Rio Grande do Sul

ELEIÇÃO

Artigo | Ainda é possível unir as esquerdas nas eleições de Porto Alegre?

"Estamos diante de um cenário completamente aberto, sujeito a complexa dinâmica das crises"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
 "Quase 80% dos entrevistados afirmam espontaneamente que ainda não pararam pra pensar em quem votaria para ocupar o Paço Municipal"
"Quase 80% dos entrevistados afirmam espontaneamente que ainda não pararam pra pensar em quem votaria para ocupar o Paço Municipal" - Esteban Duarte/CMPA

Como dialogar rumo a construção de uma unidade eleitoral entre as forças de esquerda na capital?  O tempo voa enquanto não respondemos essa questão de forma coerente. Uma boa reflexão inicial é reconhecermos a limitação do alcance da discussão a oito meses da disputa eleitoral. Sem menosprezar a importância de termos Manuela D’Ávila a frente de diversas pesquisas – fato que aponta uma tendência de espaço à esquerda no cenário local -, o dado que mais nos chamou a atenção no trabalho realizado pelo Paraná Pesquisas e divulgado aqui no SUL21 é que quase 80% dos entrevistados afirmam espontaneamente que ainda não pararam pra pensar em quem votaria para ocupar o Paço Municipal. Não apenas, mas também por isso, estamos diante de um cenário completamente aberto, sujeito a complexa dinâmica das crises combinadas que atravessam a rotina do povo brasileiro. E é exatamente aí que entra a importância dos debates entre partidos, movimentos sociais e cidadãos engajados no combate ao neofascismo de Bolsonaro e o neoliberalismo radical do alinhamento tucano que governa as terras portalegrenses. A nossa capacidade de gerarmos desde já impulsos organizativos e debates políticos inovadores determinará o alcance de nossas ideias sobre essa ampla parcela na hora H.

Sabemos que a tarefa é complexa: valorizar o que nos unifica e, ao mesmo tempo, tratar as nossas diferenças com seriedade para que não incorramos em silenciamentos. Num olhar para a esquerda partidária, a identificação de ao menos dois campos dispostos a construir esse processo – PT e PCdoB, PSOL e PCB – não deve ser utilizada como justificativa para erguermos barreiras ao debate. As urgências da etapa que vivemos não nos permitem. Entre os setores que, como nós, não compuseram os governos da Frente Popular, muito se falou na construção do novo nos últimos anos. Só que aqueles que imaginavam essa irrupção a partir de uma fórmula quimicamente pura, que eliminaria os atores envolvidos nas experiências de governança anteriores, se isolaram por completo. Não há fórmula pronta para que emerja o novo, tampouco este surgirá sem carregar diversos elementos do ciclo anterior.

Precisamos é de disposição real para construir sínteses, o que exigirá, da parte de quem já governou, capacidade de incorporar as experiências que acumulamos na atuação parlamentar, nos movimentos de base e no debate programático nessas décadas em que andamos por caminhos diferentes. Saber ouvir críticas, balanços, construir autocríticas e reflexões é um critério fundamental, até mesmo para solidificar alianças geracionais nessa frente e assim reunir elementos divergentes numa totalidade nova.

O ideal nesse início de ano é que superássemos o limite dos “chamados”. Desde o PSOL, apresentamos o nome de Fernanda Melchionna como pré-candidata a serviço da construção da unidade entre a esquerda, o que é legítimo para dar visibilidade ao debate entre os partidos e também delimitar o nosso perfil político e programático nessa construção. Mas a verdade é que, até o momento, no processo de diálogo entre as duas pré-candidaturas, apenas colecionamos declarações de intenção e reuniões restritas às cúpulas partidárias. Não queremos invalidar os esforços realizados, mas os consideramos aquém das necessidades. Por que não nos desafiarmos de verdade a impulsionar esse processo nas bases? Por que as duas pré-candidaturas não constroem um espaço de discussão comum?

Sem um debate programático qualificado correremos o risco do crescimento da despolitização nas relações entre ambos os partidos, o que terá consequência nos movimentos de base. Sob o véu de que o fator determinante para o não desenvolvimento da unidade parte de uma questão meramente metodológica – hoje concretizada na disjuntiva Congresso do Povo x Prévias – todos sairão perdendo numa briga inócua para dizer quem é o responsável pela não concretização da unidade.

Ante às necessidades da luta de classes a nível nacional, as eleições municipais devem ser entendidas como uma fase da resistência, pois já estamos formatando uma série de frentes defensivas no último período – em defesa das liberdades democráticas e da soberania nacional, dos direitos trabalhistas e previdenciários, no movimento negro, LGBT, de mulheres, pela educação pública e o meio ambiente, para citar as principais – que precisam ser entendidas como acumuladoras de energia e projetos alternativos para o nosso contra-ataque.

Pensando um pouco além, não podemos perder de vista que o poder de um governo municipal na atual etapa é limitado. Num cenário em que impera a pressão neoliberal por um Estado cada vez mais mínimo e o autoritarismo como modo de condução política, só conseguiríamos governar apoiados permanentemente na mobilização popular. Teríamos que pensar numa nova dinâmica entre governança institucional de esquerda e movimentos sociais, que, como mínimo, se pautasse pela ampliação da democracia através do incentivo a mobilização e auto-organização social e tivesse como princípio não sucumbir a retirada dos direitos sociais para inverter a lógica contrarreformista em curso.

É a hora dos diferentes partidos mostrarem que tem capacidade de construírem uma via de mão dupla entre as suas instâncias e os movimentos sociais, ativistas das lutas populares e intelectuais dispostos a pensar num programa para a cidade. Enfim, será um péssimo sinal para os desafios futuros se a esquerda portalegrense não conseguir sequer dar o primeiro passo: debater de forma aberta. Um ciclo de discussões públicas para pensarmos um programa para a cidade é uma iniciativa que poderia organizar o anseio pela unidade. A grande questão é mostrar desde já que temos condições de transformar Porto Alegre num polo avançado de resistência social e emersão de alternativas estratégicas.

(*) Matheus Gomes é historiador, militante do movimento negro e da executiva estadual do PSOL. Vera Guasso é coordenadora do SINDPPD-RS e militante da Resistência/PSOL.

Edição: Marcelo Ferreira