Rio de Janeiro

CRISE HÍDRICA

Deputados aprovam CPI sobre água para investigar Cedae no RJ

Especialistas lembram que problemas da companhia vêm desde gestão de Eduardo Cunha (MDB)

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Moradores do Rio e da Baixada Fluminense reclamam da cor marrom, do cheiro e gosto de terra na água - Reprodução/Cedae

A crise na Companhia Estadual de Água e Esgotos (Cedae) e a qualidade da água que chega às casas da população fluminense serão alvo de investigação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Deputados obtiveram o número suficiente de assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na última terça-feira (4), um dia depois de a Cedae detectar detergente na Estação de Tratamento do Guandu e paralisar o fornecimento de água por algumas horas.

Desde janeiro, moradores do Rio e da Baixada Fluminense reclamam da cor marrom, do cheiro e gosto de terra na água que chega nas torneiras. A Cedae atribuiu o problema à presença de geosmina, uma substância produzida a partir de um tipo de microalga. A crise da Cedae, porém, é mais profunda e tem relação direta com manobras político-partidárias e com a gestão da companhia, que está no alvo das privatizações do governador Wilson Witzel (PSC).

Na sessão da última terça (4), o presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), afirmou que o presidente da Cedae, Hélio Cabral, será convocado para prestar esclarecimentos sobre a crise no abastecimento. O parlamentar lembrou que os trabalhos de investigação de uma CPI têm prazo de 180 dias, que podem ser prorrogados, mas a solução para o abastecimento precisa ser imediata.

Segundo ele, também serão convidados os engenheiros que foram demitidos da companhia no início de 2019. A convocação deverá ser feita por uma das comissões permanentes da Casa nos próximos dias.

Biólogo e ativista do Movimento Baía Viva, Sergio Ricardo lembrou, em entrevista ao Brasil de Fato, que governos anteriores e o governo atual, além da própria Alerj, são responsáveis pela situação da Cedae e pela água e esgoto do estado. A falta de investimentos e os cortes na área estão ocorrendo mesmo agora, diante da exposição da crise.

“O problema é estrutural, não é só geosmina e detergente. Entre 2003 e 2019, o estado do Rio deixou de investir R$ 11 bilhões em saneamento básico de verbas carimbadas do Fecam [Fundo estadual de conservação ambiental] e do FUNDRHI [Fundo municipal de recursos hídricos]. A PEC que o governador encaminhou e foi aprovada às pressas no ano passado, na Alerj, corta da área de saneamento básico R$ 370 milhões por ano por tempo indeterminado, já entrando em vigor nesse ano”, critica o biólogo.

No dia 10 de janeiro, o Movimento Baía Viva entrou com uma representação na Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) e no Ministério Público (MP-RJ) com três pedidos. Um deles diz respeito à falta de confiabilidade e de transparência nos dados sobre monitoramento da potabilidade da água que chega ao consumidor. No início dos anos 2000, o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB), atualmente preso, exercia poder sobre a Cedae e rompeu um contrato com a UFRJ, que realizava o monitoramento da água.

“Estamos solicitando a transferência do monitoramento ambiental e da potabilidade da água para um 'pool' de universidades públicas, um consórcio que pode ser formado pela UFRJ, a Uerj e pela Fundação Oswaldo Cruz. Quando Eduardo Cunha assumiu a presidência da Cedae, a primeira medida dele foi cancelar o contrato, que inclusive tinha um valor baixo, e contratar empresas de São Paulo que não tinham nenhuma qualificação nessa área. Com isso, ele pode manipular à vontade os dados de qualidade de água”, apontou Sergio Ricardo.

Privatização

Na Alerj, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama-RJ), Humberto Lemos, disse que há falta transparência não apenas nos dados sobre a pureza da água, mas também na gestão do presidente da companhia, Hélio Cabral, que recentemente demitiu mais de 50 engenheiros e pode ser afastado do cargo, como reportou o Brasil de Fato na última semana.

“É um absurdo o que vem acontecendo na Cedae, uma empresa que já perdeu cerca de mil trabalhadores com demissões e saídas voluntárias”, declarou o presidente do Sintsama-RJ.

Dada como moeda de garantia na época em que o Rio de Janeiro assinou com o governo federal o Plano de Recuperação Fiscal que não apresentava nenhuma contrapartida positiva para o estado, a Cedae sofre agora com as “falsas soluções”, segundo o biólogo do Baía Viva. Para ele, a privatização vai aumentar a desigualdade de acesso à água potável e ao esgoto tratado pelas populações de menor renda.

“A venda da Cedae não é o melhor caminho, nenhuma empresa privada vai querer investir em áreas periféricas tecnicamente consideradas deficitárias. A capital arrecada 76% do faturamento da Cedae e através de um mecanismo de solidariedade, que é a tarifa social, chamada de subsídio cruzado, se disponibiliza água de boa qualidade para 63 outros municípios. Com a privatização, esse mecanismo de solidariedade será extinto”, prevê Sergio Ricardo.

Edição: Mariana Pitasse