Rio de Janeiro

VIOLÊNCIA

Moradores de comunidades protestam contra operações policiais no Rio

Reações foram organizadas na Vila Kennedy e Cidade de Deus após registro de uma morte e destruição de casas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro |

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Operação policial na Vila Kennedy, na zona Oeste, tirou a vida do pedreiro José Pio Baia Junior na terça-feira (3)
Operação policial na Vila Kennedy, na zona Oeste, tirou a vida do pedreiro José Pio Baia Junior na terça-feira (3) - Carl de Souza/ AFP

Operações policiais na zona oeste do Rio de Janeiro causaram morte e protestos na região nesta semana. Na manhã desta terça-feira (3) um homem que trabalhava em uma obra num imóvel na comunidade Vila Kennedy morreu com um tiro na cabeça. Segundo os moradores do local o pedreiro, José Pio Baia Junior, conhecido como Juninho, estava fazendo uma laje num bar quando foi alvejado. Num vídeo que circula pela internet, o dono do imóvel, muito emocionado, relata que a polícia entrou atirando na comunidade.

“Acabaram de matar um trabalhador em cima aqui da minha laje, o cara botando a laje. O cara trabalhando e o policial atirou e não tinha ninguém. O policial só dando tiro. É impressionante como a gente está sofrendo aqui na Vila Kennedy. Os policiais entram a qualquer hora, crianças e inocentes, tudo indo embora. A gente não aguenta mais. Pelo amor de Deus, vamos parar com esse negócio”, desabafou o dono do imóvel.

Os moradores da Vila Kennedy bloquearam a Avenida Brasil, na altura da comunidade, por volta de meio dia para protestar contra a morte do pedreiro. Durante a manifestação, um ônibus e pneus foram queimados.

Vinicíus Pierre é morador da Vila Kennedy e comunicador. Ao Brasil de Fato ele falou que o tiroteio na comunidade é diário e não tem hora para acontecer. De acordo com Pierre, Junior era uma pessoa conhecida na Vila Kennedy e houve uma comoção por parte dos moradores ao saberem da morte do pedreiro. “Hoje acabou que tomou um rumo maior do que o imaginado.  A população local sentiu as dores, até porque o Juninho já tinha passado na casa de várias pessoas trabalhando e, por ele ser conhecido, acabou ganhando essa proporção", relatou.

De acordo com o comunicador, desde cedo a comunidade já estava apreensiva com a movimentação policial. "Quando eu fui na padaria estavam vários policiais na rua e subindo em direção ao morro que divide a Vila Aliança da Vila Kennedy foi quando começou a rolar essa informação de que haviam acertado o pedreiro que estava no bar do Valão”, destacou.

O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Estado de Polícia Militar. Por meio de nota, o órgão informou que policiais militares do 14º BPM (Bangu), que realizavam operação contra o roubo de carga e veículos na Avenida Brasil, foram atacados por criminosos na esquina da Rua Tunísia com Rua Gana, em um dos acessos à Vila Kennedy. De acordo com a Secretaria, o Comando do 14ºBPM abriu procedimento apuratório para verificar as circunstâncias do fato.

Cidade de Deus

Também nesta terça (3), na Cidade de Deus, na zona oeste, o automóvel blindado da Polícia Militar, conhecido como caveirão, entrou na localidade do Brejo e destruiu casas durante uma operação por volta das 6h. O local é a área mais pobre da comunidade. Num vídeo feito por moradores é possível ver o blindado da PM preso entre as casas.

 


Moradias destruídas após o blindado da PM ficar preso (Foto: Morador da Cidade de Deus)

Como forma de protesto, os moradores interromperam o trânsito na rua Edgar Werneck, na altura da Linha Amarela, nos dois sentidos, por duas horas. A via foi totalmente liberada às 11h15.

Salvino Oliveira, morador da comunidade e estudante de Gestão Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), relata que as operações na comunidade têm sido seguidas e que afetam diretamente o dia a dia de quem vive no bairro. 

“A operação não é só o tiroteio, que já é problemático, mas é a ausência de várias outras políticas públicas, quando tem uma operação colégio não abre, posto de saúde não abre, comércio não abre e os moradores que já são historicamente vulnerabilizados e não têm acesso à educação e saúde de qualidade, perdem o pouco que tem com esse evento. E como que faz? São 40 mil pessoas deixando de circular e ir e vir livremente. Hoje, por exemplo, as escolas suspenderam as aulas. E essas crianças? E a mãe que tem que trabalhar e  não tem onde deixar essa criança?”, explicou Oliveira. 

Por meio de nota a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que na localidade conhecida como Rocinha 2, o veículo blindado de transporte de tropa ficou preso em fios elétricos e que dois policiais desembarcaram para retirar os fios com segurança, porém ao sair daquele local, o blindado chocou-se com algumas moradias. 

De acordo com o órgão, a Polícia Militar esclarece entrará em contato com os moradores e irá ressarcir os danos provocados pela passagem do blindado.

Tiroteios 

Segundo o relatório referente ao mês de agosto lançado pela plataforma Fogo Cruzado, o Complexo do Alemão liderou o ranking de bairros com o maior número de tiroteios/disparos de arma de fogo: 38 registros. Seguido da Vila Kennedy, dessa vez em segundo lugar, com 31 registros. A Cidade de Deus está em terceiro lugar com 28 tiroteios. 

A pesquisa do Fogo Cruzado aponta ainda que de janeiro até agosto deste ano houve 5.495 tiroteios/disparos de arma de fogo no Grande Rio. No total, já são 2.038 pessoas baleadas: 1.063 morreram e 975 ficaram feridas.  Segundo o relatório, houve uma queda de 15% no número de tiroteios em comparação com o acumulado até agosto de 2018, mas ocorreu um aumento de 6% no número de baleados.
 

Edição: Mariana Pitasse