Rio de Janeiro

DESMONTE

Trabalhadores da Casa da Moeda exigem acordo coletivo que garanta cláusulas sociais

Instituição está na lista do Programa Nacional de Desestatização do governo de Jair Bolsonaro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Empresa fica sediada no Rio de Janeiro e é responsável pela emissão de cédulas, moedas e passaportes no Brasil
Empresa fica sediada no Rio de Janeiro e é responsável pela emissão de cédulas, moedas e passaportes no Brasil - Agência Brasil

Os trabalhadores da Casa da Moeda do Brasil vivem desde 2016 a incerteza sobre o futuro da instituição que completa 326 anos em março deste ano. Desde a semana passada, funcionários têm demonstrado descontentamento com a atual gestão da empresa estatal. A situação de impasse se agravou com a dificuldade de se chegar a um acordo coletivo que garanta cláusulas sociais para os moedeiros.   

O processo de desmonte da organização responsável pela emissão de cédulas, moedas, passaportes e selos de rastreabilidade de cigarros e bebidas começou durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). A Casa sofreu perdas com o cancelamento da obrigatoriedade dos selos holográficos em bebidas frias (Ambev, Coca-Cola e Itaipava). O serviço controlava a produção dos envasadores e representava 60% do faturamento bruto da instituição. Além disso, outra medida que impactou a receita da Casa da Moeda foi a mudança feita por Temer na Desvinculação da Receita da União (DRU). O governo passou a reter 30% do valor dos serviços prestados pela organização. A Casa da Moeda, que chegou a ter lucratividade de R$ 780 milhões em 2013, com repasse de 25% para o governo, fechou pela primeira vez no negativo em 2017 após mais de três séculos de existência.

As medidas impostas pelo governo Temer aliadas ao decreto publicado em outubro de 2019 no Diário Oficial da União (DOU) que incluiu a instituição no Programa Nacional de Desestatização (PND) aumentaram a insegurança dos trabalhadores. De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Moedeiros, Aluízio Junior, o problema atual é que culpabilizam o salário e o benefício dos funcionários pela falta de dinheiro da Casa da Moeda.

“O que fez o governo: desmontou a estrutura financeira da empresa e entrou com a proposta de 2017 de privatização e começou a construir a narrativa de uma Casa da Moeda que nasceu em 2017, 2018, 2019 e passou a dar prejuízo. Eles estão contabilizando que esse prejuízo é por conta do salário e benefício dos trabalhadores, o que não é verdade, foi fruto da retirada de receita da empresa, porque até antes de 2017, essa Casa da Moeda próspera fez investimento de mais de R$1 bilhão, repassou mais de R$ 1 bilhão de ativos e dividendos para a União”, explicou.
 

Impasse

Os ânimos ficaram quentes na última sexta-feira (10) após uma entrevista dada pelo diretor de gestão da Casa da Moeda, Fabio Rito Barbosa, à uma emissora de televisão. Segundo Junior, os trabalhadores ficaram insatisfeitos com a defesa dos cortes e privatização por parte de Barbosa e realizaram uma manifestação de repúdio durante o horário do almoço que culminou na ocupação do prédio administrativo após o diretor de gestão mandar seguranças da empresa conduzirem coercitivamente um dos funcionários que estava no protesto.

Além da situação da semana passada que paralisou o processo de produção da Casa da Moeda, a dificuldade para chegar a uma proposta de acordo coletivo que atenda ao interesse dos moedeiros também tem sido um combustível para a crise envolvendo direção e trabalhadores. De acordo com o presidente do sindicato, duas propostas já foram negadas, pois não atendiam ao interesse dos funcionários. A última negativa ocorreu na assembleia realizada nesta quinta-feira (16).

“Desde quando a Casa da Moeda foi para Santa Cruz [Zona Oeste do Rio de Janeiro], ela dá o transporte, isso está no nosso regulamento de pessoal e também nos editais de concurso e cobra 1% do salário dos trabalhadores. Eles iam passar esse desconto para 6% e colocar como se fosse regra de vale-transporte. Então, a pessoa estava perdendo direito e pagaria mais; a insalubridade, para quem tem direito, é calculada por acordo coletivo pelo piso da categoria, e começaria a incidir como referência o salário mínimo. Em média, 1.000 trabalhadores que recebem insalubridade estariam perdendo R$ 800 porque o nosso piso é de R$ 3 mil e o salário mínimo nacional é R$ 1.050. Além de aumentar a despesa, ia reduzir a receita, e acabou o vale-alimentação e auxílio-creche”, detalhou Junior, que há 18 anos trabalha na estatal.

O impasse segue entre ambas as partes. Ainda nesta semana o sindicato irá propor um novo acordo com a Casa da Moeda para tentar obter a garantia das cláusulas sociais, que impõem respeito às condições básicas do trabalhador. A instituição, que já chegou a possuir três mil funcionários em 2014, conta hoje com cerca de dois mil moedeiros.

O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria de imprensa da Casa da Moeda do Brasil para esclarecimento acerca do acordo coletivo e da ocupação.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da empresa informou que "sobre a ocupação do prédio administrativo pelos funcionários, a Casa da Moeda do Brasil informa que, entende que a empresa e os funcionários passam por um momento de incertezas e preocupações, decorrentes da sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização – PND, da edição da MP nº 902/19, que retira da empresa a exclusividade na produção de cédulas, moedas, passaportes, selos postais e selos fiscais, e o início de 2020 sem um acordo coletivo de trabalho (ACT) fechado, mesmo após diversas propostas da empresa e até uma proposta da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, todas recusadas pelos empregados. Porém, qualquer manifestação tem seu local e representantes legalmente definidos.Todo excesso ou ilegalidade serão apurados".

Já com relação ao acordo coletivo, a Casa  da Moeda disse que "a Diretoria, desde que assumiu suas funções há seis meses, tem buscado fechar este acordo, na intenção de evitar que com a virada do ano os funcionários deixassem de ter determinados benefícios que são decorrentes exclusivamente de um ACT. Adicionalmente esclarece constantemente aos empregados e ao sindicato que o atual custo de pessoal é inviável economicamente para a empresa. A Casa da Moeda permanece aberta à negociação para conclusão do ACT, aguardando a proposta do sindicato, aprovada pela Assembleia dos Funcionários, para que possa ser analisada sua viabilidade financeira".

*Com atualização em 20/01/2020 às 16h56

Edição: Eduardo Miranda