Rio de Janeiro

DESCASO

Salários atrasados: dívidas e problemas de saúde afetam servidores de Caxias (RJ)

Falta de calendário para pagamento na rede municipal, desde 2016, já provocou suicídios e mortes por infarto

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Até o fechamento dessa reportagem, 30% dos aposentados ainda não haviam recebido o 13° salário e nenhum deles o salário de setembro
Até o fechamento dessa reportagem, 30% dos aposentados ainda não haviam recebido o 13° salário e nenhum deles o salário de setembro - Divulgação

Um dos municípios do estado do Rio de Janeiro que mais arrecada com royalties de petróleo e mais recebe recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, tem acumulado atrasos de salários e de aposentadorias dos servidores municipais desde 2016.

Professores da ativa e aposentados relatam quadros de depressão, adoecimento - por falta de dinheiro para compra de medicamentos -, constrangimentos por precisarem pedir ajuda a amigos e familiares, perda de crédito e de planos de saúde por falta de pagamento. Suicídios e mortes em decorrência de infartos também estão na conta das consequências dos atrasos dos pagamentos no município.

Até o fechamento desta reportagem, 30% dos aposentados ainda não haviam recebido o 13° salário e nenhum deles o salário de setembro. Entre os profissionais da ativa, 16% não receberam o mês de outubro. Os servidores afirmam que há anos não sabem mais quando receberão seus salários, porque a prefeitura até hoje não divulgou um calendário de pagamentos.

Histórias

Quando percebeu que a Câmara dos Vereadores de Caxias aprovaria o conhecido “pacote de maldades” do prefeito Washington Reis (MDB), em 2017, a professora Maria Emília Barros do Rosário decidiu se aposentar. A medida foi responsável por retirar uma série de direitos que eram pagos aos servidores públicos do município. Maria Emília não esperava que, mesmo aposentada, seria alvo da política de precarização do serviço público.

“Recebi o salário de agosto só no dia 18 de outubro. Se não tiver com quem contar, nem sei como vai ser. Perdi plano de saúde, perdi cartão de crédito. Hoje, conto com a ajuda dos meus filhos. É uma situação muito humilhante, e a gente vê que a escola pública só sobrevive porque fazemos festinhas, mutirões. As obras de fachada da prefeitura não são por falta de dinheiro, é falta de respeito com a vida humana”, afirma a aposentada, que começou a trabalhar na rede pública em 1978.

Profissional da educação, Suzi Meri de Souza Saraiva contou ao Brasil de Fato que os problemas datam do antigo governo, mas que na gestão atual “virou rotina” atrasar salários e desrespeitar os servidores. “Estamos enfrentando problemas de saúde sérios. Me vi numa situação em que as contas iam chegando, com marido e filha desempregados e sem salário. Comecei a fazer artesanato para vender nas ruas e em feiras. Vários colegas tiveram que buscar atividades alternativas para sobreviver”.

Exoneração

Abalada com a falta de pagamentos, a professora Michelle Pessanha conta que foi alvo de deboches e ironias quando passou pela perícia médica da prefeitura para se licenciar temporariamente. Servidora há 13 anos e ativista do “Movimento Por uma Educação do Campo”, ela denunciou a pressão psicológica para que profissionais nesta situação peçam exoneração do cargo.

“É fato: há um grande adoecimento da rede e há muitos relatos de maus tratos às professoras. Quando a gente adoece, vai para lá e é pressionada a pedir exoneração do município. Desrespeito e descaso de todas as formas, casos de deboche em relação aos funcionários públicos, tudo isso virou rotina. E falta clareza nas contas sobre o que está acontecendo”, afirma Michelle.

Bruxismo, tremores nervosos e insônia são nestes anos de crise alguns dos sintomas de Luciene Andrade de Souza, há mais de 20 anos professora da rede municipal. À reportagem, ela contou que para não deixar de pagar as contas que não param de chegar, contrai empréstimo todos os meses e faz uso do cheque especial. O resultado é que ela está pagando cerca de R$ 1 mil por mês apenas em juros do banco.

“Vivemos na angústia de saber dos nossos direitos, mas que eles estão sendo negados por uma prefeitura que tem a segunda maior arrecadação fiscal do estado. Não é falta de dinheiro, é decisão política para testar até a exaustão nosso poder de resistência. Imagina ser aposentado e viver dessa forma. Mas seguiremos na luta, por nós e pelos servidores aposentados”, critica a professora, acrescentando que a prefeitura aumentou o desconto previdenciário de 11% para 14%.

Sem justificativa

Em entrevista ao Programa Brasil de Fato RJ, a professora e diretora do Sindicato Estadual de Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), Maria Cândida Almeida, disse que não existe nenhuma justificativa plausível para os atrasos salariais e que a Prefeitura de Caxias só realiza os pagamentos quando é denunciada.

"Não tem argumento, temos acompanhado todas as prestações de contas, a verba com impostos tem crescido. Entendemos que é uma questão de falta de prioridade. Tivemos acesso a shows, cantores famosos se apresentando gratuitamente no município, então é uma escolha, prioridade. E a vida das pessoas não tem sido a prioridade”, aponta Cândida.

A prefeitura afirma apenas que vem se esforçando para colocar as contas em dia desde que Washington Reis assumiu o comando de Caxias, mas não divulga, porém, o calendário para os próximos pagamentos dos vencimentos em atraso. Na última quinta-feira (31), servidores e aposentados fizeram um protesto em frente ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) para pedir uma auditoria no sistema previdenciário de Caxias.

Edição: Mariana Pitasse