Rio de Janeiro

RECORDE

Mês das crianças: 24 crianças e adolescentes mortos em ações policiais no Rio em 2019

Ao todo, 5 crianças e 19 adolescentes perderam a vida até o mês de outubro, segundo levantamento do Fogo Cruzado

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Crianças mortas em 2019 até o mês de outubro:  Ágatha Félix, Kauê Ribeiro dos Santos, Kauã Rozário, Kauan Peixoto e Jenifer Silene Gomes
Crianças mortas em 2019 até o mês de outubro: Ágatha Félix, Kauê Ribeiro dos Santos, Kauã Rozário, Kauan Peixoto e Jenifer Silene Gomes - Reprodução

Jenifer Silene Gomes, de 11 anos, moradora do bairro de Triagem, na zona norte do Rio de Janeiro, morreu com um tiro no peito em fevereiro deste ano em frente ao bar da mãe. Jenifer foi a primeira criança vítima fatal da atual política de segurança pública do estado do Rio que já levou à morte 24 crianças e adolescentes neste ano, até o mês de outubro, e deixou outros 47 feridos, no mesmo período, segundo levantamento compilado pelo Brasil de Fato a partir de dados da plataforma Fogo Cruzado

Ao todo foram 5 crianças e 19 adolescentes que perderam a vida em operações policiais no estado do Rio em 2019. A plataforma Fogo Cruzado aponta ainda que, de janeiro a setembro deste ano, houve 6.058 tiroteios/disparos de arma de fogo na região metropolitana do Rio. No total, já são 2.301 pessoas baleadas, das quais 1.213 mortas e 1.088 feridas. O último caso envolvendo a morte de criança ocorreu em 21 de setembro, no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. A menina Ágatha Félix, de oito anos, foi alvejada por um tiro de fuzil dentro de uma Kombi a caminho de casa com a mãe. 

Para a advogada Vera Souza, que atua no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (Cedeca-RJ), a política de segurança pública adotada pelo governo de Wilson Witzel (PSC) tem causado mortes e traumas para as pessoas que moram em áreas que são alvos constantes das operações policiais. 

“Os impactos também são muito nocivos em relação a falta de possibilidade de efetivação dos direitos, direito de ir e vir, de frequentar a escola, de acessar uma unidade de saúde e as questões complexas com relação aos traumas que essas operações estão causando em crianças. É um número muito grande de denúncias que a gente vem acompanhando”, destaca.

 

Na mira do fuzil

Em setembro, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) junto com a deputada federal Talíria Petrone (Psol) denunciaram à Organização das Nações Unidas (ONU) o que chamaram de “agenda genocida” do governador do estado. Na denúncia destaca-se que as mortes em confrontos com  policiais chegaram a um nível recorde no primeiro trimestre de 2019. 

Dados do último Dossiê Criança e Adolescente do Instituto de Segurança Pública (ISP), realizado em 2018, já apontavam que a letalidade violenta contra crianças e adolescentes tem um recorte de raça. Segundo a pesquisa, o número de vítimas de homicídios dolosos, lesões corporais seguida de morte, latrocínio e auto de resistência para crianças e adolescentes negros é de 45,3 vítimas por 100 mil habitantes negros de 0 a 17 anos, ou seja, quase nove vezes maior do que a taxa entre as crianças e adolescentes brancos. 

Com o intuito de reduzir o número alarmante de mortes entre os jovens, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou no estado do Rio o Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes. A iniciativa, lançada no ano passado, é baseada numa experiência iniciada em 2016 no Ceará e é composta por 22 organizações entre governamentais e não governamentais que pensam estratégias para frear o alto índice de assassinatos na juventude periférica. O Cedeca está entre as instituições que compõem o Comitê. Souza explica que as atividades desenvolvidas pela iniciativa estão em fase inicial, mas que as estratégias para pensar as ações efetivas já estão sendo construídas.

“Tem como uma proposta pensar ações de redução, principalmente através de uma pesquisa que está sendo realizada, que ainda está bem no início, mas pensando estratégias de incidência política, de atenção nos territórios, fluxos que possam fazer tanto o atendimento dessas famílias que perdem os adolescentes, quanto das  famílias dos adolescentes que também são do grupo de risco. A gente tem conversado com  várias instituições com relação a isso, pactuado com o Ministério Público, o poder judiciário, a Defensoria Pública, com a secretaria de estado e do município do Rio para que cada instituição, entidade, serviço se comprometa naquilo que a sua especificidade trabalha”, detalha. 

Nesta quinta-feira (17) ocorrerá uma audiência pública na Alerj com mães e mulheres de favelas, movimentos sociais, especialistas, instituições da sociedade civil e responsáveis pelo poder executivo para debater a política de segurança do estado do Rio.

Edição: Mariana Pitasse