se manifestou em relação ao pai do presidente da OAB. Foi uma declaração infeliz do presidente”, disse o governador.

Não satisfeito, no dia seguinte, Doria foi mais explícito sobre o racha. “Não teremos alinhamento político com o governo Bolsonaro. Isso nos dá liberdade de ter posições críticas em relação a determinadas posições que não representam a nossa visão.”

Edição: Rodrigo Chagas