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Mentiras e inconsistências no pronunciamento de Jair Bolsonaro sobre coronavírus

Ao discursar em rádios e TVs, presidente distorceu dados e contrariou recomendações de seu próprio governo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Jair Bolsonaro faz pronunciamento à nação - Isac Nóbrega/PR

Muito do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pronunciou ao povo em televisões e rádios nacionais, na noite de terça-feira (24), é o contrário do que indicam Ministério da Saúde e especialistas da área para combater o coronavírus.

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O discurso, outra vez, foi de quem faz pouco caso da pandemia - ele criticou recomendações feitas por seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, como o isolamento social para todos, minimizou os danos à população, culpou novamente a imprensa pela “histeria” e voltou a chamar a doença que já matou 46 brasileiros, até esta quarta-feira (25), de “gripezinha”.

O Brasil de Fato listou pontos falsos ou inconsistentes na fala do presidente:

 

  • “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio de um grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso”

 

A sugestão do presidente de que em países com o clima tropical, como o Brasil, o vírus se alastraria menos não tem consistência científica. Pesquisadores ainda não têm consenso sobre a resistência do vírus a temperaturas quentes ou frias.

O que há é um estudo da universidade chinesa Sun Yat-sem, que indica que o novo coronavírus se dissemina com menos velocidade em temperaturas quentes, o que não significa que ele não possa se espalhar e gerar os mesmos riscos.

Uma evidência da inconsistência da fala presidencial é que, até o momento, a curva de contaminação no Brasil é maior do que na Itália.

 

  • “O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar”

 

O otimismo de Bolsonaro não encontra base nos discursos públicos de Luiz Henrique Mandetta. O ministro da Saúde tem, insistentemente, reforçado a gravidade da situação - em entrevista coletiva ao lado do presidente, em 18 de março, ele sinalizou que “teremos dias duros” e que “passaremos por muito estresse”.

Na mesma entrevista, outro ministro, o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou que estamos travando “uma guerra contra um inimigo invisível e feroz”, claramente indicando que não vivemos um momento banal da história.

Sem a descoberta de uma vacina, por ora nenhum país do mundo consegue determinar por quanto tempo a pandemia vai durar – se será breve, ninguém sabe.

 

  • “90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine”

 

Os dados não são conclusivos sobre o percentual de casos que não apresentam sintomas. Alguns estudos, contudo, apontam números abaixo dos apresentados por Bolsonaro.

Um estudo realizado por pesquisadores holandeses e belgas, publicado na base de dados medRxiv, por exemplo, aponta que, em Tianjin, na China, 62% dos casos de infecção pelo novo coronavírus são de pessoas assintomáticas.

Já o jornal South China Morning Post publicou que, segundo autoridades chinesas, 30% dos infectados não apresentam sintomas. O número é semelhante ao apresentado por epidemiologistas do Japão (30,8%).

 

  •  “(...) pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”

 

Bolsonaro deveria se preocupar, segundo recomendações de autoridades mundiais da saúde. Com 65 anos recém-completados, ele faz parte do grupo de risco para a covid-19.

Além disso, a ciência não banca que um passado de prática esportiva renda proteção contra doenças virais. Exemplo disso são vários atletas de alto nível que contraíram o novo coronavírus, como os jogadores da NBA Kevin Durant, Rudy Gobert e Donavan Michell, os futebolistas Paulo Dybala e Blaise Matuidi e o astro francês do vôlei Earvin Ngapeth.

 

  • “O FDA americano e o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil”

 

Sugerir o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra o tratamento contra o coronavírus ainda é precipitado. Embora alguns estudos preliminares apontem que a medicação pode zerar a carga viral em casos de covid, as amostras ainda são pequenas.

O Ministério da Saúde diz que mantém um grupo técnico que estuda a eficácia da medicação e, em breve, deve anunciar resultados para, aí sim, pode recomendar o uso com consistência científica.

Edição: Rodrigo Chagas