Rio de Janeiro

257 TIROS

Família do músico assassinado pelo Exército aguarda reparação do Estado brasileiro

"Sem família, emprego, pessoas que me ajudam, o que seria de mim e do meu filho?", desabafa viúva de Evaldo Rosa

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Além de Evaldo [foto], estavam no carro sua esposa, o filho de sete anos, uma amiga da família e o sogro, que também foi baleado
Além de Evaldo [foto], estavam no carro sua esposa, o filho de sete anos, uma amiga da família e o sogro, que também foi baleado - Facebook/Reprodução

Domingo, 7 de abril de 2019. Em Guadalupe, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, um carro de família é alvejado pelo Exército à luz do dia. O músico Evaldo Rosa dos Santos, de 46 anos, é brutalmente assassinado com nove tiros enquanto dirigia. No veículo também estava sua esposa Luciana Nogueira, 41, o filho do casal de apenas 7 anos, uma amiga da família e o sogro. O episódio que repercutiu no mundo ficou conhecido como o dos “80 tiros”, mas laudos produzidos durante a investigação comprovaram que o crime foi ainda mais grave: 257 disparos foram efetuados pelos militares.

Quatro meses após o atentado, duas ações de reparação em benefício dos familiares de Evaldo correm na Justiça Federal. Uma reivindica do Estado brasileiro pensão de urgência equivalente aos ganhos do músico para Luciana e o filho Davi Bruno. Além disso, pagamento de danos morais, tratamento médico e psicológico. A justiça tem até o final desta semana para se manifestar sobre o pedido. 

“Eu fico pensando se eu não tivesse família, um emprego, pessoas que me ajudam, o que seria de mim e do meu filho? Perdi meu provedor, meu esposo, aquela pessoa que cuidava da minha casa. Como eu faria pra comer, dar continuidade com meu filho na escola, pra gente fazer o tratamento [psicológico pelo plano de saúde] que estamos fazendo. Estaria abandonada porque ninguém se aproximou dos advogados para intervir por mim e pelo meu filho. É muito triste a realidade do mundo e do país que a gente vive”, desabafa a viúva Luciana, técnica de enfermagem.  

O jovem catador Luciano Macedo, de 27 anos, foi a segunda vítima do crime fatal, morto ao tentar socorrer Evaldo. Macedo deixou esposa grávida que aguarda algumas semanas até o nascimento do bebê para entrar com ação na justiça. Os outros dois sobreviventes que estavam no veículo cobram danos morais e estéticos. Em entrevista ao Programa Brasil de Fato, o representante legal das duas famílias João Tancredo enfatizou a responsabilidade das autoridade nas mortes cometidas por agentes policiais no Rio de Janeiro.

“O governo federal e estadual estão na crista da onda no estímulo ao assassinato das pessoas. Um mostrando arminha o tempo todo [Jair Bolsonaro], outro [Wilson Witzel] dizendo que mira na cabecinha e atira. Isso, na verdade, é um estímulo para a tropa cometer barbaridades. Nós já batemos no primeiro semestre todos os recordes em assassinato por agentes públicos, olha o caminho que estamos seguindo. É importante que o juiz leve isso em consideração para frear esses governantes”, argumenta o advogado.

De acordo com a Lei 13.491/2017, sancionada pelo então presidente Michel Temer, os assassinos de Evaldo Rosa e Luciano Macedo serão julgados por uma corte militar. Em nota ao Brasil de Fato, o Comando Militar do Leste (CML) respondeu que “não comenta processos em curso na Justiça Militar da União”. O grupo de militares envolvidos no caso dos 257 tiros serão julgados pelos crimes de duplo-homicídio e tentativa de homicídio em audiência marcada para agosto.

Duda pai e marido

“Conheço o Duda, meu esposo, meu amigo, meu melhor amante, pai do meu filho, toda minha vida. Eu vi a pessoa morrendo do meu lado, da forma que foi, por quem foi. Nunca mais vou ser a mesma pessoa. Dói a alma, o coração, tudo. Só venho pedindo a Deus para que meu filho seja forte, fico com muito receio por ele daqui pra frente, tomando dois tipos de remédio. O sorriso do meu filho hoje em dia é outro, ele é outra criança, diferente de quatro meses atrás. Perdi a melhor pessoa da minha vida, minha base”.

Luciana Nogueira tinha uma vida estruturada em Marechal Hermes, na zona norte. Depois do ocorrido, precisou mudar de endereço, procurar outra escola para o filho, iniciar tratamento psicológico e resistir à depressão de perder o parceiro, eles estavam juntos havia 27 anos. “Espero que o Exército possa repensar no seu alto comando a postura pra que isso não venha a acontecer com mais ninguém. Minha vida, do meu filho, da minha família, mudou totalmente, é uma perda irreparável”.

Edição: Vivian Virissimo