Opinião

Chile: a nova revolução de outubro?

País é centralizado e insuportavelmente desigual

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Protestos tomam as ruas do Chile desde outubro
Protestos tomam as ruas do Chile desde outubro - Tono Carbajo/Foto Movimiento

Colaboraram com este texto: Mauricio Briceño, Anne Dufau, Josué Medeiros, Alana Moraes, Pablo Pallamar e Ramon Szermeta.

Os estudantes secundaristas têm “demonstrado mais sensibilidade histórica e irritabilidade política do que qualquer outro setor” (SALAZAR, 2019)ii. Eles foram a centelha que provocou a maior explosão social no Chile nos últimos 30 anos. Mesmo assim é difícil prever, no meio de uma revolta sem lideranças estabelecidas, qual curso ela seguirá: vai se enfraquecer nos próximos dias e semanas ou, ao contrário, ganhará força que permitirá evoluir para outras expressões além da revolta? Em suma, o cacerolazo chileno conseguirá se autossuperar, transformando-se de uma explosão social a uma revolução democrática capaz de estremecer as fundações sociais da desigualdade no Chile?

A explosão do “oásis latino-americano”

O Chile é “um verdadeiro oásis em uma América Latina conturbada”, disse Piñera em 17 de outubro, um dia antes da explosão social (COOPERATIVA, 2019), em um programa matinal de televisão no estilo de Ana Maria Brega e seu passarinho. Mas o aumento no transporte anunciado pelo governo foi indigesto. O aumento ocorreu em um clima de forte tensão estudantil e entre declarações governamentais irritantes, ilustrando a lacuna entre o sentimento de abuso sofrido pela população e o que o governo interpreta. Em 8 de outubro, Andrés Fontaine, ministro da economia tentou minimizar o aumento: “quem acordar cedo será ajudado”iii. Mas déjà vu nas ruas de Santiago. Em 18 de outubro, após intensas manifestações, Piñera decreta o “estado de urgência” (exceção), coloca os militares de volta às ruas 30 anos após a ditadura e ordena o “toque de recolher”. Porém, apenas 24 horas após a explosão social, na TV, suspende o aumento. Muito tarde. Sua política autoritária cria um efeito bumerangue. A revolta social não vai parar mais. Havia caído na sua própria armadilha.

Mas sua natureza de investidor prevaleceu. Apostou no tudo ou nada, como no cassino. E decidiu então continuar seu roteiro da ordem, declarando “estar em guerra contra um inimigo poderoso” (interno). Mas é dramaticamente desautorizado pelo próprio general encarregado da operação: “Eu não estou em guerra com ninguém”iv. Os resíduos da autoridade e legitimidade de Piñera se desintegram, e o país percebe isso. Em 25 de outubro, 4 milhões de pessoas em todo o Chile e 2 milhões em Santiago se manifestam. Se abrem novamente as “grandes alamedas”v fechadas, mais uma vez na história, pela direita e seu estado de exceção. “La marcha mas grande”, o protesto do antes e do depois, foi a expansão transversal e transgeracional do movimento social, estremecendo o sistema político e midiático, hegemonizando a partir daí a rua, o debate e a discussão pública. O movimento social ganha uma batalha chave na única guerra que existe: a guerra pela informação.vi Sem pesquisas ou estudos de opinião pública, o clamor das ruas se faz ouvir: a agenda social anunciada pelo governo é totalmente insuficiente. Os subsídios do governo são rejeitados e se instala uma vontade geral de mudanças profundas, no modelo econômico e político. “Piñera renuncia” e “nova constituição” emergem como slogans populares.

Os protestos surgem em todo o país sem organização social ou partido.vii A revolta social traz também vandalismo (raiva, ações politizadas, oportunismo criminal, ações ambíguas das polícias etc.), e uma onda de repressão estatal que se espalha pela internet, ante o silêncio parcial da grande mídia tradicional, também questionada. Atualmente, o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) enumera 1.132 pessoas feridas em hospitais. A Cruz Vermelha conta mais de 2.500 feridos. Seriam mais de 5 mil presos desde o 18 de outubro e um funesto balanço de 20 pessoas mortas (número que pode ser maior) “em circunstâncias não totalmente esclarecidas” e várias denúncias de violência sexual. Das 120 ações judiciais na justiça, “5 são por homicídio por agentes do estado e 94 por torturas, das quais 18 têm uma conotação sexual” (ESPINA, 2019).viii Apesar da repressão, a moral do movimento não é afetada. Reina um realismo solidário e popular que o fortalece: “ainda não ganhamos nada” e “isto não acabou”. O governo muda seu discurso (BBC, 2019).ix

Chile: uma ilusão forjada por uma casta privilegiada

O Chile é insuportavelmente desigual. Pequeno país de 17 milhões de habitantes, montanhoso estendido de sul a norte sobre 5 mil quilômetros, fabrica sua renda nacional principalmente da extração do cobre. Um país centralizado que é governado por Santiago (centro geográfico). Além disso, Santiago concentra 40% da população nacional!x E então, quase metade do eleitorado nacional habita a região metropolitana. Mas o Chile não é apenas um país centralizado, é também um país com cultura centralista. A maioria da elite política e econômica habita certos bairros de Santiago como uma casta dirigente (e endogâmica). E as desigualdades socioeconômicas são esmagadoras: 1% da população chilena concentra 33% da renda nacional. O PIB per capita xi por mês representa US$ 2 mil (1,6 milhão de pesos ou cerca de R$ 8,7 mil)xii. Mas a grande maioria, 70% da população ativa, recebe renda salarial três vezes menor que o PIB per capita nacional e 50% recebe renda mensal cinco vezes menor, cerca de 350 mil pesos (US$ 484 ou R$ 1,8 mil). Há então uma classe média no Chile? Talvez uma minoritária. Últimos dados. Quase 18 mil pessoas, o 0,1% mais rico, recebem em média uma renda mensal superior a 80 milhões de pesos, cerca de US$ 113 mil ou R$ 440 mil (KREMERMAN, 2018). Além disso, o Chile ocupa o 14º lugar no ranking dos países mais desiguais do mundo. O índice de Gini do “oásis” o posiciona abaixo de Brasil, Bolívia, Ruanda, Togo, Sri Lanka e República Dominicana, entre outros (ONU, 2019). Mas o Chile sempre foi um país desigual. E a luta do povo contra a injustiça social tem historicamente terminado em banhos de sangue.xiii

Desigualdade: o projeto de poder da extrema-direita chilena

Durante a ditadura militar, não houve apenas repressão implacável. Guiado por uma elite civil formada nos Estados Unidos, Pinochet usou a ditadura para impor uma refundação nacional sem democracia: a constituição política de 1980. Reorganizou a sociedade agrícola-patronal, agudizando a concentração social e espacial do capital e aumentando o lucro privado por meio do “saque dos grupos econômicos ao Estado do Chile" e de um projeto político ultraconservador (MONCKEBERG, 2001). Uma reforma previdenciária xiv encerrará o sistema de aposentadoria solidária. A partir de lá, as agências de fundos de pensão (AFP) vão administrar privadamente as poupanças para aposentadoria dos trabalhadores, as quais serão reinvestidas em outras atividades econômicas. Mas em quais atividades econômicas reinvestir se o país atravessa nos anos 1980 uma crise financeira sem precedentes? A privatização é então a chave. Entre 1985 e 1987, sob a premissa de eficiência de mercado, mais de 30 empresas públicas estratégicas foram vendidas para a mesma elite pinochetista (eles mesmos). O Estado perde mais de US$ 1 bilhão desse tempo, cerca de 724 bilhões de pesos de hoje (MONCKEBERG, 2001). O capital nacional é transferido para um punhado de famílias. Funda-se então uma ultraconcentração econômica. A ideia neoliberal no Chile oculta, assim, o lucrativo negócio das privatizações. E, no entanto, seu principal objetivo, acima do lucro, era o poder. Refundar a política graças à ditadura (monopólio do poder) para impor uma nova Constituição e, assim, perpetuar uma ordem social conservadora e elitista no Chile de hoje e de amanhã. Trata-se do legado da ditadura.

A nova constituição política de 1980 será a infraestrutura de um regime semi-democrático ancorado no neoliberalismo chileno. E os “enclaves autoritarios” (travas autoritárias) da Constituição não permitirão que as maiorias chilenas governem (GARRETÓN, 2003). Um sistema eleitoral binominal xv majoritário garantiu o empate permanente nas câmaras legislativas até 2016!; a imobilidade dos comandantes em chefe das Forças Armadas lhes conferia autonomia e independência do poder civil; xvi senadores vitalícios nomeados pelo Judiciário, pelo Executivo e pelas Forças Armadas intervieram no Congresso; xvii a criminalização do aborto; princípios constitucionais de privatização da saúde e da educação; e a inexistência dos plebiscitos populares na Constituição limitou a participação cidadã. Alguns enclaves foram com dificuldade apenas removidos em 2005 pelo governo de Lagos. xviii Além disso, a legislatura está sujeita a três instâncias: a Câmara dos Deputados, o Senado e o Tribunal Constitucional. Mecanismos, especialmente este último, que favoreceram uma política obstrucionista de direita contra os governos da Concertação e da Nova Maioria, bloqueando uma vontade geral com afinidade por programas governamentais mais progressistas.

Da explosão social à revolução?

Uma revolução pode estar acontecendo no Chile. Não no sentido de uma tomada do palácio do governo, mas no sentido de uma profunda transformação das estruturas constitucionais que definem a democracia e a economia do Chile nos últimos 40 anos. Este é então um cenário plausível. O mais temido pelas forças conservadoras e institucionalistas e o mais desejado pelas forças progressistas. Mas a rejeição ao establishment e especialmente aos partidos políticos é transversal. E uma saída não institucional alimenta os pesadelos do passado.

Durante o levante, foi estabelecida uma mesa de unidade social nacional. Ela tem contribuído para o lançamento de um processo de “cabildos abiertos” autoconvocados (assembleias territoriais). Trata-se de vertebrar demandas e decisões de baixo para cima. É a expressão da resiliência social do movimento após 22 dias de protestos e repressão governamental. É uma forma de ensaio geral da assembleia constituinte. Se abre assim um novo campo de possibilidades. E, de novo, Piñera, atrasado. Propõe diálogos não vinculantes e novamente convoca os militares através do Cosenaxix (FLORES, 2019). Novo erro.

Muitos resultados são possíveis. Na rua ressoa a renúncia de Piñera. Desde o fracasso do compromisso autoritário e suas graves consequências para os Direitos Humanos, germinou o slogan “fora Piñera”. O presidente se defende desse desfecho. Um setor da oposição (o Partido Socialista) propõe avançar as eleições gerais. Mas restam poucas alternativas, e a comunidade internacional pressiona (GARZÓN, 2019).xx Deputados da Frente Ampla e do Partido Comunista preparam uma acusação constitucional contra Piñera, mas a oposição não converge nesse ponto.

Nos partidos de oposição, as propostas são diversas, o que ilustra sua incapacidade de convergir neste momento crucial do país. No entanto a ideia de um referendo popular sobre uma nova Constituição toma força, o que requer uma emenda à Constituição que contemple esse mecanismo eliminado pela Constituição de Pinochet. Mais uma vez, a armadilha de 1980. É um caminho institucional que exige os votos do governo (2/3 em cada câmara). 47% dos deputados de direita e 37% de seus senadores governistas teriam que se somar a uma oposição unida (antiga nova maioria mais a frente ampla), um cenário que precisa da liderança de Piñera no oficialismo e da unidade transversal da oposição.

Em suma, não é só uma crise social. A crise da desigualdade levou a uma crise política da qual nenhum partido político pode escapar. Nem os mais novos. É a crise da elite, a crise da representatividade, a crise da soberania popular. Embora os estudantes tenham sido o gatilho, o que veio depois da faísca foi uma revolta transgeracional, transversal e espontânea da população chilena contra a desigualdade e uma democracia sequestrada pelas elites. Daí a fúria contra os símbolos do consumo e a recalcitrante rejeição aos partidos e aos políticos. Mas no Chile, como no Brasil depois de junho de 2013, uma ultradireita oportunista e desinibida espreita (MEDEIROS, 2015). Os riscos de um novo fracasso da classe política abrem um abismo que pode desencadear, no meio prazo, uma contra virada da vontade popular e uma mudança radical de cenário. As forças sociais, progressistas e democráticas (organizações sociais, ex-Nova Maioria, Frente Ampla e direita não-pinochetista) têm o dever histórico de convergir e de dar alternativa à deselitização e à desprivatização da democracia chilena.

A população tem fome de mudanças estruturais. E os slogans “novo pacto social”, “nova constituição” ou “assembleia constituinte” crescem. Estudos de opinião pública ratificam os ventos de transformação. Em 4 de novembro, 85% dos chilenos consideravam a nova constituição uma prioridade (sobre segurança, educação, saúde etc.) e 75% concordavam com a assembleia constituinte como método (DESOC, CMD et COES, 2019). Nova semana, nova greve geral que soma agora os mineiros do cobre (SILVA, 2019). Uma bola de neve. Na medida em que Piñera chega atrasado, a rua, o plebiscito constitucional e a renúncia presidencial fervem: agora o povo chileno decide seu caminho.

Bibliografia

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DESOC, Núcleo Milenio en Desarrollo Social, Centro de Microdatos de la Universidad de Chile CMD et Centro de Estudios de Conflicto y Cohesión Social COES. Termómetro social octubre 2019, 4 novembre 2019. En ligne au : <https://b6323ffa-7fb7-4415-b07a-a0afa49c7f3f.filesusr.com/ugd/a52fe7_2da7b8055e3d4c5786ec58984500c247.pdf?index=true>, consulté le 5 novembre 2019.

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GARRETÓN, Manuel Antonio. « Incomplete Democracy. », Chapel Hill: university of north carolina press, 2003.

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KREMERMAN, Mauricio. « Fundación SOL: “En Chile hay una gran desalineación entre los salarios, el PIB y el costo de vida" », Fundacion Sol, 9 juillet 2018. En ligne au : <http://www.fundacionsol.cl/2018/07/fundacion-sol-en-chile-hay-desalineacion-entre-salarios-pib-y-costo-de-vida/>, consulté le 31 octobre 2019.

MEDEIROS, Josué. « Breve história das jornadas de junho: uma análise sobre os novos movimentos sociais e a nova classe trabalhadora no Brasil », Revista História & Perspectivas, vol. 27, 4 février 2015. En ligne au : <http://www.seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/28888>, consulté le 4 novembre 2019.

MONCKEBERG, María Alicia. El saqueo de los grupos económicos al Estado de chileno, 1re éd., Debolsillo, 2001.

SALAZAR, Gabriel. « El «reventón social» en Chile Una mirada histórica | Nueva Sociedad », Nueva Sociedad | Democracia y política en América Latina, 24 octobre 2019. En ligne au : <http://nuso.org/articulo/protestas-Chile-estudiantes-neoliberalismo/>, consulté le 29 octobre 2019.

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Notas

Juan-Pablo está cursando PHD em Geopolítica na Universidade de Paris. Possui mestrado em MASTER Recherche Études Internationales - Institut de Hautes Éstudes de l'Amérique Latine (2013), atuando nas áreas de integração regional da América do Sul, com ênfase na questão energética, processos eleitorais e partidos políticos. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Ciência Política e geopolítica. Colaboraram com este texto: Mauricio Briceño, Anne Dufau, Josué Medeiros, Alana Moraes, Pablo Pallamar e Ramon Szermeta.

2- Os estudantes do ensino médio têm uma forte história rebelde no Chile. Somente até agora neste século XXI, a mochila de 2001, a revolução dos pingüins de 2006 e a revolta estudantil de 2011 demonstram o papel de resposta que essa propriedade tem. No atual levante nacional, foi a faísca que incendiou o prado.

3- O governo anuncia um aumento no transporte, mas uma taxa diminui entre 5 e 7 da manhã.

4- O general Javier Iturriaga, parente de Raúl Iturriaga Neummann (ex-membro do Dino de Pinochet, atualmente preso por violações de direitos humanos), é general da divisão do exército. Assume o comando da ordem pública durante o estado de emergência.

5- "Muito mais cedo que tarde, de novo novamente se abriram as grandes avenidas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor". Últimas palavras de Salvador Allende ao povo chileno, pronunciadas pela rádio Corporation durante o bombardeio da Força Aérea do Chile ao palácio de governo La Moneda em 1973. Recuperam hoje, no contexto da revolta e de sua repressão pelo governo de Piñera, um profundo sentido histórico, social e político para a grande maioria da sociedade chilena.

6- É frequente nestes dias, ver na mídia um enfoque que vitimiza as polícias, ou fazer estimações ridículas sob a densidade dos manifestantes nas protestas. Em 25 de outubro, o governo informava inicialmente uma concorrência de 30 mil pessoas a um protesto que tinha 2 milhões, e teve que retificar por a influência da internet e as redes sociais na formação de opinião pública: instalar a ideia de fracasso ou êxito do movimento social ou do governo, dependo do ator.

7- Diferentemente das mobilizações estudantis de 2001, 2006 ou 2011 no Chile, o cacerolazo chileno de 2019 não foi derramado em centros estudantis, federações ou sindicatos. Sua explosão foi resultado de uma convergência espontânea de indivíduos e microgrupos organizados.

8- O Escritório de Advocacia da Universidade do Chile afirma que recebeu mais de 600 reclamações relacionadas a “casos que variam de detenções e falhas ilegais a processos devidos a impactos de projéteis (balas de borracha), golpes com ferimentos graves e despir-se, entre outros” (FUENTES, 2019).

9- Só depois de 10 dias de protestos nacionais, o 28 de outubro Piñera decide mudar seu gabinete sem nem um efeito sob o movimento. O governo chega tarde.

10- Quase 7 milhões de pessoas habitam a capital ou região metropolitana.

11- Produto interno bruto por habitante. No Chile, atinge US$ 25 mil dólares (cerca de 19,5 milhões de pesos chilenos ou R$ 104 mil por ano).

12- Taxas de câmbio correspondentes à semana de 28 de outubro de 2019.

13- A repressão estatal pelas forças armadas (polícia e exército) tem sido protagonista de numerosos massacres, com um final fatal para o protesto popular e suas demandas sociais da população marginalizada. Mencionemos alguns como o massacre da Escola Santa María de Iquique em 21 de dezembro de 1907 ou em 1925: 2 a 3 mil mortos; o assassinato da greve geral de trabalhadores também do salitre no pampa del Tamarugal (norte do Chile) reprimido pelo exército: estima-se que 2 mil trabalhadores estejam mortos; abril de 1957, protestos contra o aumento do transporte que terminam em cerca de vinte mortos, em um cenário semelhante ao atual.

14- Reforma projetada e operada por José Piñera, irmão de Sebastián Piñera, economista da PUC e Harvard, ex-ministro do Trabalho e Previdência Social de Pinochet.

15- Sistema binominal: são escolhidos dois assentos por distrito eleitoral: um da lista mais votada e outro da segunda lista mais votada. Resultado: as duas primeiras maiorias recebem cerca de 50% dos assentos.

16- Após o retorno à democracia em 1989, Pinochet, ainda comandante em chefe das forças armadas até 1996, ameaçou e demonstrou seu poder em várias ocasiões, levando os militares às ruas: exercício de ligação em 1990, a colisão em 1993 ou enviando sem Ele consultou o governo Frei sobre o envio de um avião da força aérea para Londres durante a prisão de Pinochet pelo juiz Garzón.

17- Foi assim que Pinochet assumiu em 1996 uma posição de senador vitalício após se aposentar do comando das forças armadas.

18- Sistema binominal, nomeados senadores e imobilidade dos comandantes em chefe das Forças Armadas.

19- Conselho de Seguridade Nacional (Cosena). Órgão do Estado que reúne o presidente da República, os presidentes do Senado, da Cámara dos Diputados e da Corte Suprema; os comandantes em chefe das Forças Armadas; general diretor dos Carabineros, e el contralor. Sua função é coordenar-se quando há riscos para a seguridade nacional frente a ameaças externas.

20- Embora Baltasar Garzón, “o juiz espanhol que ordenou a prisão de Augusto Pinochet em Londres em 16 de outubro de 1998”, apresentado em uma carta pública endereçada a Piñera, o avise “que as violações de direitos humanos que estão sendo cometidas e crimes cometidos contra a população civil, desta vez não permanecerão impunes porque, além do Ministério Público do Chile e do Instituto Nacional de Direitos Humanos, existe Jurisdição Universal, existe o Tribunal Penal Internacional, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e uma comunidade internacional atenta e vigilante, que não permitirá que os horrores do passado se repitam no Chile”. Veja: O que está acontecendo no Chile? Por Baltasar Garzón.

Edição: Fundação Perseu Abramo